Não deixa de ser alguma ousadia o fato de que mesmo que um clássico como O Bebê de Rosemary tivesse dado espaço tanto para uma continuação como uma prévia, alguém tentasse.
A adaptação do livro de Ira Levin é ainda hoje um dos melhores filmes de Roman Polanski e um dos grandes clássicos do gênero terror psicológico. E em Apartamento 7A, o filme dirigido por Natalie Erika James, encontramos as respostas para alguns dos mistérios que o filme de 1968 não resolveu e deixamos alguns mais a resolver.
A proposta do roteiro é descobrir a história de Terry Gionoffrio (Julia Garner) a vizinha que Rosemary (Mia Farrow), conheceu na lavanderia do prédio e que SPOILER, inexplicavelmente pulou para a morte em uma noite fria de Nova York. Claramente, ela era a pessoa que a seita satânica tinha eleito para ser a mãe do anticristo, mas que decidiu romper o acordo com eles.
No filme original, Terry explica à Rosemary que foi tirada das ruas pelos vizinhos excêntricos delas, insinuando uma dependência química e prostituição. Aqui Terry é uma bailarina que sonha com o sucesso na Broadway, mas, após sofrer uma lesão devastadora, passa a usar remédios para dor e fica sem sonhos de futuro.
Seja como for, como explicado, Terry é acolhida por um casal mais velho e rico (Diane Wiest e Kevin McNally) que a leva para o luxuoso Bramford (na realidade, o Dakota). À medida que ela vai ascendendo, coisas misteriosas passam a acontecer até o culminar trágico da história. E isso não pode ser spoiler, afinal, é uma história que começa com nosso pleno conhecimento do final.
Julia Garner, como esperado, faz o que pode em um longa que faz umas opções criativas ‘curiosas’ para sair do obvio. Há os ‘sustinhos’ esperados de um filme de terror, o que é uma pena pois o brilhantismo de O Bebê de Rosemary está justamente nas insinuações e sugestões, por isso ainda é hoje um dos filmes mais assustadores já feitos, mas há cenas musicais que beiram o bizarro. Não acrescenta à narrativa, foi uma opção que justamente atrapalha a proposta. Mas sigamos.
O tema implícito de toda obra – sob a perspectiva feminina – é a questão do estupro, seguido da falta de agência sobre seu próprio corpo, usado para um mal maior. Mas enquanto no original Rosemary é ainda mais vítima do que Terry, pois ela não faz parte do pacto e é usada por Guy, seu marido, aqui Terry é manipulada a topar com o plano mesmo que ela nem saiba o que está acontecendo. Pelo menos a princípio.
Nada disso chega a mudar a conclusão, mas traz um drama semelhante ao de Rosemary pois o sexo não foi consensual, houve violência e Terry – sem entender o que houve exatamente – passa a sofrer gaslight quando percebe que há algo acontecendo nos bastidores.
Apartamento 7A consegue costurar as cenas de interação das duas mulheres, que é breve, de forma com que os fãs do original saibam que a história se manteve, porém porque escolheram a desnecessária inserção de “sustos”, a cena da lavanderia ficou fora de lugar, ainda que ok.
As ambições de Terry, uma tímida dançarina que veio do Nebraska para Nova York e que sonha com a fama, é mais triste do que o filme de Polanksi sugeria, especialmente porque cai no golpe de doçura de Roman e Minnie Castevet (Kevin McNally e Diane Wiest).
Os dois, aliás, estão ótimos e tinham um desafio ainda maior porque precisavam estar coerentes com o filme de 1968. Particularmente Diane, que já tem dois Oscars de Melhor Atriz Coadjuvante e aqui está sob a sombra da atuação de Ruth Gordon, premiada com um Oscar em 1969, como a assustadora e intrometida Minnie Castevet. Diane manteve o sotaque e os trejeitos que Ruth imprimiu na personagem, mas incluiu um tom ainda mais ameaçador que funciona muito bem em Apartamento 7A.
O fato de que o roteiro quer ser respeitoso é paradoxalmente o torna o filme morno. Há tensão, uma certa angústia também, mas é 100% previsível. A paranoia religiosa que marcou tanto o livro como o filme ressoavam com o que nos anos 1960s parecia uma ameaça, mas, em tempos atuais, fica exatamente como Apartamento 7A expõe: uma fantasia teatral, sem um peso real que nos faça temer de verdade.
O Bebê de Rosemary é apavorante porque subverte as referências sociais de “segurança” – o casal de idosos, o médico, a religião – cujas verdadeiras intenções são mais sinistras que a personagem possa captar logo de início. Já aqui não, Terry tem rápida percepção de que há sempre alguém querendo algo por trás de um gesto caridoso, mesmo que ela aceite querendo algo em troca. A inocência dela não funciona tão bem, restando a nós a seguir a história cujo final é conhecido de antemão.
Dito isso, a cena final com a entrada do tema musical do filme de 1968, dá um poder maior para essa prequela. Não é um clássico, mas traz uma perspectiva ainda mais sombria e triste para Rosemary. Poderia ser melhor, mas é bem intencionado.