Mais de 3 milhões de pessoas podem decidir neste domingo (9) pela criação de um novo país na região sul do Sudão, hoje a maior nação da África. O referendo, muito esperado pela população de maioria cristã do sul, deve dar origem a um Estado rico em petróleo, mas miserável em quase todo o resto.
A votação faz parte de um acordo de paz assinado em 2005 que, após décadas de guerra civil com os muçulmanos do norte, pôs fim ao conflito armado. Mas o tratado não acabou com as tensões entre as duas religiões, bem como com as brigas entre tribos locais, para quem fronteiras estabelecidas pelo governo têm pouca importância.
Embora não haja pesquisas formais, a expectativa da comunidade internacional é a de que a maioria esmagadora dos sudaneses do sul decida pela independência.
Para John Campbell, analista do Council of Foreign Relations, o otimismo dos últimos dias em relação ao caminhar do referendo - provocado em grande parte pela visita amistosa do presidente do Sudão, Omar al Bashir, à possível futura capital do sul, Juba - deve ser visto com cautela. "Todo mundo espera que a votação seja esmagadora a favor da independência. Mas, como a Costa do Marfim mostra, votações nem sempre resolvem crises políticas".
Petróleo e crise humanitária
O tom conciliador de Al Bashir durante sua visita a Juba é visto como um sinal de que o presidente, contrário à separação, dá a batalha como perdida. O líder - contra quem pesa um mandato internacional de prisão por supostos crimes contra a população de Darfur, região do Sudão onde impera o genocídio - tenta garantir o abastecimento de petróleo do norte, onde ficam as refinarias, os oleodutos e os terminais exportadores.
Ao mesmo tempo, o que está em jogo no Sudão é muito mais do que o precioso combustível, que hoje é dividido igualmente. A expectativa de separação do sul já gera uma onda de migração em massa que pode dar origem a uma crise humanitária no país.
O chefe da missão da organização Médicos sem Fronteiras no Sudão, Jose Hulsenbek, disse que o deslocamento dessa população representa um grande risco para o sistema de saúde do sul. "Qualquer que seja o resultado do referendo, há grandes problemas com o sistema de saúde do sul do Sudão. O retorno de milhares de pessoas vai colocar ainda mais peso sobre um sistema que já trabalha no limite e que, hoje, é dependente de ajuda externa para as necessidades mais básicas".
Hulsenbek explica que desenvolver um sistema de saúde para uma população estimada em 8 milhões de pessoas no Sudão do Sul "é uma tarefa para anos". "Hoje, estima-se que 75% da população não têm acesso a hospitais. A desnutrição é crônica, assim como a mortalidade infantil. A violência e os constantes surtos de doenças que poderiam ser prevenidas, como malária e meningite, são uma ameaça sempre presente".
Além do referendo para o sul, estava prevista a votação em separado da população de Abyei, que deveria decidir se permanecia com o norte ou se aderia à independência. No entanto, desentendimentos sobre a participação ou não da tribo árabe nômade de Misseriya levaram o pleito a ser adiado.