Stephanie Lourenço está no documentário “Pra sempre paquitas” disponível na Globoplay. Na produção, a curitibana reflete sobre sua trajetória como assistente da apresentadora Xuxa aos 12 anos, e conta como foi enfrentar a LGBTfobia nos bastidores do Projac no seu último ano como Paquita, e também fala sobre o apoio que recebeu dos fãs ao se assumir 20 anos depois.
Stephanie começou sua carreira de atriz atuando nos filmes “Xuxa Requebra”, “Popstar” e “Xuxa e os Duendes”. Depois disso, aos 16 anos, estudou artes cênicas na Inglaterra. Desde então, fez vários cursos, como a Oficina de Atores da Globo e no estúdio Ivana Chubbuck, em Los Angeles.
Em seu currículo artístico constam os longas “Ciclo”, de Ian SBF, e "O Último Animal", do diretor português Leonel Vieira. Em breve, Stephanie poderá ser vista em “Morfina” e “O Rei da Internet”, que têm estreia prevista para 2025.
Já no teatro, a artista atuou no espetáculo “O que meu Corpo Nu te Conta?”, em 2022 sob a direção de Marcelo Varzea. Durante o processo para a produção, ela assumiu sua bissexualidade.
Ativista pelos direitos dos animais tendo, inclusive, trabalhado em ONGs, Lourenço idealizou e lançou o curta-metragem “Emilio” em muitos festivais. A obra reflete sobre o aprisionamento de chimpanzés em circos e zoos.
Atualmente, a artista de 37 anos trabalha no desenvolvendo de seu segundo projeto autoral: um curta-metragem inspirado no processo teatral da peça “O que meu Corpo Nu te Conta?”. A obra vai abordar o vício em remédios prescritivos de maneira lúdica.
Stephanie é Capa exclusiva do Correio B+ desta semana, e em conversa com o Caderno ela fala sobre escolhas, carreira, próximos trabalhos e do documentário "Pra sempre Paquita" da Globoplay.
CE - Você entrou para o time das assistentes de Xuxa com apenas 12 anos. O que acha que ganhou e o que perdeu começando a trabalhar ainda muito nova?
SL - Foi uma aventura sair de Curitiba para o Rio para realizar um sonho de criança que foi trabalhar ao lado da Xuxa e fazer parte desse universo. Fiz amizades que levarei para a minha vida e carrego comigo muitas experiências e o orgulho de fazer parte do imaginário de tanta gente que cresceu com as Paquitas.
O lado negativo foi ter sido exposta muito nova a um ambiente despreparado para lidar com crianças/pré-adolescentes. Isso faz com que você tenha que amadurecer à força por não ter a sua infância respeitada.
CE - Quais os principais ensinamentos que ser Paquita te trouxe no âmbito pessoal e no profissional?
SL - Ter largado a minha vida muito segura em Curitiba para viver essa loucura maravilhosa no Rio de Janeiro me fez ser uma pessoa mais corajosa tanto no âmbito pessoal quanto no profissional. A disciplina rígida desde cedo ajudou a moldar quem sou hoje profissionalmente. Sinto que com a casca que criei ali muito nova hoje consigo lidar melhor com algumas questões delicadas da profissão.
CE - Nessa trajetória de 3 anos como Paquita, qual o momento mais marcante pra você e por que?
SL - Além do dia da minha escolha, que foi uma experiência surreal, acho que a primeira vez que subi ao palco com a Xuxa e minhas colegas no Criança Esperança em 1999. Foi algo único. Aquele público imenso vibrando com a gente, estar ali ao lado do meu ídolo de infância, com figurino, dançando músicas com as quais eu cresci, foi emocionante. Outra coisa que posso contar foi a primeira vez que nós fomos à Casa Rosa, que era a casa da Xuxa. Foi depois de um ensaio. Chegamos lá e ela fez pipoca para a gente e ficamos conversando. Parece algo bobo, mas comer pipoca com a Xuxa enquanto tentava fingir costume não foi uma tarefa fácil.
CE - No documentário “Para sempre Paquitas”, do Globoplay, você fala sobre sua sexualidade reprimida na época. Como é hoje poder falar do assunto?
SL - É libertador. Agora sinto que posso ser eu mesma. Tinha uma parte minha que sem perceber reprimi por muitos anos. Falar sobre isso me conecta a pessoas que muitas vezes estão passando ou passaram por uma situação similar à minha e nós nos ajudamos mutuamente.
CE - Aliás, como é hoje sua relação com as redes sociais e com os fãs, já que naquela época esse contato mais perto não existia?
SL - Naquela época nos comunicávamos por cartas. Eu tentava ler todas e respondia com uma carta padrão ou uma foto assinada para a pessoa saber que a mensagem tinha chegado a mim. Mas hoje é muito mais fácil. A minha comunicação com os fãs é muito mais fluida. Na medida do possível a gente troca ideias, muitos deles desabafam comigo, principalmente a respeito da LGBTfobia que passam.
Me sinto honrada por depositarem essa confiança em mim. Só tenho instagram. Não dou conta de ter mais de uma rede social. Tento usar para divulgar meu trabalho, fazer alguns contatos e falar sobre coisas que acredito serem relevantes. Mas, obviamente, muitas vezes acabo perdendo a mão e passo mais tempo online do que gostaria. Adoro ver memes antes de dormir.
CE - Ter sido paquita abre (ou fecha) portas ainda hoje?
SL - Hoje, acho que profissionalmente não faz tanta diferença, mas as pessoas quando ficam sabendo que trabalhei com a Xuxa geralmente ficam curiosas e sempre acabam dividindo memórias de infância comigo. As pessoas com 30+ (rs).
CE - Na série, vemos muito debate sobre a pressão estética que as paquitas sofriam na época e como isso mexia com a autoestima de vocês. Hoje, com 37 anos, como Stephanie Lourenço lida com a própria vaidade e com a cobrança da sociedade?
SL - Gostaria de lidar melhor com isso. Ainda sou muito crítica com minha autoimagem, assim como muitas pessoas, principalmente mulheres da minha geração. Às vezes acho fútil, mas entendo que o buraco é muito mais embaixo. Trabalho diariamente para ser mais desapegada com a minha aparência, mas sei que isso é resultado de anos de revistas que depreciavam a nossa imagem e de um trabalho que me exigia estar sempre em um padrão quase inalcançável.
CE - Depois de sair do grupo, você passou a se dedicar a estudar teatro e tem já vários filmes e peças no currículo. Em que momento se descobriu interessada em atuar?
SL - Sempre quis ser atriz, desde muito pequena, mas me apaixonei pela idealização da profissão. Com o tempo fui descobrindo o que realmente significa o trabalho. E conforme eu fui estudando e trabalhando, ser atriz se tornou muito mais atrativo do que aquela ideia superficial e vaidosa que eu tinha.
CE - Além de atuar, você produziu e dirigiu um curta e está no processo para seu segundo trabalho atrás das câmeras. Como escolhe seus projetos? Pensa em investir mais na carreira de diretora?
SL - Em ambos os trabalhos também fiz/farei parte como atriz. Isso vem de uma necessidade do mercado de produzir seus próprios projetos. Mas também de uma necessidade criativa de se expressar ali naquela obra, por menor que seja, deixar a sua marca, a sua mensagem. Escolho no momento o que está mais próximo a mim, já que os dois filmes são autoficção. Mas gostaria de me arriscar mais em territórios talvez não tão familiares. E sim, quero me aventurar mais vezes no roteiro e direção.
CE - Em paralelo à carreira artística, você é ativista ambiental e já trabalhou em ONGs animais. Como começou essa sua paixão e como você tem se dedicado à causa atualmente?
SL - Eu sempre amei animais, mas comia carne. Até que um dia eu assisti na internet um filme chamado “Terráqueos” e outros vídeos que denunciavam não só a pecuária, como a indústria farmacêutica, cosmética, da moda e entretenimento. Aquilo virou uma chave em mim.
No dia seguinte, acordei vegetariana e uma semana depois estava trabalhando em uma ONG de direitos animais e com o tempo me tornei vegana. Depois fui trabalhar em uma agência de notícias de direitos animais. “Emílio”, o primeiro curta que idealizei, retrata uma relação de amizade entre uma mulher e um chimpanzé que mora em um santuário que resgata primatas vítimas de circos e zoológicos. Seria incrível produzir mais obras que juntem a minha paixão pelo audiovisual e os direitos animais. Sinto que assim poderia contribuir para a causa.
CE - Quais os sonhos de Stephanie Lourenço?
SL - Profissionalmente sonho em trabalhar fora do Brasil, além de me consolidar como atriz também no meu país. Fora isso, sonho em viajar e ter muitos bichos resgatados.
CE - E depois do sucesso do documentário “Para sempre paquitas”, já tem algo novo a caminho?
SL - Agora estou envolvida neste curta autoral que vou dirigir e roteirizar, além de atuar. É a adaptação para o cinema de um texto que escrevi e apresentei no teatro na peça “O que meu corpo nu te conta?” que aborda a dependência em remédios prescritivos. Quero produzir teatro voltado para a comunidade LGBT (principalmente pessoas lésbicas e bissexuais) e também pretendo me aventurar como atriz fora do Brasil.