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ULTIMA RATIO Fazenda "tomada" por sobrinho de Jeronymo foi pivô de investigação Dona de propriedade localizada em Maracaju fez empréstimos com terceiros e deu o local como garantia, mas depois, quando ela tentou pagar, familiares do conselheiro do TCE-MS não aceitaram 25 OUT 2024 • POR Judson Marinho • 09h00
Conselheiro do TCE-MS, Osmar Jeronymo   Foto: Gerson Oliveira

Disputa judicial pela titularidade de um imóvel rural localizado em Maracaju entre a proprietária e o sobrinho do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul (TCE-MS) Osmar Domingues Jeronymo foi o pivô da investigação que apura supostas vendas de sentenças feitas por desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS).

Segundo a investigação da Polícia Federal (PF), em trecho encaminhado ao Supremo Tribunal de Justiça (STF), os indícios dos crimes praticados pelos desembargadores do Estado foram coletados por meio de análises do telefone de Danillo Moya Jeronymo, servidor do TJMS que também é sobrinho do conselheiro do TCE-MS.

Após a quebra do sigilo telefônico de Danillo, chamou atenção das autoridades uma disputa judicial por posse de terra de uma fazenda localizada no município de Maracaju, que tramita na Justiça desde 2017 e discute se os empréstimos financeiros realizados pela proprietária da terra com outros envolvidos, entre eles Diego Moya Jeronymo, parente de Danillo, com garantia de uma parte da fazenda, tratava-se ou não de uma transferência de titularidade do imóvel.

Os investigadores identificaram por meio de conversas mantidas pelo aplicativo WhatsApp, extraídas do telefone apreendido de Danillo, indícios que apontam atuações ilícitas dos investigados, conselheiro Osmar Domingues Jeronymo e advogado Felix Jayme Nunes da Cunha, para a obtenção de decisão judicial favorável aos interesses de Diego Moya Jeronymo, que não consta como parte do processo e aparentemente foi um “laranja” no esquema.

TROCA DE MENSAGENS

A operação identificou troca de mensagens entre Danillo e Felix Jayme, em 2021, nas quais haveria suposta referência à compra de decisões judiciais envolvendo o processo movido por Marta Martins de Albuquerque, que alegava ser a dona da fazenda reivindicada por Diego e por Percival Henrique de Souza Fernandes.

Os dois teriam feito empréstimo para a pecuarista entre 2013 e 2015. No ano seguinte, Marta os procurou para quitar suas dívidas, mas os mesmos se recuraram a receber, alegando que o valor emprestado havia sido, na verdade, pela compra de 592 hectares da Fazenda Pauliceia, motivo do início da ação para anular essa posse.

Em conversas entre Felix e Danillo, o advogado o atualizou sobre o processo, que não estava em seu nome, mas no de Diego Jeronymo, acrescentando logo em seguida a possibilidade de “trabalhar na inépcia” para que uma das partes do processo possa “contribuir também”.

“As expressões utilizadas pelo advogado ao se referir à suposta ‘estratégia’ a ser adotada para a solução do litígio não são usuais no meio jurídico, visto que denotam uma possível negociação para a resolução do processo, mas sem envolver a parte contrária”, disse a PF com base na investigação.

Para conseguir o que queriam, documentos falsos que incumbia a titularidade da fazenda para outro dono teriam sido apresentados e aceitos no processo, no qual os investigados mantinham contato com o juiz de primeira instância e os desembargadores que julgaram o recurso, Vladmir Abreu da Silva, Júlio Roberto Siqueira Cardoso e Alexandre Aguiar Bastos.

“Há veementes indícios, conforme laudo pericial elaborado pela PF, de falsificação de escrituras públicas relativas à transferência de propriedade do imóvel em questão, lavradas em 2014 e 2015, pelo Cartório de Registro Civil e Tabelionato de Notas do São Pedro do Paraná-PR”, informa a PF no relatório.

O desembargador Sideni Soncini Pimentel também foi envolvido nesse processo, após decidir que um recurso especial apresentado pela defesa da dona do imóvel rural era inadmissível.

Conforme informações iniciais, Sideni, Vladmir e Alexandre são três dos cinco desembargadores que foram afastados pelo TJMS ontem, após a deflagração da Operação Ultima Ratio.

Em decorrência das investigações que prosseguiram, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também afastou o conselheiro do TCE-MS Osmar Domingues Jeronymo.

VENDA DE SENTENÇAS

No relatório do STF que aponta os indícios dos crimes envolvendo a venda de decisões judiciais no TJMS, consta diversos casos em que os advogados conversam com os seus clientes sobre o trâmite das decisões dos desembargadores que estão acordadas a serem favoráveis a eles.

Segundo consta no processo, em 2016, Jun Iti Hada, então prefeito de Bodoquena, negociou decisão envolvendo um julgamento de revisão criminal por meio de seu advogado Felix Jayme, processo no qual ele havia sido condenado anos antes, quando era médico legista, pela prática de dois crimes de falsa perícia.

Em dos casos ele atestou morte natural mesmo a vítima tendo perfurações no corpo, enquanto em outro ele afirmou haver lesão corporal, mas não havia.

Em um print, datado de 25 de agosto de 2016, o advogado afirma ao cliente que “está barato”. Na sequência, o então prefeito questiona se pode parcelar em duas vezes, mas é respondido que não havia como, “pois é muita gente envolvida para dar certo”.

“No diálogo, há fortes indícios de negociação de decisão judicial, visto que o advogado, nas conversas, aparentemente se refere ao valor da decisão a ser comprada e ao fato de diversos magistrados estarem envolvidos no julgamento”, diz a corporação policial.

OUTRO CASO

Segundo a PF, o desembargador Marcos José de Brito Rodrigues também atuou para livrar um amigo – que se tratava de um procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul (MPMS) – de arcar com até R$ 5 milhões em dívidas na compra de uma fazenda.

A pessoa em questão seria Marcos Antônio Martins Sottoriva, que pediu intervenção de Rodrigues em um processo em que ele pretendia desistir da compra de uma fazenda em condições vantajosas. 

No inquérito, consta a apuração de que a decisão de Rodrigues foi tomada sem ele nem sequer ter acesso aos autos, ou seja, sem ele ler o processo. Ainda assim, foi assinada por seu assessor.

Ao fim da decisão favorável, Sottoriva, que enquanto servidor no MPMS atuava perante órgãos judiciais de segunda instância, foi bastante cordial em retribuição ao favor.

“Graças a Deus e ao seu trabalho... Acabamos por fechar um acordo... Consegui alongar a dívida em mais uma parcela. Obrigado de coração. Boa Páscoa, na bênção de Deus e de seu filho, Jesus Cristo”, disse o procurador de Justiça.

Sottoriva, além de sua função no MPMS, também é conhecido por ser um grande pecuarista. Porém, ele estava em uma situação complicada: buscava a resolução de um contrato de compra de uma fazenda em 2020, em que alegava “onerosidade excessiva”.

A compra da fazenda foi indexada ao valor da arroba do boi, a qual disparou naquele ano, levando o procurador a querer desfazer o negócio. O valor da causa era de R$ 5 milhões.

Em primeira instância, o procurador de Justiça já não tinha tido sucesso em seu pleito. A outra parte alegava que Sottoriva é pecuarista e tinha pleno conhecimento do negócio e da movimentação do mercado e ainda cobrava segurança jurídica por parte do TJMS.

Derrotado em primeira instância, restou ao procurador interpor um agravo de instrumento distribuído ao amigo Rodrigues. Foi então que Sottoriva procurou o desembargador.

“Sem ter acessado os autos, Marcos José de Brito Rodrigues pede a Marcelo, seu assessor, para providenciar a elaboração de decisão liminar – concedendo os efeitos pretendidos sem entrar no mérito –, a fim de ele assinar a decisão”, informa a PF em seu relato. (Colaborou Eduardo Miranda)

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