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SIDROLÂNDIA Após 11 anos, morte de indígena segue sem reconhecimento de culpados Mesmo com o MPF-MS concluindo que o disparo que matou Oziel foi feito pela PF, Justiça negou indenização de R$ 1,5 milhão 16 DEZ 2024 • POR Judson Marinho • 09h00
Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara recebeu das mãos de Otoniel Terena, irmão de Oziel, o pedido por justiça   Foto: Gerson Oliveira / Correio do Estado

Com a volta das tratativas com o governo federal para a demarcação da Terra Indígena (TI) Buriti, a família do indígena Oziel Gabriel, que foi morto na região em 2013, pediu ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e ao governo estadual a atribuição da responsabilidade pelo crime. O caso voltou a ser discutido após compromisso assumido pelas partes.

O indígena terena foi morto durante reintegração de posse feita pela Polícia Federal (PF) em 2013. Na época, indígenas de Sidrolândia iniciaram uma retomada para revindicar a TI Buriti, tomando posse de quatro fazendas localizadas dentro do território. 

Ao Correio do Estado, o irmão de Oziel Gabriel, Otoniel Terena, de 43 anos, que fez um pronunciamento durante a visita da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, à TI Buriti, em tom de indignação, pediu justiça pela morte do irmão.

“A nossa luta é pela vida e pela demarcação, mas aqui aconteceu uma morte, perdemos uma vida, e minha fala é de indignação. São 11 anos de dor e ainda não se fez justiça, por isso fizemos a nossa cobrança para o governo do Estado e, principalmente, para o governo federal”, declarou Otoniel.

Durante a fala de Otoniel aos representantes do MPI, a titular da Secretaria de Estado de Cidadania (SEC),

Viviane Luiza, indicou que o governo do Estado poderia levar adiante o processo de atribuição de responsabilidade pela morte do indígena.

“Nós tivemos um posicionamento muito importante da secretária de Cidadania. Vamos procurar ela nos próximos dias, para criar um canal de diálogo com o governo do Estado. Esperamos que haja um encaminhamento para buscarmos a justiça”, informou o irmão de Oziel.

Durante à Aldeia Córrego do Meio, que faz parte da TI Buriti, em novembro, Sonia Guajajara chegou a assinar um documento em que constava o pedido de Otoniel para a retomada do processo de buscar a responsabilidade pela morte de Oziel.

A ministra foi até a aldeia para discutir com lideranças terena a volta da mesa de conciliação entre indígenas e fazendeiros pela posse da área de 17,2 mil hectares, localizada entre Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti.

Com a aprovação das lideranças terena e também de fazendeiros da região, o Ministério dos Povos Indígenas se reunirá com representantes do governo do Estado e da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul) para voltar às tratativas para indenizar os produtores rurais e garantir a posse da terra aos terena.

SÍMBOLO DE RESISTÊNCIA

No cerimonial feito para receber a ministra Sonia Guajajara e o secretário-executivo do MPI, Luiz Eloy Terena, os indígenas apresentaram um vídeo sobre o conflito que levou à morte de Oziel, como uma homenagem ao indígena, que é tratado como guerreiro terena.

Um memorial também foi montado pela comunidade indígena com fotos de Oziel e, durante apresentação do grupo de guerreiros da etnia, a frase “Oziel vive” estava pintada no corpo de uma criança.

“Oziel foi uma liderança muito importante e morreu dentro deste processo histórico de luta pela demarcação. Hoje, deixa seu legado e nossa responsabilidade. Mas o mais importante ele deixou, o compromisso para mim, como irmão, de lutar por justiça. A terra só não basta, eu quero justiça”, disse Otoniel.

Alberto Terena, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), também falou sobre a importância da luta por justiça da família do Oziel. 

“Eu creio que é importante essa cobrança, porque o Estado tem que pagar pelos seus erros, ele tem que indenizar a família por esta morte, e nós estamos pagando caro, com a nossa vida”, falou Alberto.

INDENIZAÇÃO NEGADA

Em setembro de 2023, quando completou uma década da morte do indígena Oziel Gabriel, baleado no peito durante reintegração de posse da Fazenda Buriti, no dia 30 de maio de 2013, a Justiça Federal negou a indenização de R$ 1,5 milhão pedida por seus parentes após o ocorrido. 

Assinada pelo juiz da 1ª Vara Federal de Campo Grande, Dalton Igor Kita Conrado, segundo a sentença, os policiais cumpriam ordem judicial “de forma planejada e cautelosa, repelindo de forma proporcional, quando necessário, injusta e letal agressão cometida pelos indígenas”. 

Conforme o documento expedido pelo Judiciário, o pedido era para que a União pagasse R$ 1 milhão por danos morais aos familiares e outros R$ 500 mil pelo mesmo motivo aos patrícios da comunidade. 

A sentença reforçou que, como o projétil que vitimou Oziel foi “extraviado” (durante transporte da fazenda ao hospital ou atendimento médico, como cita a sentença), foi impossível identificar o calibre e de qual arma de fogo teria vindo.

Porém, o inquérito publicado em 2016 pelo Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul (MPF-MS) concluiu que a bala que matou o indígena Oziel Gabriel foi disparada pela Polícia Federal.

CRONOLOGIA

2013 > No dia 30 de maio de 2013, o indígena Oziel Gabriel foi morto durante retomada de fazenda na TI Buriti, em Sidrolândia. 

2016 > Inquérito do MPF-MS concluiu que o projétil que atingiu Oziel saiu de uma arma da Polícia Federal.

2023 > Mesmo com o relatório do MPF-MS apontando culpa da PF, a Justiça Federal, em setembro do ano passado, afirmou que não havia como atribuir a responsabilidade à corporação e negou indenização pela morte do indígena.

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