
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recentemente esclareceu sua posição sobre a manipulação de medicamentos contendo os insumos farmacêuticos ativos (IFAs) semaglutida e tirzepatida em farmácias magistrais, utilizados para casos de obesidade. A consulta realizada junto à agência trouxe informações cruciais para o setor magistral e para os profissionais da área de saúde que trabalham com esses medicamentos.
A Anvisa destacou que o marco regulatório aplicável à manipulação dessas substâncias está embasado na Lei nº 6.360/1976 e na RDC nº 204/2006. Essas normativas estabelecem que nenhum medicamento pode ser comercializado ou manipulado sem registro prévio na Anvisa, garantindo que sua segurança e eficácia sejam avaliadas antes de sua introdução no mercado.
Atualmente, todos os medicamentos registrados contendo semaglutida utilizam o IFA obtido por processos biotecnológicos. A Anvisa esclareceu que, até o momento, não há registros aprovados de medicamentos contendo semaglutida de origem sintética e, portanto, sua manipulação em farmácias magistrais não encontra amparo legal, ao passo que permite a preparação semaglutida aquelas obtidas por processos biotecnológicos.
Por outro lado, a tirzepatida foi aprovada pela Anvisa em setembro de 2023, sob o nome comercial Mounjaro️. Esse medicamento utiliza a tirzepatida obtida por síntese química. Diferentemente da semaglutida, a legislação sanitária permite a manipulação magistral da tirzepatida, desde que sejam atendidos os requisitos da RDC nº 67/2007, que estabelece as boas práticas de manipulação em farmácias magistrais.
Um ponto de atenção no mercado farmacêutico é a questão das patentes relacionadas a esses IFAs, que provêm de inovações lançadas pela indústria farmacêutica com privilégios patentários. A regulação de propriedade industrial no Brasil é conduzida pela Lei nº 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial – LPI) e fiscalizada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). Embora a Anvisa participe do exame prévio de patentes farmacêuticas, sua competência não inclui a fiscalização ou a mediação de conflitos sobre propriedade intelectual.
A Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996) estabelece, em seu art. 43, inciso III, que não constitui violação de patente a preparação de medicamento de acordo com prescrição médica para casos individuais, executada por profissional habilitado. Assim, farmácias de manipulação não estão sujeitas às restrições de patentes.
A mesma sorte, porém, não alcança as importadoras, distribuidoras e fracionadoras de insumos, que se dedicam a trazer e revender os ativos farmacêuticos necessários para manipulação magistral.
O problema já motivou ações diretas das farmacêuticas detentoras de patente para brecar as ditas importações ou bloquear insumos já em território nacional. O caso mais notório foi o da sibutramina, também emagrecedor, deflagrado no início dos anos 2000. Poucos anos depois, em 2006, acompanhamos o icônico caso do Rimonabant, em que farmácias começaram a manipular semanas antes do próprio original industrial ser liberado pela Anvisa. A indústria agiu contra o mercado magistral, buscando impor pesadas restrições, mas, pouco tempo depois, o Rimonabant foi retirado do mercado brasileiro e mundial, por apresentar riscos associados mais importantes do que o benefício dos produtos.
Voltando ao presente, de acordo com comunicado da Novo Nordisk, fabricante de Ozempic e Wevogy, a empresa detém a patente exclusiva da semaglutida até pelo menos 2026. Isso porque a empresa ingressou judicialmente visando entender a vigência da patente, mas o pedido foi negado pelo TRF1 em abril de 2023.
Além disso, a Novo Nordisk esclarece que “não fornece nem autoriza o fornecimento de semaglutida a farmácias de manipulação ou outras fabricantes, indicando que a importação, manipulação, fabricação e comercialização de semaglutida fora das apresentações originais são consideradas irregulares”.
A patente do Mounjaro️ (tirzepatida) tem diferentes datas de expiração, dependendo do tipo de proteção. A exclusividade como nova entidade química expira em 13 de maio de 2027, enquanto as patentes de composição e formulação se estendem até 2036 e 2039. A Eli Lilly, detentora da patente, enfatiza que a tirzepatida só deve ser adquirida em suas apresentações aprovadas, o que sugere oposição à manipulação magistral.
Diversos perfis equivocados em redes sociais afirmam que produtos manipulados com estes insumos seriam falsificados, outros que a Anvisa teria bloqueado a prática por meio de uma nota técnica de 2024. Mais uma vez, a narrativa enviesada causa disseminação de informações distorcidas, confundindo o setor com a crença de proibição absoluta.
Com base no posicionamento da Anvisa, fica claro que a manipulação de tirzepatida é permitida nas farmácias magistrais, desde que respeitadas as boas práticas e normativas sanitárias aplicáveis. Já a semaglutida sintética, enquanto não houver aprovação da uma versão registrada pela agência, segue proibida para manipulação em farmácias. A semaglutida obtida por processos biotecnológicos cumpre os requisitos regulatórios mínimos de eficácia e segurança, de modo que também pode ser manipulada em farmácias magistrais.