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Economia Cortes de gastos ofuscam vitória de Trump e provocam queda acentuada no dólar A moeda, que disparou para R$ 5,861 logo após o início das negociações 6 NOV 2024 • POR João Gabriel Vilalba • 20h00
O dólar fechou em alta de 1,33%, a R$ 5,4854, nesta terça-feira (20)   Arquivo/ Agência Brasil

O dólar fechou em forte queda de 1,23% nesta quarta-feira (6), a R$ 5,675, com as expectativas dos investidores sobre o pacote de corte de gastos do governo federal anulando os efeitos da vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos.

A moeda, que disparou para R$ 5,861 logo após o início das negociações, virou para queda à tarde, na contramão do movimento visto ao redor do mundo.
Já a Bolsa caiu 0,24%, aos 130.340 pontos, também distante da mínima do dia.

A volatilidade já era esperada por grande parte do mercado. O republicano foi declarado eleito por volta das 7h30 desta manhã, quando alcançou a marca de 276 dos 538 votos do Colégio Eleitoral. Ele precisava ter ao menos 270 votos para vencer a disputa com Kamala Harris.

"Houve uma primeira reação extrema, quando a demanda por dólares explodiu, e, depois, os investidores foram olhando para os fatores externos e domésticos com mais calma", diz Matheus Massote, especialista em câmbio da One Investimentos.

Ele explica que o real já estava "muito desvalorizado" por conta das expectativas dos investidores em relação às contas públicas do Brasil, bem como pelas projeções de que Trump sairia vitorioso da eleição.

Como parte dos efeitos já estavam precificados no câmbio, o real se descolou do exterior e foi a única entre as principais moedas do mundo a apresentar ganhos sobre o dólar.
Para efeito de comparação, o índice DXY, que mede a força da moeda americana em relação a uma cesta de outras seis moedas fortes, disparou 1,60%.

"Grande parte do movimento já havia sido antecipada, e, olhando para o futuro, com um alívio no cenário fiscal do Brasil e com juros ainda subindo, a moeda brasileira pode voltar a ganhar espaço após a turbulência de curto prazo", afirma Eduardo Moutinho, analista de mercado do Ebury Bank.

Pesou, ainda, a declaração do ministro Fernando Haddad (Fazenda) de mais cedo. Segundo o chefe da ala econômica, a rodada de reuniões com autoridades do governo que poderão ser afetadas pelas medidas fiscais foi concluída.

O próximo passo, agora, é uma conversa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com os líderes das duas Casas do Congresso -Arthur Lira, da Câmara dos Deputados, e Rodrigo Pacheco, do Senado- para discutir o envio do pacote para análise dos parlamentares.

"Os ministros todos estão muito conscientes da tarefa que temos pela frente de reforço do arcabouço fiscal, da previsibilidade e da sustentabilidade das finanças no médio e longo prazo. Penso que há um consenso em torno do princípio", afirmou Haddad.

A leitura de investidores é de que, com Trump na Casa Branca, o mundo entrará em um período de dólar e juros mais altos, restando ao Brasil fazer o "dever de casa" nas contas públicas para reduzir a pressão. Para os investidores, é preciso ajustar a ponta das despesas, e não só reforçar a arrecadação, para garantir a longevidade do arcabouço fiscal.

"Estamos, no fundo, vendo um andamento do pacote que deve ser anunciado até o final de semana, o que reduz o risco fiscal, e, por consequência, atenua o dólar. Mas o principal gatilho no mundo para o câmbio hoje vem das eleições dos Estados Unidos", diz o economista-chefe da Suno Research, Gustavo Sung.

Os investidores precificam o impacto das propostas de Trump na economia, e analistas alertam para consequências "profundas e imediatas" para o resto do mundo.
Caso cumpra suas promessas de campanha, ele fará um novo mandato com aumento mais intenso das tarifas sobre importados, corte de impostos, deportações em massa e redução da independência do Fed (Federal Reserve, o banco central norte-americano).

No comércio exterior, a promessa é aumentar tarifas entre 10% e 20% sobre praticamente todas as importações dos EUA, incluindo as que vêm de países aliados, e em pelo menos 60% sobre as da China.

As tarifas inibem o comércio global, reduzem o crescimento dos exportadores e pesam sobre as finanças públicas de todas as partes envolvidas. É provável que elas aumentem a inflação nos Estados Unidos, forçando o Fed a agir com juros altos por mais tempo -o que fortalece o dólar.

"As promessas fiscais de Trump são seriamente preocupantes -para a economia dos EUA e para os mercados financeiros globais- pois prometem expandir enormemente um déficit já excessivo, ao mesmo tempo em que ele ameaça minar instituições importantes", disse Erik Nielsen, consultor econômico chefe do Grupo UniCredit.

"É preciso concluir que Trump representa uma ameaça séria, e até agora muito subestimada, ao mercado do Tesouro dos EUA e, portanto, à estabilidade financeira global", disse Nielsen.

Para os mercados emergentes que dependem de financiamento em dólares, as promessas de Trump também poderão tornar empurrar as taxas de juros para cima e encarecer os empréstimos -um golpe duplo, considerando as perdas de exportações.

A reação foi imediata globalmente. As Bolsas de valores na Ásia subiram, o dólar se valorizou em relação às principais moedas, o bitcoin bateu recorde histórico e os rendimentos dos títulos do Tesouro dos EUA com prazo de 30 anos atingiram o maior patamar desde o início da pandemia, em março de 2020.

Já nos Estados Unidos, o S&P 500 e o Dow Jones atingiram máximas históricas.

O Dow Jones subia 3,44%, para 43.673 pontos. O S&P 500 ganhava 2,41%, a 5.921 pontos, enquanto o Nasdaq Composite avançava 2,87%, para 18.968 pontos.

O dia ainda guarda a decisão de juros do Copom (Comitê de Política Monetária) do BC (Banco Central), após o fechamento dos mercados.

O colegiado decidiu reiniciar o ciclo de apertos na taxa Selic na reunião passada, quando optou por uma alta de 0,25 ponto percentual e levou os juros a 10,75% ao ano.
Com a piora no cenário econômico nos últimos 45 dias, o mercado espera que o comitê acelere o ritmo de altas para 0,5 ponto percentual.

O aumento do diferencial de juros entre o Brasil e os Estados Unidos também tende a favorecer o real, por causa de investimentos do tipo "carry trade" -isto é, quando operadores tomam empréstimos a taxas baixas e aplicam recursos em países de taxas elevadas.

*Informações da Folhapress