Logo Correio do Estado

MÚSICA Conheça o repertório e os detalhes da turnê do cantor Ney Matogrosso Conheça o repertório e outros detalhes da turnê "Bloco na Rua Ginga pra Dar & Vender", do cantor Ney Matogrosso, que vem rodando o País desde 2022 e passa por Campo Grande, no Bosque Expo, na próxima semana (8/11); ingressos a partir de R$ 175 30 OUT 2024 • POR DA REDAÇÃO • 10h00
  fotos: DIVULGAÇÃO

Não é a primeira vez que Ney Matogrosso passa tanto tempo – cinco anos – com a mesma turnê. Foi assim com “Atento aos Sinais” (2013), que, aliás, como essa “Bloco na Rua”, começou no palco antes de virar disco. A diferença é que, se na anterior o artista caiu na estrada sem puxar o freio de mão, a atual excursão passou por um pouso forçado de dois anos provocado pela pandemia.

O que o público de Campo Grande terá, portanto, perante os olhos e ouvidos na próxima semana é uma versão “deluxe” do show que estreou em 2019.

Tanto que, desde a retomada, em 2022, o nome da turnê acabou ganhando um acréscimo, tornando-se “Bloco na Rua – Ginga pra Dar & Vender”. Como na anterior, o cantor surge no palco com um figurino que recobre a sua cabeça, para logo ficar, bem ao seu modo, “nu com a minha música”, como diz o título de uma canção de Caetano Veloso que batiza o EP lançado por Ney em agosto de 2021.

Também como na turnê que antecedeu a atual, há nos créditos três compositores que emprestam suas canções, não as mesmas, para o repertório.

Dan Nakagawa, Alzira E e Itamar Assumpção (1949-2003) estão lá e cá, se bem que com composições diferentes. Na direção musical, está mais uma vez o tecladista Sacha Amback, que, com os mesmos músicos de “Atento aos Sinais” – Marcos Suzano e Felipe Roseno (percussão), Dunga (baixo), Mauricio Negão (guitarra), Aquiles Moraes (trompete) e Everson Moraes (trombone) –, acompanha Ney no palco. Mas quem o conhece, sabe: Ney nunca é – nunca foi – o mesmo em cena.

CAMALEÃO SOPRANINO

Talvez, dos artistas da MPB, ele seja o que mais comparativamente mereceu o rótulo de camaleão, mesmo tendo permanecido fiel a uma estampa de exuberância e irreverência, que, sim, lhe acompanha desde sempre a essência de pensamento e voz – em entrevistas, apresentações e outras aparições, como nos papéis que passou a fazer no cinema (de ficção e documental) e no conjunto da expressão de seu legado que emerge da biografia de 2021 assinada por Julio Maria.

Com sua voz incomum de “sopranino”, como nota Alvaro Neder, ou seja, bastante aguda, brilhante e uniforme em qualquer registro, o cantor deu o seu recado desde o início da carreira, em 1973, com o grupo Secos e Molhados, em que primeiramente revelou a beleza e o alcance vocal, aliados à personalidade irrequieta, que em parte escondiam e em parte revelavam o passado de menino ao mesmo solitário e talentoso no canto, na pintura, no teatro.

Vê-lo em cena é sempre testemunhar e atualizar esse furacão, no qual o item da (homo)sexualidade – assumida antes dos 20 anos de idade, e muito antes do estrelato – só lhe faculta uma condição de primazia no que diz respeito à liberdade pessoal, à militância de gênero, à independência artística, à renovação de costumes e a um surpreendente furor criativo, que, somados, fizeram de seu nome uma matriz de inventividade e inspiração capaz de atravessar incólume uma trajetória de cinco décadas.

REPERTÓRIO

“Bloco na Rua – Ginga pra Dar & Vender” é, sim, o legado de tudo isso. Mas centra seu alvo, em termos de repertório, em coisas que Ney cantou ou ouviu com o seu público mais veterano, aquele que o acompanha desde os anos 1970 e já era adulto ou quase nos anos 1980, antes de consolidar uma abertura política até então incerta, com direitos a ecos que chegam aos anos 1990 e aos tempos atuais. Sim, como um “rolling stone”, sempre à sua maneira, o cantor de 83 anos nascido em Bela Vista (MS) sabe que “pedras que rolam não criam limo”.

E assim procede no palco nesta turnê, que embora invista, em parte, no resgate de um cancioneiro dos anos de chumbo, o faz sem o menor risco de naftalina, desde os arranjos e execução instrumental ao apuro visual, fazendo do efeito cênico, com a figura magnética do cantor conduzindo luz e sombra, som e brilho, também uma música para se “ouvir” com os olhos. “Quis abrir mais para o meu repertório.

Dessa vez eu misturei coisas que já gravei com repertório de outras pessoas”, afirma Ney em uma entrevista.
De volta ao cotejo com “Atento aos Sinais”, o repertório abandona Lenine, Pedro Luís, Vitor Ramil e Criolo para abraçar Rita Lee (“Jardins da Babilônia”, “Corista de Rock”), Raul Seixas (“A Maçã”), Chico Buarque (“Yolanda” e a mais recente “Tua Cantiga”), Milton Nascimento (“Coração Civil”), Caetano Veloso (“Como 2 e 2”) e o Ney do começo, no Secos e Molhados, com as canções de João Ricardo e Solano Trindade (“Tem Gente com Fome” e “Mulher Barriguda”), além de “Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua”.

A canção de Sérgio Sampaio, de 1973, mesmo ano da eclosão do fenômeno Ney, com o Secos e Molhados, ganha texturas mais contemporâneas – de synths, metais e guitarras –, com algumas variações no andamento que lhe trazem para o século 21, sem perder a chance de uma evocação ao sentido original de festa e guerrilha, graças ao sentimento um quê nostálgico que o cantor lhe emprega ao entoar o refrão. O que não a impede de articular bem, por exemplo, em termos de organicidade, com “O Último Dia”. Pelo menos, no disco.

Essa segunda, de Billy Brandão e Paulinho Moska, combina funk carioca e marcha carnavalesca em um arranjo cheio de ginga para a letra instigante que convoca ao desbunde a partir da pergunta “o que você faria?”. “Pavão Mysteriozo” (Ednardo), “Postal do Amor” (Fagner/Fausto Nilo), “Sangue Latino” (João Ricardo) e “Inominável” (Nakagawa/Amback) também fazem parte do setlist “oficial”, que, no Allianz, teve ainda “Poema” (Frejat/Cazuza), a faixa de Ney mais tocada, “Balada do Louco” e “Roendo as Unhas”.

As três meio que vão dando um fecho no vai e vem do tempo que o artista sul-mato-grossense parece neutralizar com a escolha de repertório transdécadas e sua sempre tão propalada longevidade, em cena e fora dela. “Balada do Louco” (1972), de Arnaldo Baptista e Rita Lee, é dos tempos dos Mutantes e, gravada por ele em 1986, repõe o tema, contumaz em qualquer época, do quão relativa é a sanidade. “Roendo as Unhas” (1973), de Paulinho da Viola, samba a todo custo “fiel” ao próprio eu-lírico, vem de “Atento aos Sinais”.

E, no arremate, “Pro Dia Nascer Feliz” recupera Ney a flertar com o rock dos anos 1980, bem como com o grande amor de sua vida, Cazuza (1958-1990). Mas outras podem rolar, como “Álcool (Bolero Filosófico)”, do filme “Tatuagem” (DJ Dolores) e “O Beco”, do Paralamas. É um show e tanto, com direção de arte criada por Batman Zavareze, figurino de Lino Villaventura e videocenário de Luiz Stein. A iluminação leva a assinatura do cantor (supervisão), em parceria com Juarez Farinon.

Assine o Correio do Estadod