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Libido em baixa Libido em baixa 15 AGO 2010 • POR • 06h46

SCHEILA CANTO

É verdade que o sexo continua sendo tabu na sociedade, em pleno século XXI, existe ainda muita polêmica em torno da sexualidade feminina mostrando que ela continua mal equacionada e mal resolvida. As dificuldades no relacionamento aparecem de maneira disfarçada. Um dia é o cansaço. No outro,  dor de cabeça. Até o fim da semana, desfilam ainda pelo repertório de desculpas o sono acumulado, a cólica que não passa e até o calor e falta de umidade que não dá ânimo nem para se mexer.
Não há nada de anormal numa rotina estressante ficar passar por alguns dias de falta de desejo, mas o sinal de alerta acende quando o rol de desculpas começa a ser rotina. Neste contexto entra a baixa libido, que afeta mais as mulheres, de acordo com o “Estudo da Vida Sexual do Brasileiro”, coordenado pela psiquiatra Carmita Abdo, especializada em sexualidade, autora do livro “O descobrimento sexual do Brasil” (Editora Summus) que esteve semana passada em Campo Grande, como palestrante convidada do XXV Congresso de Ginecologia e Obstetrícia de Mato Grosso do Sul.
Segundo a doutora, a diminuição do desejo sexual é composto por fatores biológicos e psicológicos. Em outras espécies de animais, os aspectos biológicos são mais importantes – pois na selva ninguém paga conta no fim do mês e nem pega trânsito na hora do rush. Já na espécie humana, os inúmeros aspectos psicológicos acabam levando vantagem em cima da natureza. Ou seja, o nosso plus, que é o desenvolvimento social e cultural, se torna responsável direto pela nossa expressão do desejo sexual. “Portanto, uma pessoa com baixo desejo não procura por sexo, corta o erotismo de seu dicionário e evita até tocar no assunto”, enfatiza Carmita Abdo.
Por ironia do destino – já que é uma questão de ordem administrativa ou excesso de atividades e cobrança – nós mulheres, que cuidamos da casa, dos filhos e da carreira, somos as mais propensas à falta de desejo sexual. “A sexualidade feminina está muito vinculada ao seu estado psicológico. A mulher precisa de estímulos preliminares mais demorados e intensos, precisa estar mais acessível à sexualidade para poder exercê-la”, diz a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, acrescentando que a menopausa também é uma fase muito delicada para a sexualidade feminina. “Este é um período de transição, de conflitos psicológicos e de questionamento da mulher. Então, pode ocorrer uma incidência maior de mulheres com diminuição do desejo de fazer sexo”, afirma ela.
Nessa imersão de problemas, o psiquiatra Flávio Gikovate, que acaba de lançar o livro “Sexo” (MG Editores),  revela como reflexões equivocadas sobre o tema têm produzido consequências negativas, aumentando a cada dia o número de pessoas deprimidas e infelizes, frustradas, mesmo vivendo em condições privilegiadas.
A proposta desta obra de Flávio Gikovate é rever conceitos e pensar com seriedade sobre a sexualidade, despojando-se de todo o tipo de ideia preconcebida. “Isso é muito difícil, já que o sexo sempre foi, ao longo de toda nossa história, um dos temas mais regulamentados”, diz. O autor lembra que vivemos uma época em que os limites impostos à sexualidade são mínimos em comparação ao que acontecia há 50 anos. O tabu que impunha a virgindade feminina até o casamento, por exemplo, evaporou poucos anos depois do surgimento da pílula anticoncepcional. À primeira vista, diz ele, a impressão é a de que os preconceitos diminuíram. “Mas ainda falta muito para nos livrarmos dos preconceitos que circulam em torno do sexo e de sua prática”, afirma.
O livro traz também reflexões sobre a vaidade, que Flávio Gikovate classifica como prazer erótico de se exibir e despertar algum sinal de admiração, e sobre as diferenças entre desejo e excitação. Ele propõe reconsiderar a louvação atual do desejo, posto que ele está a serviço da valorização do sexo casual, da preservação do egoísmo e da imaturidade emocional. Ele fala também sobre a associação entre a sexualidade e a agressividade, especialmente nos homens, e o surgimento da indústria pornográfica.
Para Carmita Abdo o motivo para a inibição do desejo sexual afetar mais as mulheres se encontra no machismo puro que a sociedade cultiva. Ou seja, a mulher é educada para expressar menos desejo e mais romantismo, e ao homem só resta fazer sexo – com ou sem vontade. “É uma obrigação social do homem, portanto eles nem sempre percebem se falta desejo”, argumenta.
Segundo os psiquiatras o reencontro com a sexualidade plena pode acontecer por meio da terapia sexual. “Ela ajuda na compreensão e descoberta, ou redescoberta, da sexualidade individual e do casal”, conclui Carmita Abdo.