O Receita Funciona é um programa voltado ao diálogo entre a Receita Federal do Brasil (RFB) e a sociedade civil, representada por entidades de classes de âmbito nacional, como centrais sindicais, confederações nacionais e representativas de categorias econômicas.
A intenção é louvável, pois, em regra, as relações entre o Fisco e os contribuintes não é das mais amistosas, de modo que a proposta tente a trazer ambas as partes para a mesa, a fim de discutirem questões relevantes e – quem sabe – construírem em cooperação soluções inovadoras, mais justas e adequadas no que se refere à conformidade fiscal.
É evidente que quando a resposta é dada “de cima para baixo”, essas tendem a ser mais difíceis de serem vistas com bons olhos.
Porém, se construídas democraticamente – ao menos é essa a nossa visão acerca do projeto –, elas são mais propensas a serem aceitas e cumpridas. Porém, como sempre, nem todos os temas poderão ser submetidos ao Receita Funciona.
Segundo o art. 6º da Portaria RFB nº 466/2024, não serão abrangidos pelo projeto: matérias para as quais haja trâmite processual específico; arguição de constitucionalidade de lei ou tratado; solicitação de informações que podem ser obtidas por meio da Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação); atendimento e andamento processual relativos a contribuintes específicos; e denúncias.
Enfim, o programa busca tratar especificamente a respeito das dificuldades que os contribuintes têm de se adequarem às exigências tributárias e aduaneiras, com a participação ativa desses.
Os que estiverem interessados em realizar essa tratativa devem realizar o protocolo do requerimento perante o site servicos.receitafederal.gov.br.
Para além disso, outra proposta que segue a mesma linha do diálogo é a tratada na Portaria RFB nº 467/2024.
Nela, a Receita, buscando evitar conflitos entre si e os contribuintes, institui o Procedimento de Consensualidade Fiscal – Receita de Consenso no âmbito da Secretaria Especial da RFB.
O foco desse programa é a composição consensual de conflitos entre o Fisco e os contribuintes que possam advir da qualificação de fatos tributários e aduaneiros.
Instituiu-se o Centro de Prevenção e Soluções de Conflitos Tributários e Aduaneiros (Cecat), que deverá ser composto, preferencialmente, por indivíduos com capacitação específica para o exercício das atividades e que serão escolhidos a partir de processo seletivo.
A busca, portanto, será capacitar o Cecat com servidores que tenham credenciamento para atuarem com técnicas de consensualidade, buscando solucionar controvérsias de qualificação de fatos diretamente com os contribuintes e, com isso, evitar – ou até mesmo extinguir – processos administrativos e/ou judiciais.
É importante ressaltar que o Receita de Consenso não discutirá demandas com indícios de sonegação, fraude ou conluio; crimes contra a ordem tributária; crimes de descaminho ou contrabando; infrações puníveis com pena de perdimento; e questões que tratem de fatos geradores cujo prazo de decadência para o lançamento do crédito tributário seja inferior a 360 dias, contados da data do requerimento para instauração do procedimento no programa.
Ressalta-se, ainda, que a concordância com o Termo de Consensualidade – documento final para dirimir a discussão – resultará no compromisso de adoção, por todas as partes envolvidas, da solução nele contida e, mais importante ainda, da renúncia ao contencioso administrativo e judicial na parte consensuada.
Entretanto, a RFB está empenhada no espírito consensual, o que não é lá muito comum para órgãos de Estado.
Se não for esse o espírito do Fisco, os projetos tendem a simplesmente serem inócuos, principalmente em decorrência das graves crises que têm sufocado os pagadores de impostos no País.
Outro ponto de indiscutível importância para o sucesso da proposta consensual é que o Estado “renuncie” a uma de suas blindagens mais características e abusivamente utilizadas para fugir de soluções conciliatórias: a indisponibilidade e supremacia do interesse público.
Até mesmo porque não haverá consenso se a negociação parte do princípio de que um ponto de vista deve prevalecer.
Na verdade, não se trata de renunciar o irrenunciável, mas adequá-lo à finalidade compositiva das normas citadas acima.
É preciso que o Estado brasileiro se posicione com real interesse na composição amigável e consensual, e não se utilize de subterfúgios para atrasar discussões administrativas e/ou judiciais legítimas dos contribuintes, ou, ainda, violando o princípio da boa-fé.
Construir por meio de instrumentos legais uma narrativa de Receita Federal “paz e amor” que não encontra eco na realidade não é suficiente para quem tem pesadas obrigações tributárias a cumprir para prover a União.