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ARTIGOS Uma legenda... ao Rei do Chamamé 17 OUT 2024 • POR Elio Tognetti, Advogado e professor universitário • 07h30
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No longínquo ano de 1945 nascia Valfridez Correa Braz, o Zé Correa, em 28 de outubro, na Fazenda Torquato, nas margens do Rio Urumbevá – que, em tradução livre do tupi, significa planta com espinhos –, em casa de taipa coberta com folhas de bacuri, onde hoje se situa a localidade de Água Fria, em Nioaque, hoje, um projeto de assentamento rural de sucesso.

Esse local pertencia aos seus pais, Manuel e Zeferina, ambos gaúchos oriundos da região das Missões, que aqui aportaram no início do século 20. Zé Correa formatou uma ligação profunda com Maracaju, tanto por sua família quanto pelos laços de amizade que ali fez desde guri, tanto que até gravou um chamamé intitulado de “Maracaju” – em tradução livre do tupi, seria o guiso da cascavel metálico.

Guri ainda principiou sua carreira com uma velha gaita de 80 baixos, criando seu próprio estilo, como autodidata, tanto que logo causou surpresa no meio fonográfico, pois passou à execução dos clássicos chamamés, estilo de música originária da região de Corrientes, na Argentina.

Durante sua mocidade morou em Santos (SP), onde formou com alguns amigos um trio que fazia shows em festinhas, tendo inclusive se apresentado em algumas rádios. Mas foi nas décadas de 1960 e 1970 que seu talento fora reconhecido País afora, tendo gravado seu primeiro trabalho nos idos de 1967, com a contribuição dos inesquecíveis Délio e Delinha, tendo como rótulo primário “Gosto Tanto de Você”, disco cujo próprio Zé fora o criador e o arranjador musical do primeiro álbum gravado por um mato-grossense ao tempo.

Apenas à guisa de memórias de pessoas do meu tempo, nesse álbum fora gravado “Bela Vista”, uma canção memorável, “Colorado Retá” – “Despues de tanto sufrir/despues de tanto lhorar/hastiado ya mi vivir...” –, “Dom Gumercindo”, “Oroité”, “Campanário”, “Triste Suspiro” e “Orgulho de Mato Grosso”. Em toda sua estrada, gravou cerca de 20 discos e um CD, todos com repercussão garantida, difundindo o estilo e a técnica musical até então desconhecida, o chamamé, ou chamamê, um estilo musical e de dança que tem por origem a tribo indígena Kaiguá, que fica na região fronteiriça entre o Brasil e a Argentina, na província de Corrientes.

Também era conhecida como Polkakirei, que seria “una polquita tocada e dançada mais ligerito”. Por isso, há quem defenda que o nome desse estilo deveria ser chamado de polca correntina. 

O curioso é que o termo chamamé não é nem guarani, nem espanhola e nem tradução direta para o português. E não há nenhum registro etimológico ou filológico que possa comprovar sua origem, porém, temos duas possíveis origens para o termo.

A primeira vem da expressão “Che amoá memé”, que significa “te protejo”, e a segunda é que o termo quer dizer “improvisação”. No entanto, nenhuma delas pode ser comprovada. Na Argentina, tem também o significado de “senhora, ama-mé”. Já aqui paro o lado ocidental, tem o significado de chamamento, aprochego, viene acá em jeroky.

Mas o fato é que Zé Correa se tornou o Rei do Chamamé, por meio de sua maestria do domínio dos teclados, coroado pela tradição musical de sua terra, cuja técnica tinha como forma o dueto. Isso mesmo, o dueto na própria sanfona, cuja forma e estilo influenciaram toda uma geração de músicos da nossa terra, pois o chamamé se executa com profundo sentimento nativista. Em sua curta existência, andou por todo o Mato Grosso uno ao tempo participando de todos os eventos sociais e regionais, mormente os eventos do agro e da cultura regionalista, especialmente a fronteiriça. 

Não à toa que Zé tinha diversos títulos, como: O Inimitável, Ídolo de MT, Rei do Chamamé e Acordeonista Orgulho de MT. Nesse pórtico, o brilhantismo de Zé assegurou-lhe presença marcante em programas radiofônicos, levando, assim, com o sentimento nativista de suas melodias, engalanar os flertes de jovem enamorados da época, em churrasqueadas seguidas de um bom chimarrão amargo, nos jeroky de chão, com tiros e grandes sapukays que soavam noite adentro, que, com sua delicadeza musical, interpretou não somente momentos de devaneios, mas também as tristezas do cotidiano de sua gente, por meio do som inconfundível de sua gaita que balançou mentes e corações e que hoje somente podemos deleitar por meio de sua obra que ficou e se eternizou.

Zé Correa faleceu no dia 9 de abril de 1974, no arbor de sua mocidade, aos 29 anos, mas sua biografia e seu chamamé continuarão na memória da nossa gente, influenciando a cada dia o surgimento de novos gaiteiros que seguem sua escola, embevecidos por essa magia musical do chamamé!

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