Reginaldo Pujol Filho ambienta o enredo de “Nosso Corpo Estranho” (Editora Fósforo), seu novo romance, no interior de uma exposição artística.
O escritor, professor e tradutor gaúcho apresentou parte dos resultados de sua pesquisa de doutorado em letras e escrita criativa pela PUC-RS - que deflagrou, inclusive, o processo criativo do novo livro - a alunos de pós-graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) na noite de ontem.
E fala com o público hoje (28) sobre a nova obra, publicada pela Editora Fósforo, a partir das 19h, em evento de lançamento na Livraria Hámor (Rua 13 de julho, 1.592, Monte Castelo).
A mediação da conversa será feita por Wellington Furtado Ramos, professor da UFMS, e o livro estará à venda no local por R$ 69,90. Autor de “Quero Ser Reginaldo Pujol Filho” (2010), “Não, Não É Bem Isso” (2019), ambos pela Não Editora, e de “Só Faltou o Título” (Record, 2015), Reginaldo apresenta em “Nosso Corpo Estranho” um projeto inusitado tanto em sua forma, quanto na história que narra, o que valida as palavras da escritora e curadora Veronica Stigger: “Reginaldo Pujol Filho é um dos mais imaginativos escritores da literatura contemporânea brasileira”.
O protagonista deste romance, João Pedro Bennetti Bier, nasceu em 1960 em Porto Alegre, mudou-se para o Rio de Janeiro e depois para Nova York, onde iniciou a carreira artística. Teve contato com ícones da pop art, como Andy Warhol (1928-1987), e esbaldou-se na cena noturna da badalada Big Apple.
Como tantos outros de sua geração, viu paixões se transformarem pelo medo do HIV. Contemporâneo de Jean-Michel Basquiat (1960-1988), realizou performances, colagens, instalações e pinturas, vivendo tendências como grafitti e body art.
Apesar de ser agora comparado a grandes nomes como Leonilson (1957-1993), Banksy, Cildo Meireles e Marina Abramović, João Pedro foi ignorado pela crítica e pelo circuito de galerias do país natal, o que torna o registro de sua exposição retrospectiva um ato de reparação.
Por meio da paródia, recurso literário que recorre à citação e ao humor, e que Reginaldo renova a cada novo livro, “Nosso Corpo Estranho” traz os textos de parede da mostra, e é como se o leitor caminhasse por entre as obras.
Mas quais delas? Sem imagens que lhes dê materialidade, o livro convida ao exercício da imaginação, deixando quem passeia por suas páginas se levar pelas palavras do autor, que, ao assumir a curadoria, transforma-se em personagem de sua invenção.
O curador-escritor Reginaldo Pujol Filho se apropria da gramática da crítica de arte, distinguindo três fases de João Pedro, ou “nosso JayPee” — visceral, crítica e trágica.
Com humor, sarcasmo e muito domínio da linguagem, Reginaldo descreve o arco da inocência à desilusão, a descoberta e a intoxicação com as engrenagens do meio artístico pelo qual passou o artista.
E, ante o testemunho, o leitor passa pelo mesmo processo ao receber as pistas de que tudo não passa de engodo. Para além da relação com o mundo da arte, esta narrativa também trágica leva a pensar nos limites da ficção e em seus mecanismos. Do que é capaz a linguagem? O que é apenas verossímil e, mais profundamente, o que é a realidade?
Também tradutor e curador da coleção Gira - de literaturas em língua portuguesa - da Editora Dublinense, Reginaldo afirma, em entrevista ao Correio B, que escreveu “Nosso Corpo Estranho” para confirmar se “textos e estruturas de exposições de artes visuais podiam contar histórias ficcionais”. Confira.
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O que te levou ao enredo deste romance?
É curioso, o enredo vem da vontade de investigar se a percepção que eu tinha, de que textos e estrutura de exposições de artes visuais podiam contar histórias ficcionais, funcionava na prática.
Para isso, precisava criar um artista, para poder imaginar obras realizadas por ele e poder narrar vida e obra nos textos expositivos. Acho que o enredo foi surgindo, então das necessidades da história e do João Pedro. Fui descobrindo que vida era essa que poderia gerar as obras.
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Por que esse período da arte de vanguarda e performativa dos anos oitenta costuma mobilizar tanto, inclusive pessoas de gerações posteriores?
Eu incluiria aí o final dos sessenta e os anos 1970. Acho que é porque é o momento de um grande rompimento com estruturas simbólicas institucionais e rígidas, desde o museu, questionado num primeiro momento, até as definições do que é arte em função de suportes, técnicas e materiais.
Historicamente, não podemos deixar de notar que isso é contemporâneo das lutas por direitos civis, liberdade sexual, lutas contra ditaduras como no Brasil, questionamento a toda forma de poder no maio de 68. Talvez tenha a ver com isso. Mas é difícil afirmar.
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Sim. Esse período que você demarca não deixa de ser angular. Mas com elementos como o videotape, a forte institucionalização do consumo na esfera da arte, a generalização de materiais industriais, novos sentidos à performance e a dita falência das utopias, acredito numa marca bem própria dos anos oitenta.
Me deixou pensativo. Acho que trouxe os sessenta e os setenta para a resposta porque são os anos que têm mais impacto sobre o João Pedro. E entendo ele mais como um reprodutor da arte que o influenciou do que como alguém que estava na vanguarda dos anos oitenta.
Talvez uma exceção nesse sentido - falando do João Pedro - seja o contato com o grafite.
Mas sim, os anos oitenta são uma ressaca em termos de sentimento social e histórico. Os Estados Unidos abraçam o conservadorismo, a AIDS reprime a sexualidade, o yuppie surge como personagem, o Brasil vive a desilusão das Diretas Já.
Todas as utopias parecem bater de frente com um pragmatismo. Se é que é possível generalizar, acredito que a arte incorpore esses temas, talvez até menos conceitualmente, com uma marca mais ativista em várias produções que já começavam a despontar no final dos setenta.
Mas não sei, acho que, sim, há a arte de rua, o videotape, em alguns casos uma radicalização do uso do corpo, mas por outro lado há uma retomada com força da pintura, talvez numa clara reação de mercado contra os esforços anti-galeria dos anos setenta, demarcando bastante a década que consolida as bases do neoliberalismo.
Talvez uma marca forte dos anos oitenta e que carregamos até hoje seja a entrada em cena do cinismo desiludido, a ironia pós-modernista, uma linguagem da descrença.
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Me parece que há uma inscrição autobiográfica na trama. É isso mesmo? Seria uma linha de inspiração, algo agregado ao dispositivo narrativo ou algo além?
Olha, a princípio não tem. Meu nome surge na história, mas num personagem bem mais velho que eu. Quanto ao João Pedro, não sei se poderia dizer que João Pedro sou eu.
Mas, apesar de toda pesquisa feita sobre vida de artistas, não posso duvidar que algo meu persista nele.
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E por que recorrer à paródia?
A paródia tem a ver com essa minha inquietação com a linguagem. Gosto de me desafiar a me apropriar de linguagens que ainda não vi no texto literário.
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Acredita que há muitos “JayPees” por aí? É um fenômeno pequeno-burguês?
Quanto à JayPees, como imagem do burguês ou da classe média com o privilégio aos meios de acesso e produção da cultura, não tenho dúvidas de que sim.
Mas assim como Jota Pê, muitos não se tornam referências da arte. E acho, por outro lado, que uma coisa que deve ser observada e celebrada é a quantidade de não JayPees que vem surgindo nas letras e nas artes do país. Vozes antes sem vez, que vão chegando com força.
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O que gostaria que o leitor pudesse dizer ao final da história?
Não tenho, longe disso, um desejo de totalidade do livro.. Gostaria que o leitor ou a leitora me dissessem que obras viram, como circularam pela exposição, o que João Pedro disse ou não disse.
Serviço
- Lançamento de “Nosso Corpo Estranho”
- Romance de Reginaldo Pujol Filho
- Editora Fósforo, 2024
- 120 páginas
- R$ 69,90
- Bate-papo com o autor
- Mediação: Wellington Furtado Ramos.
- Hoje (28)
- 19 horas
- Livraria Hámor
- Rua 13 de julho, 1.592, Monte Castelo
- Entrada franca