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Ultima Ratio Ex-desembargador comprou imóvel caro com dinheiro "não rastreável", diz PF Júlio Siqueira se aposentou em junho deste ano e na casa dele foram apreedidos R$ 2,7 milhões em dinheiro na manhã desta quinta-feira 24 OUT 2024 • POR Neri Kaspary e Naiara Camargo • 13h22
Júlio Siqueira, que guardava em sua casa mais de R$ 2,7 milhões em dinheiro, se aposentou em junho deste ano   arquivo

Aposentado em junho deste ano, depois de atuar durante 40 anos no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, Júlio Roberto Siqueira foi um dos alvos da operação da Polícia Federal desencadeada nesta quinta-feira (24) por ter feito "transações imobiliárias de grande monta (...) com o emprego de recursos de origem não rastreável, ou seja, que não transitaram em contas bancárias de titularidade do investigado".

Foi na casa dele que a Polícia Fedeal encontrou em torno de R$ 2,7 milhões em dinheiro durante a operação na manhã desta quinta-feira. A PF chegu a pedir a prisão do ex-desembargador, mas o pedido não foi acatado. 

As informações cobra a compra do imóvel constam de reportagem do jornal Folha de S. Paulo., que teve acesso ao despacho do STJ que determinou o afastamento de cinco desembargadores, de um juiz, de um conselheiro do Tribunal de Contas e ainda cumpriu mandados de busca e apreensão na residência de dois desembargadores apontados recentemente. 

De acordo com esta reportagem,  as quebras de sigilo de comunicações que fundamentaram a operação pontam que as negociações sob suspeitas aconteciam por meio dos filhos dos desembargadores afastados.

Esses filhos investigados são, na maioria, advogados, que, segundo a PF, usariam seus escritórios para burlar mecanismos de rastreamento do fluxo de dinheiro.

Um dos afastados por 180 dias é o presidente do TJ-MS, Sergio Fernandes Martins. Os outros são Vladimir Abreu da Silva, Marcos José de Brito Rodrigues, Sideni Soncini Pimentel e Alexandre Aguiar Bastos.

GRAMPOS

Os investigadores apontam que “as conversas travadas entre a analista judiciária Natacha [Neves Bastos] e a magistrada Kelly [Gaspar] corroboram a hipótese criminal levantada no presente inquérito policial, no sentido de que a negociação de decisões judiciais ocorra por intermédio dos filhos dos desembargadores", diz a PF.

"[Os filhos são], em sua maioria, advogados e sócios de escritórios de advocacia e utilizariam de suas pessoas jurídicas na intenção de burlar os mecanismos de rastreamento do fluxo de dinheiro."

Natacha teve o sigilo telefônico quebrado pela Justiça, e conversava com uma juíza do interior Kelly Gaspar Duarte, de Aquidauaua. A conversa entre as duas acontecia após um traficante ter sido solto pelo tribunal, em uma decisão sob suspeita.

Nas investigações, são apontadas suspeitas de que o filho do desembargador Sideni Pimentel, o advogado Rodrigo Gonçalves Pimentel, teria recebido dinheiro devido a decisão favorável concedida pelo desembargador Julio Roberto Siqueira Cardoso, atualmente aposentado.

Além disso, conforme a investigação Júlio Siqueira Cardoso teria feito "transações imobiliárias de grande monta (...) com o emprego de recursos de origem não rastreável, ou seja, que não transitaram em contas bancárias de titularidade do investigado".

As suspeitas são de que Rodrigo Pimentel esteja envolvido em decisões que envolvem diferentes magistrados. Em uma mensagem encontrada em um HD apreendido pela PF, ele diz sobre uma decisão: "Vai sair hoje !! Certeza !! Perto das 6 da tarde !! Pode falar para seus parceiros aí até o horário pra ver q temos o controle !!".

Além disso, existem suspeitas de participação do advogado Fabio Castro Leandro, filho do desembargador Paschoal Carmello Leandro. O pai não foi alvo da operação. 

São citados ainda os filhos do desembargador aposentado Divoncir Maran, Diogo Rodrigues e Divoncir Junior, como operadores de vendas de decisões. Divoncir, dizem as investigações, é próximo do desembargador Marcos Brito.

Assim como Júlio Siqueira, Divoncir também é aposentado. Ele chegou a ser afastado em fevereiro deste ano por suspeita de ter colocado em liberdade o traficante Gerson Palermo, condenado a 126 anos de prisão. Em abril, porém, completou 75 anos e se aposentou. 

 Além das buscas, também há medidas como proibição de acesso às dependências de órgão público, vedação de comunicação entre investigados e uso de tornozeleira eletrônica por parte dos desembargadores. 

ESPERANÇA

A ação foi batizada de Ultima Ratio e investiga os crimes de corrupção em vendas de decisões judiciais, lavagem de dinheiro, organização criminosa, extorsão e falsificação de escrituras públicas no Poder Judiciário.
Os mandados de busca foram expedidos pelo ministro Francisco Falcão, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), e foram cumpridos por cerca de 200 policiais federais em Campo Grande (MS), Brasília (DF), São Paulo (SP) e Cuiabá (MT).

Na decisão, Falcão afirma ainda que foi encontrado "suposto conflito de interesses na atuação de Desembargadores no julgamento de processos envolvendo partes por eles representadas, quando ainda atuavam como advogados, antes da assunção do cargo de desembargador".

Nesses casos, os magistrados são obrigados a se declararem impedidos em julgamentos. Alexandre Bastos e Sérgio Martins chegaram ao TJ ocupando vagas que pertencem à OAB, pelo chamado quinto constitucional. 

"Também foram identificados diversos processos nos quais advogados que compõem escritórios de parentes dos desembargadores atuaram como procuradores, inclusive contratados por prefeituras municipais de Mato Grosso do Sul para prestação de serviços de consultoria jurídica, e que foram julgados pelos magistrados investigados", acrescenta o ministro.