Não fosse o final repentino, com o recurso narrativo conhecido como “Deus ex-machina”, em que uma solução abrupta provoca o desfecho da história, “Golpe de Sorte em Paris” estaria entre os melhores trabalhos de Woody Allen, que chega aos 89 anos no próximo mês e, com esse filme, ao 50º. longa-metragem. Haja fôlego e inspiração, não somente pelos anos de vida e estrada, mas também por se tratar de um diretor que volta e meia recorre aos próprios clichês para dar fornalha à sua produção. E sujou a imagem por acusações de abuso familiar.
Neste longa de 2023, que esteve em cartaz em Campo Grande apenas por uma semana, com dois horários numa única sala do Cinemark, o roteiro de Allen ceifa a vida do vilão de uma hora para outra, na última cena, deixando momentaneamente sem ar quem está na poltrona. Mas o enredo de traição e assassinato transcorre de modo tão bem dosado, meio que na chave da comédia romântica, que o arremate final não chega a aborrecer. Pelo contrário, ficamos a pensar nas causalidades e sortilégios que definem a caminhada da cada um.
Todo falado em francês, “Coup de Chance” (título original) traz uma jovem e bela mulher casada (Lou de Laâge) que se envolve com um antigo colega de escola (Niels Schneider). Ela trabalha numa galeria de arte; ele está em Paris apenas para escrever seu novo romance. Os encontros são frugais, em parques ou no apartamento dele. Até que o beijo acontece e a paixão se torna avassaladora.
Se a casualidade marca o início do romance, é também ela, a quem se pode chamar de destino, que leva à morte do marido, que, por sua vez, nada por acaso, trama o assassinato do amante. Nonsense e uma reflexão sobre, afinal, o que é moral, num andamento leve, pra-lá de elegante, tornam o filme uma pérola perdida no cinema atual.