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Caveira de burro Caveira de burro 18 AGO 2010 • POR • 05h59

Essa estória de caveira de burro vem de longe - não se sabe de quantos séculos atrás. Tal vez, no Brasil, da época das monções, das bandeiras paulistas, da advertência do frei Vicente Salvador para que se adentrassem ao interior do país, e não ficassem “arranhando as areias do litoral”, sabe-se lá... Do uso e abuso dela, a esdrúxula expressão tem um fundo de verdade. Quando se quer qualificar algo infortunado, mesmo azarado, irrealizável, intransponível no local, de mau olhado, lá está a figura da caveira de burro. Isto porque o burro, animal estéril, cuja ascendência vem do conúbio pecaminoso de duas raças (a equina e a azinina) sempre foi utilizado para funções extremas, carregar peso “pesado” para longas e extenuantes caminhadas: pau pra toda obra!
Nesta época de efervescência político-eleitoral – cada vez mais diferente daquelas que vivenciei no passado não tão remoto, onde ideias e programas despertavam mais interesse do que o vil metal, que, hoje, circula libertino e despudoradamente – sente-se no ar uma frustração crescente na opinião pública, a frustração que deságua em alguns episódios cívicos como o da vitoriosa Lei da Ficha Limpa. A impressão é de que o eleitor irá às urnas para cumprir tão somente um dever legal, draconianamente imposto. O eleitor parece não sentir-se motivado, aí está a caveira de burro, ameaçadora, tentando impedir os passos da cidadania.
A campanha eleitoral em nível de Estado caminha no ramerrão de sempre: o que ele fez, ou deixou de fazer, quando se trata para o cargo de governador; para o legislativo, também o comércio de quem dá mais em termos de cotas de combustível a título de ceder vidros traseiros de veículos particulares para expor a “fotogênica” figura de sorridentes candidatos; e outras vantagens comprometidas “no escuro”...
No campo federal, a participação das três principais candidaturas não deixa marcas para entusiasmar o eleitorado, além do que delas já se sabia: duas tem luz própria, pois capacidade, experiência e teste nas urnas comprovados; a terceira, apenas iluminada por potente farol instalado no Palácio do Planalto e já cunhada pela dúvida de onde governaria, se de Brasília, ou da cidade paulista de São Bernardo do Campo, onde residirá o seu guru que a tem na sua garupa.
Creio que o eleitorado esperava mais dos candidatos em termos de programas de ação rápida e de planejamento consistente para o futuro. Dissessem de forma categórica sobre as almejadas reformas político-eleitoral, da tributária, da fiscal, do pacto federativo, esse tão necessário para efetiva autonomia financeira dos estados e municípios – como preconiza a Carta Magna. Que manifestem de forma categórica e convicta sobre questões de ordem ética e moral, tal como a do aborto, preocupação máxima de mais de dois terços da sociedade brasileira eminentemente cristã.
Sobre esse aspecto, é oportuna a ironia do jornalista Tutty Vasques (ESTADÃO, 11.08.10): “a política brasileira vive um momento parecido com a campanha da seleção na África do Sul. Faltam imaginação, criatividade, ousadia, irreverência... Os candidatos andam tão previsíveis quanto um pontapé do Felipe Melo ou de qualquer problema físico do Káka”.
É possível que no curso da atual campanha os candidatos apresentem planos estratégicos de desenvolvimento político, econômico e social que venham convencer o eleitorado, o qual, hoje, em clima de desinteresse e muito de decepção só enxerga à frente uma caveira de burro!

*Ruben Figueiró de Oliveira, suplente de senador.