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Abrindo e fechando portas Abrindo e fechando portas 28 MAI 2010 • POR • 06h18

Enquanto ainda comemoramos o Plano de Revitalização do Centro, ansiosos por ver suas ideias e projetos postos em prática para colocar Campo Grande num rumo mais ideal de vida urbana, a prefeitura surpreende ao anunciar controversas reformas na Praça Ary Coelho, a mais tradicional e viva de nossa cidade.

Um dos itens propostos é o cercamento da praça com gradil para que passe a “funcionar” somente das 05h às 23h. Sei que a prefeitura tem sempre a melhor intenção quando se trata da cidade que administra, e entendo também que obras e reformas urbanas, das mais simples às mais grandiosas serão sempre controversas, e dificilmente apresentarão somente vantagens. No entanto, esse projeto em específico se trata de uma ação contraditória e equivocada que resultará em impactos negativos para a vida do centro de nossa cidade.

Parto do princípio que uma praça central como a Ary Coelho, de fluxo tão intenso e estabelecido, ao ter sua entrada limitada por portões de acesso já corre o risco de se tornar um incômodo constante no dia-a-dia dos cidadãos que passam nesse espaço muitas horas da sua vida cotidiana.
Temos bons exemplos de parques e praças cercadas como o Parque das Nações Indígenas e a Praça Belmar Fidalgo em nossa cidade, a Praça Província de Shiga em Porto Alegre, ou o Passeio Público de Curitiba, espaços que congregam diferentes fluxos de pessoas em um ambiente muito agradável, mas possuem uma personalidade muito diferente da Ary Coelho. Estes geralmente se tratam de espaços de lazer contemplativo ou de esporte, para famílias, crianças, idosos, e têm um movimento bastante distinto do que encontramos na praça central campo-grandense, considerada por muitos como um grande terminal de transporte coletivo (inclusive já se cogitou reformá-la para reforçar esse caráter). Além de servir de passagem e descanso dos pedestres pelo centro da cidade.

Meu incômodo, no entanto, repousa na incoerência de proporem o fechamento da praça mais central da cidade neste momento de expectativa com o Plano de Revitalização do Centro. Afinal, se o problema da Ary Coelho é ser tomada por “viciados e desocupados” e sua decorrente depredação, não seria de se esperar que um plano que se propõe a trazer pessoas e movimento ao centro corrigisse exatamente isso?
Anunciar o cercamento da praça não é só paliativo e contraditório como sugere uma falta de fé no sucesso do próprio plano. Estaríamos desistindo da Praça antes de tentar resolver os problemas do centro e dela, conseqüentemente. Limitar o acesso à Ary Coelho é calar um dos maiores pontos de vida urbana que temos hoje.

O discurso dos proponentes do Plano de Revitalização me deu esperança de termos uma cidade mais prazerosa de se viver, e muito do que foi dito se alinha com o pensamento da ativista política Jane Jacobs, uma das maiores analistas do cotidiano urbano das grandes cidades. Em um de seus textos, Jacobs afirma: “há uma característica ainda mais vil que a feiúra ou a desordem absoluta, e esta é a máscara desonesta de uma falsa ordem, atingida ao ignorar ou suprimir a ordem real que está lutando para existir e ser servida.” O problema real que se busca resolver com o fechamento da praça é outro, que nada tem a ver com a praça. Os usuários de drogas e os sem-teto são um problema social que continuará existindo, só será transferido de local. Até quando vamos esconder o que não conseguimos resolver?

Em anos como esse, as críticas às administrações públicas podem ser confundidas com propaganda (ou antipropaganda) eleitoral. Este comentário não deve ser entendido desta maneira, pois é apenas a expressão do meu pensamento de arquiteto e cidadão com real amor pela profissão e pela minha cidade, que acredita poder contribuir para um debate importante e urgente.

André Vilela Pereira, Arquiteto e Urbanista