OSCAR ROCHA
“O que quer/ o que pode esta língua?”. Caetano Veloso questionava, no rap/samba, em 1984, as possibilidades da língua portuguesa. No dia a dia, muitos não percebem a amplitude de informação que termos e palavras utilizados largamente podem adquirir. Há desde aquelas que nascem de outras línguas estrangeiras até as que são usadas fora da concepção original, passando por termos técnicos sem que se saiba sua origem.
No caso do estrangeirismo, há situações curiosas. Por exemplo, por que no Brasil utiliza-se o termo “site” para denominar endereço na internet? O que muitos não sabem, é que a palavra inglesa tem origem em denominação latina “sitio”, que significa local. No Brasil, a palavra também é utilizada para definir pequena propriedade. Nos países hispânicos, optou-se pela palavra latina. Um caso parecido aconteceu com o termo Aids. Enquanto os nossos vizinhos – e Portugal – utilizam a sigla Sisa (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), por aqui adotou-se “Acquired Imonunodeficency Syndrome”.
A lista continua com o telefone celular, tradução originária do inglês (cell phone), referente às transmissões feitas a partir de torres instaladas em determinadas regiões (as bases celulares). Por aqui, evitou-se o termo utilizado em Portugal e países hispânicos – “telefone móvel”.
“Acho que essa larga utilização da língua inglesa surge por causa do processo cultural que sofremos. No Brasil, usa-se muito mais do que em outros países, como França e Portugal, que têm nacionalismo maior no que se refere à sua língua oficial”, explica o professor de Linguística da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, José Contini Júnior.
Em Portugal, explica o professor, até termos originários da informática e mais sujeitos ao domínio da língua inglesa, recebem tradução local. “Mouse” de computador é ‘rato’ e ‘file’ é ficheiro”. No Brasil, detecta o professor, até palavras com sentido em português recebem tradução em inglês. “Por certo preciosismo e elitismo optam por palavras com significado existente em nossa língua”. É o caso de “sale” para “venda” e “off” para “desconto”.
No passado, a tendência era utilizar palavras francesas para denominar objetos, situações, entre outras. Foi dessa forma que “abajur” e “piquenique”, palavras originárias do francês, ganharam espaço no cotidiano de qualquer brasileiro.
Na publicidade
Uma área em que a língua inglesa aparece com força é a publicitária. No dia a dia do profissional da propaganda termos como “briefing”, “follow up” e “brainstorm” são utilizados como se fossem “bom dia” ou “boa tarde”. “Não sei ao certo porque se utilizam tantos termos em inglês nesse segmento, mas tenho uma teoria: as primeiras agências americanas de publicidade, quando se instalaram no Brasil, trouxeram várias expressões comuns por lá. Mesmo quando se tem palavra equivalente em português, opta-se pela inglesa”, avalia a coordenadora do curso de Publicidade da Faculdade Estácio de Sá, Camila Gazal Fortaleza.
Em tempo, “briefing” pode ser traduzido por “informações preliminares” e “follow up” como “resposta ao que foi solicitado”. No caso do “brainstorm”, há termos em português que se aproximam, como reunião de ideias, grupo de sugestões, mas, nesse caso específico, o sentido fica empobrecido, já que as traduções não apresentam o bom humor do termo original.
Para a jornalista e pesquisadora da língua portuguesa, a campo-grandense Ana Cláudia Salomão da Silva, é necessário evitar os exageros originários do processo de domínio cultural, mas entendendo que o idioma é algo vivo e dinâmico. “É necessário ensinar bem o idioma, preservá-lo e cuidá-lo, como se cuida da riqueza de um povo. Mas também é necessário compreendê-lo não como uma forma fixa, mas algo mutável. Vê-lo sem preconceitos, principalmente os de classe, atribuindo às camadas pobres da população o desvirtuamento da língua, ignorando sua capacidade criativa, as influências de outras línguas, de modos de vida, de cultura e de história”, enfatiza.