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100 anos Marcello Mastroianni, a exaltação da vida Astro italiano, que chegou a ser enviado para campos de trabalho forçado durante a 2ª Guerra, imprimiu em 160 filmes, mais que a sua aparência de galã, a intensidade do viver 28 SET 2024 • POR MARCOS PIERRY • 10h00
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Outro dia morreu Alain Delon, ícone do cinema e dono de um par de olhos azuis de tamanho magnetismo que certamente muito contribuiu para que seu reconhecimento como ator fosse apequenado em favor da estampa. Homem mais bonito do mundo por três, quatro décadas. Era o que já se dizia dele, e voltou a se dizer com a notícia do falecimento. 


No entanto, na cabeça de meio mundo, aquela metade do planeta que cresceu e se criou ainda nos tempos em que o cinema era o principal vetor da indústria cultural, quando irrompe o superlativo da beleza masculina, aparece ladeando ou superando o astro francês o nome de um italiano.

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Houve uma vez, nas telas e na vida, Marcello Vincenzo Domenico Mastrojanni, com o seu porte médio (1,74 m), seus olhos e cabelos castanhos e os ares de galã sedutor que pôs de joelhos centenas de mulheres onde quer que fosse, na ficção e fora dela. 


Marido de Catherine Deneuve, com quem teve uma de suas filhas, a cineasta Chiara Mastroianni, Marcello era tão matador nas artimanhas da sedução quanto discreto em publicizar o que fazia na vida privada – tanto quanto isso fosse possível para uma das maiores estrelas de sua época, que o próprio astro retratou, em “La Dolce Vita”, de Fellini, como o tempo dos paparazzi.


Mesmo sem ter legado uma autobiografia de próprio punho, o italiano, que nasceu em Fontana de Liri, ao sul de Roma, em 28 de setembro de 1924, completando portanto 100 anos de nascimento neste sábado, e que se foi há quase três décadas, em 19 de dezembro de 1996, deixou um depoimento revelador, concedido ao jornalista e amigo Enzo Biaggi, que saiu em livro (“Marcello Mastroianni – La Bella Vita”) no Brasil seis meses depois de sua morte. 


Além do retrato de uma geração, Biaggi, contemporâneo de Mastroianni, enfileira as conquistas do ator contabilizando 116 mulheres: Jeanne Moreau, Ursula Andress, Claudia Cardinale, Anita Ekberg, Monica Vitti, Julie Andrews, Shirley McLaine e Faye Dunaway são algumas delas. 


Deneuve, Flora Carabella Mastroianni, mãe de Barbara, a primeira filha do ator, e Anna Maria Tató, sua última companheira, também estão na lista. Quase todas aqui musas do cinema com que ele atuou. É uma lista de dar inveja em qualquer Roger Vadim.


Mas, reparando em alguns dos seus filmes, logo se vê que o charme de Marcello, embora não lhe faltasse em nada na aparência, estava muito no semblante, entre o abandono e o desvario, fosse qual fosse o personagem. 


O jornalista de “La Dolce Vita” (Federico Fellini, 1960), frustrado por ter que correr atrás da vida alheia. Giovanni, o marido adúltero e desencantado de “A Noite” (Michelangelo Antonioni, 1961), que parece sofrer mais que a esposa traída, vivida por Jeanne Moreau. O cineasta tresloucado Guido de “Oito e Meio” (1963) ou o ególatra Snàporaz de “Cidade das Mulheres” (1980), outros dois que fez com Fellini.


São personagens de extremos, entre a ingenuidade e a vilania ou quase, como tantos outros: os apaixonados por Sophia Loren (“Os Girassóis da Rússia”, Vittorio De Sica, 1970) e Maria Schell (“Noites Brancas”, Luchino Visconti, 1957), o homossexual comovente (“Um Dia Muito Especial”, Ettore Scola, 1977), o marido que não mais dá no couro de “Ontem, Hoje e Amanhã” (1963), outra parceria luminosa com Sophia Loren e De Sica, e, entre outros, a autocitação irônica em “Prêt-à-Porter” (Robert Altman, 1994).


E coisas menos conhecidas mas tão valiosas quanto “Dois Destinos” (Valério Zurlini, 1962), em que o reencontro com o passado em busca de um irmão o faz ver o quanto pode custar a cisão de uma família para o fracasso e a redenção de seus indivíduos. 


Mesmo nos equivocados, não necessariamente por sua presença, “Gabriela” (Bruno Barreto, 1983) ou “O Estrangeiro” (Luchino Visconti, 1967), Mastroianni afirmou o que talvez seja o seu maior valor como artista: conscientes ou não do bem ou do mal que possamos praticar, somos, no fundo, apenas seres sem muita certeza ou controle de nada, sujeitos às vicissitudes de um destino quase sempre implacável; é preciso, então, acreditar, sobretudo, na vida. A força do viver, na tela e além. Essa foi, sim, a sua maior beleza.

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