Logo Correio do Estado

Artigos

Bolsa Família alimenta cassinos virtuais

Por Gregório José, jornalista, radialista e filósofo

26 SET 2024 • POR Gregório José, jornalista, radialista e filósofo • 07h45
Caminhos da vida   Arquivo

Ah, o Brasil, esse grande cassino tropical onde a aposta é a mais nova religião, e o dízimo não vai para a igreja, mas para as casas de apostas. Quem diria que o dinheiro destinado a salvar vidas, tirar famílias da pobreza e trazer um pouco de dignidade se transformaria em fichas virtuais e palpites furados? Sim, meus caros, o jogo virou – e não foi por sorte.

Antes criticavam o jogo do bicho, mas bicheiros mesmos viam centavos e poucos reais em prêmios pequenos. E mais, todos conheciam os bicheiros, até os policiais.

Agora, veja bem, o pobre cidadão que mal tem dinheiro para o feijão com arroz, mas sonha com o churrasco de picanha do fim de semana, encontrou uma solução mágica para todos os problemas: apostas on-line! É a nova loteria, só que com um toque de tecnologia e ilusão de controle. Esfregue o celular como quem esfrega uma lâmpada mágica e voilà, o gênio aparece prometendo prêmios milionários em troca de uns reais (ou centenas, dependendo da empolgação).

Mas não vamos culpar o apostador, coitado. Ele só está seguindo o manual de instruções da sobrevivência no Brasil: “Aposte porque trabalhar não adianta, reze porque estudar não vai te salvar”. Se o programa Bolsa Família foi criado para garantir o básico, as bets parecem ter descoberto que, na verdade, o básico é uma senha de Wi-Fi, um celular em dia e uns R$ 100 para jogar no Flamengo ganhando por 2 a 1.

E aí, o BC (não confundir com aquela velha sigla de Bom Coração) solta uma nota técnica que mais parece um bingo de estatísticas. Cinco milhões de chefes de família, aqueles que deveriam usar o dinheiro do governo para alimentar os filhos, mandaram via Pix R$ 3 bilhões para as bets no mês passado. Isso representa 20% do valor total repassado pelo programa. A propósito, já mandaram o troféu “Mãos Furadas 2024” para o Ministério da Fazenda?

Enquanto isso, o que os empresários de apostas fazem? Mandam agradecimentos silenciosos para o governo. “Obrigado pelo ‘Bolsa Bet’”, pensam eles, felizes da vida com os cofres transbordando. Quem diria, hein? O Pix foi a verdadeira revolução no País: democratizou o acesso ao endividamento!

E o mais engraçado – se não fosse trágico – é o perfil do apostador: jovem, com futuro promissor na carreira de “ganhador de apostas esportivas”. Apostam no que deveriam investir em comida e moradia, e se perdem nas promessas de fortuna fácil.

Afinal, quem precisa de escola ou saúde quando se pode sonhar com o jackpot?

E aí vem o senador Omar Aziz, preocupado com a saúde pública, tentando tirar as bets do ar. Azar o dele. Essas empresas já aprenderam a jogar o jogo: “Enquanto tem otário, a gente fatura”. Afinal, não se tira doce da boca de criança, ou melhor, do bolso dos desesperados.

Mas o que fica claro é que o País está em um jogo sem fim. De um lado, as promessas governamentais de dias melhores, de outro, as bets, oferecendo um atalho perigoso e ilusório. Mas como diz o ditado: “Quando a esmola é demais, o santo desconfia”. Mas e quando a esmola vira aposta? Aí, meu amigo, só resta o santo fazer uma fezinha também. Afinal, todos estão no mesmo barco furado, navegando nas águas turbulentas do “Brasil, País de apostadores”.

E antes que me acusem de pessimismo, digo: a aposta aqui é clara. O governo regulamenta, a renda vai para os impostos, e nós ficamos com a promessa de que, um dia, o Brasil vai deixar de ser o cassino da América Latina para se tornar... bom, talvez um parque de diversões. Quem sabe, com menos roleta e mais comida no prato.