Enquanto os brasileiros se revoltam com a série de denúncias sobre o desvio de recursos de ONGs beneficiadas com recursos públicos, estão parados no Congresso 17 projetos que estabeleceriam critérios mais rígidos para a contração dessas entidades. A falta de controle é assustadora, já que o governo federal já repassou neste ano R$ 3,2 bilhões para essas organizações, segundo dados do Portal da Transparência. Essa verba, capaz, por exemplo, de completar as obras de ampliação de 11 aeroportos do País, foi destinada a entidades escolhidas por critério de preferência, sem qualquer seleção técnica ou concorrência.
Para tentar fechar a torneira e reduzir os danos políticos, com a queda do ex-ministro Orlando Silva (Esporte) e as denúncias contra o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, o governo Dilma baixou uma portaria no começo do mês regulamentando os critérios para os convênios, além de estudar uma Medida Provisória sobre o assunto. Enquanto isso, parlamentares tentam tirar dos arquivos empoeirados do Congresso propostas que possam conter possíveis farras com o dinheiro público.
A fiscalização dos gastos do Executivo são feitas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que recebe prestações de contas anualmente, e pela Controladoria-Geral da União (CGU), responsável por auditorias e fiscalizações que verificam a aplicação do dinheiro público. Como os convênios dos ministérios com as ONGs eram escolhidos por preferência, com aval quase exclusivo dos ministros, a fiscalização ficava comprometida.
Com a portaria interministerial, a escolha passará a ser feita por chamamento público, com critérios pré-definidos, comprovação de que a ONG realiza atividade semelhante há três anos e com a divulgação dos critérios por meio de edital. Também fica proibida a terceirização do serviço a ser realizado, através da subcontratação de outras ONGs e empresas privadas, como vinha acontecendo, justamente onde vinham sendo identificadas as irregularidades, segundo a CGU.
Apesar do fraco controle que existia até então, os projetos de lei sobre ONGs estão parados nas gavetas das comissões do Congresso. São aproximadamente 160 projetos relativos aos temas de corrupção e improbidade administrativa, sendo 17 sobre ONGs. "Quase todos parados, não está havendo avanço", afirma deputado federal amazonense que preside a Frente Parlamentar Mista de Combate à Corrupção, Francisco Praciano (PT). Ele atribui a demora à burocracia da Casa e a falta de interesse dos colegas parlamentares.
"Eu desconfio que o perfil do Congresso não gosta muito da natureza dessas leis. Lamento muito dizer, mas já estou começando a desconfiar. Aqui tudo demora. Se não for uma medida provisória ou se (o projeto) não estiver na crista da onda, na imprensa, demora anos. Outro dia vi um projeto do Suplicy (hoje senador, que atuou na Câmara até 1987) tramitando nessa casa, de quando ele era deputado federal, há 20 anos", afirma o deputado, que prevê que com a polêmica em torno das ONGs, devem surgir novos projetos sobre o tema.
Um desses projetos, provavelmente o 18º, será o do ex-governador de Santa Catarina e deputado federal Espiridião Amin (PP-SC). Ele estuda propor a criação do Código das ONGs, ideia inspirada na fala de Dilma de que "existem ONGs e ONGs".
"O que estou pretendendo é uma coisa muito ambiciosa, uma espécie de código das ONGs, que vai do cadastramento até a classificação, com base em indicadores e critérios", adianta. "Por exemplo: como é a governança da ONG? É de uma família? De um deputado? De um padre? Qual é o critério de governança? Tem eleição? São sócios? São todos da mesma família? De uma cidade? De um mesmo bairro? São da mesma panela?", indaga o deputado ao explicar o projeto.
Praciano diz que das 17 propostas em tramitação na Câmara, 12 estão na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), algumas desde 2003, aguardando parecer do relator ou indicação de relator. "Fizemos visitas em todas as comissões que tinham essas pendências, mas na comissão de seguridade, não houve nenhuma reação", reclama.
Ele diz que entre os projetos em tramitação estão a criação de cadastros de ONGs, estabelecimento de modelo de seleção dessas entidades, obrigatoriedade de licitação, entre outros. No entando, a falta de andamento já faz com que o governo, pressionado pela opinião pública, resolva tomar a frente com uma Medida Provisória. "A Dilma já formou uma comissão que está tratando do marco regulatório de ONGs, ou seja, essa Casa, que reclama tanto das Medidas Provisórias, provavelmente, vai receber mais uma, que nem seria necessária se esses projetos fossem tramitados".