9 de julho é feriado em São Paulo. É quando se comemora o início da Revolução Constitucionalista de 1932. Tudo para em respeito aos que lutaram e tombaram nesse conflito, que não visava à separação de São Paulo do Brasil (como difundiu a propaganda difamatória de Getúlio Vargas), mas o contrário. Irrompeu-se a luta armada buscando uma nova Constituição para o país, para tirá-lo do atraso, da insegurança jurídica e do despotismo federal pós-Revolução de 30.
O coração bandeirante ainda bate forte, 78 anos depois, em razão dos feitos de seu povo que, em alguns pontos, antecipou os acontecimentos que ocorreriam quase dez anos depois, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos da América: toda a economia voltada para a guerra; mulheres substituindo os homens em tarefas industriais, pois estes estavam nos campos de batalha e o mais emocionante, a mobilização voluntária de toda a sociedade para o conflito. Em 3 dias, mais de 30.000 homens se alistaram nas fileiras paulistas!
São Paulo, em defesa da Constituição, produziu, improvisou e adaptou de tudo: granadas, capacetes, munições, morteiros e canhões. Uma imensa rede de civis auxiliava os soldados, não deixando que nada lhes faltasse, até o limite dos suprimentos, cuja escassez foi um dos motivos de os paulistas terem perdido o conflito. Senhoras cosiam meias e toucas, pois era julho, inverno. Escoteiros levavam correspondências. E é justamente um escoteiro o mais jovem soldado morto em combate na Revolução de 32, ALDO CHIORATTO, de 9 anos e meio de idade, morto durante bombardeio aéreo em Campinas.
Entretanto, poucos se lembram que não só São Paulo foi às armas. O sul do Mato Grosso também foi! Campo Grande, Bela Vista, Ponta Porã, Porto Murtinho, Ladário, Três Lagoas, Paranaíba, Coxim enviaram tropas ou foram palcos de combates nos quais até aviões foram utilizados em ataques às tropas adversárias.
Alguns historiadores chegam a citar mais de 3.000 homens envolvidos diretamente nas lutas no território do Estado de Maracaju, nome adotado pelo sul do Mato Grosso durante o conflito. Era o sonho divisionista que se concretizava por via das armas e que durou enquanto duraram suas munições: três meses.
E justamente por conta da necessidade de abastecimento; em virtude de o porto de Santos ter sido bloqueado por navios de guerra leais a Vargas, é que restou como a única alternativa paulista de abastecimento e escoamento a utilização da antiga rota de suprimentos das terras localizadas no centro da América do Sul: Rio Paraguai-Rio Paraná-Estuário do Prata-Oceano Atlântico, cujo principal ponto logístico possível de controle pelos constitucionalistas era a cidade de Porto Murtinho.
Para lá se dirigiu a famosa Coluna de Bronze, formada por constitucionalistas do sul do Mato Grosso, que utilizaram dois canhões de montanha franceses Schneider, de 75mm. Como parte do suporte paulista ao avanço de seus aliados mato-grossenes para tomar a cidade, enviou-se um caça Curtiss Falcon, que atacou as tropas federais nos arredores de Porto Murtinho. Dias antes, os paulistas já haviam bombardeado a Base Naval de Ladário, com o mesmo tipo de aeronave.
As tropas legalistas, com mais de 1.200 combatentes, contra-atacavam os constitucionalistas da Coluna de Bronze com pesado fogo dos canhões e morteiros do Monitor Fluvial Pernambuco. Segundo cronistas da época, como Umberto Puiggari, a batalha por Porto Murtinho a adjacências deixou mais de 300 mortos e a cidade parcialmente destruída.
Já as forças que combateram em Três Lagoas e Paranaíba conseguiram impedir que reforços do norte do Mato Grosso e Goiás cercassem as forças bandeirantes. J. Barbosa Rodrigues comenta que ali também os combates foram ferozes.
E em território paulista, no teatro conhecido como Frente Sul, forças do Batalhão Taunay, de Campo Grande e do 11º Regimento de Cavalaria, de Ponta Porã, lutaram para impedir que tropas vindas do sul do país entrassem em São Paulo.
Com efeito, 9 de Julho é uma data que também afetou a vida dos habitantes das terras hoje sul-mato-grossenses. Segundo o ex-Governador de Mato Grosso do Sul, Wilson Barbosa Martins, o clima na cidade de Campo Grande era de empolgação. Os professores iam dar aulas de farda e capacete. Mais de 800 homens se apresentaram para alistamento num único dia.
Os combatentes do sul do Mato Grosso eram em sua maioria, soldados-cidadãos: homens comuns, de diversas profissões. Havia brasileiros e paraguaios; descendentes de japoneses, libaneses e alemães; índios, negros, brancos, pardos. Foi a nossa pequena guerra mundial, na qual todos os povos que aqui moravam pegaram em armas para a defesa da legalidade. Como lembra Puiggari, a insegurança jurídica no sertão sul do Mato Grosso era tamanha que até juízes eram intimidados com os famosos “saltos”: sua transferência de comarca quando incomodava algum apadrinhado do governo getulista.
Mas a superioridade numérica governista era evidente e depois de três meses de combates, São Paulo capitulou. No início de outubro de 1932, os paulistas cessaram fogo... mas o sul do Mato Grosso não. Aqui a luta durou até o fim daquele mês, quando a cidade de Bela Vista se entregou ao Tenente-Coronel Francisco Gil Castelo-Branco.
E diferente de São Paulo, lamentavelmente em Mato Grosso do Sul, especialmente em Campo Grande, pouca coisa existe hoje que lembre estes feitos. Daquela época ainda estão de pé (e não se sabe até quando) o prédio do Quartel-General, na Avenida Afonso Pena, de onde partiram as primeiras ordens do General de Brigada Bertholdo Klinger, Comandante Militar do Movimento; a loja Maçônica da Avenida Calógeras, que sediou o Governo do Estado de Maracaju, tendo como Governador o Dr. Vespasiano Martins; o canhão Schneider de 75 mm na frente do 2º/9º Bsup, que acompanhou a Coluna de Bronze; o quartel do 18ºBlog, que sediou o 18º BC, cujos soldados lutaram bravamente em diversas frentes. Será que tais monumentos não mereceriam ao menos uma placa indicativa? Fazendo justiça ao prédio maçônico, ali há uma, colocada por iniciativa própria da entidade. Mas e nos demais pontos?
Enfim, mais um 9 de Julho em São Paulo, quando os paulistas honram seus combatentes-cidadãos. Mais um 9 de Julho em Campo Grande, que parece fazer questão de esquecer sua história de pouco mais de 100 anos, por descaso.
Luiz Eduardo Silva Parreira, Advogado
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