SCHEILA CANTO
Contém glúten. Você, com certeza, já deve ter lido esta frase em alguma embalagem de alimento, bebida ou cosmético. E, seguramente, muitas vezes já se perguntou o que é esse tal de glúten e porque todas as embalagens de produtos trazem este aviso em destaque perto das informações nutricionais ou da fórmula. O Correio do Estado foi atrás desta questão para tirar suas dúvidas e, principalmente, para fazer um alerta para sua saúde.
Glúten nada mais é que uma proteína encontrada no trigo, cevada, aveia, centeio e malte. Como esses cereais são ingredientes de vários alimentos, é fácil constatar que vivemos cercados de glúten. Mas se é algo natural, por que tanta preocupação com ele? Simples. Algumas pessoas têm alergia à substância. São os portadores da doença celíaca, uma doença autoimune que pode surgir na infância, geralmente entre o primeiro e o terceiro ano de vida, ou manifestar-se em qualquer idade, inclusive no adulto.
Alerta
Não é à toa que o aviso se contém ou não glúten é obrigatório nas embalagens. De acordo com o gastroenterologista Hernani Trefzger Cândido, nos doentes celíacos, o consumo da proteína pode levar a complicações graves, principalmente nas crianças. Os portadores da patologia não conseguem fazer a quebra da proteína, ou seja, não conseguem digeri-la. O glúten altera as vilosidades (dobras) do intestino delgado, parte do corpo responsável pela absorção dos alimentos que nós consumimos. As vilosidades diminuem de tamanho, tornando-se achatadas, conforme o número de inflamações provocadas pelo consumo do glúten. Com isso, diminui a possibilidade de absorção de nutrientes. “Portanto, entre as consequências da doença estão a desnutrição, retardo no crescimento, déficit intelectual e outras doenças decorrentes da falta de nutrientes”, alerta o médico.
A nutricionista Elda Regina Leite Galvão de Ávila, presidente da Associação dos Celíacos do Brasil, regional Mato Grosso do Sul (Acelbra/MS), destaca que o glúten faz mal para os indivíduos geneticamente suscetíveis. “Ninguém deve eliminá-lo da alimentação, porque eles contêm fontes importantes de nutrientes. É perigoso sair copiando modismo de celebridades que aparecem na mídia dizendo que emagreceram porque cortaram o glúten da dieta. É claro que isso vai acontecer, afinal cortam-se massas, pães, bolos, alguns queijos, café, achocolatados, embutidos e até mesmo bebidas alcoólicas como cerveja e uísque”, enumera.
Atenção aos pequenos
A doença celíaca é genética, identificada geralmente nos primeiros anos de vida das crianças, quando a alimentação começa a variar com a introdução de papinhas, sopas e biscoitos. Combinações perigosas, que podem levar a diarreia crônica, gases, distensão abdominal, emagrecimento e falta de apetite. “Neste caso, não há jeito. A pessoa tem que abolir o glúten da vida dela. Não existe tratamento para isso”, informa o gastroenterologista. Se não for feita a dieta adequada, a pessoa pode sofrer muito com os sintomas e pode vir a ter consequências mais graves, como anemia, além das complicações já citadas.
Mudança de vida
Hoje ao fazer uma busca rápida pela internet, por exemplo, chega-se a mais de 350 mil páginas que falam da doença. Existem ainda várias associações nacionais e internacionais formadas para discutir e compartilhar questões a respeito da doença e do tratamento. Mas há dez anos, o cenário era bem diferente. Pouco se conhecia sobre a doença, aponta Elda, lembrando que teve de voltar à condição de acadêmica para entender e saber mais sobre o assunto que afetava sua filha. “Me formei em biologia, trabalho na área como professora, mas como não encontrei ajuda profissional, larguei tudo para voltar à faculdade e fazer nutrição. Com isso, pude cuidar melhor da minha filha, que quase morreu de desnutrição. Como trata-se de uma condição para a vida toda, precisava agir diferente e fazer uma mudança total em nossa rotina e hábitos alimentares”, relata.
O conhecimento adquirido por Elda tem ajudado muitos pais e portadores da doença que encontram na Acelbra/MS apoio e orientação quanto à doença, suas consequências e a maneira correta de se alimentar.
Segundo a nutricionista, o grande problema é encontrar alimentos que não contenham aveia, centeio, cevada e, principalmente, o trigo. Os doentes celíacos, além de controlar a alimentação, ainda se veem às voltas com a procura pelos produtos, bem caros no mercado brasileiro. “Para se ter uma ideia, há cinco anos boa parte dos produtos encontrados eram importados e o preço de 200 g de macarrão sem glúten custava em torno de R$ 9. Hoje, já temos fabricantes no Brasil de produtos especiais, mas ainda arroz, macarrão e pão, ingredientes comuns em qualquer dieta, quando são sem glúten, custam em média três vezes mais do que os comuns”, exemplifica Elda.
Por isso, uma das atividades da Acelbra/MS é promover oficinas de culinária para ensinar o preparo de receitas que não levam o glúten e torná-las mais acessíveis, além de criar pratos nutritivos e saborosos. “Imagine-se numa dieta sem a maioria das massas e boa parte dos alimentos industrializados para vida inteira. É preciso ter muita criatividade e conhecimento para não ter perdas nutricionais”, ressalta.
Sintomas
Os sintomas são fáceis de ser notados, mas geralmente as pessoas não os associam a distúrbios alimentares nem intestinais por pura falta de conhecimento. A nutricionista alerta para que as pessoas fiquem atentas às azias, gases, distenção abdominal, prisão de ventre e/ou fezes despedaçadas e disformes, diarreias, dor articular, fadiga, dor de cabeça, cansaço excessivo e irritabilidade.
Diagnóstico
Muitas pessoas passam anos com problemas achando que sofrem de gastrite ou outra doença intestinal até terem o veredicto final. O diagnóstico se dá por meio de exame de sangue que faz a dosagem de anticorpos e pela biópsia do intestino delgado, conseguido por via endoscópica.
Como se trata de uma doença autoimune, não há cura e somente com a alimentação adequada é possível ficar longe dos efeitos negativos da patologia.
Cuidados específicos
A vida dos celíacos é ler rótulos, de tudo, inclusive dos cosméticos, embora nem sempre seja possível confiar totalmente neles, pois as informações nem sempre são claras. Todo cuidado é pouco para quem é portador da doença, pois não pode sequer usar um batom ou xampu que contenham a substância. E não basta também apenas não consumir o produto com glúten, pessoas celíacas passam mal até mesmo pela proximidade dos produtos. Exemplo: não se deve assar no mesmo forno, ao mesmo tempo, alimentos com e sem glúten. Não esquente o pão de um celíaco na mesma torradeira / tostadeira em que costumar torrar os pães comuns, pois as migalhas destes, mesmo torradas, podem contaminar o pão sem glúten. E de preferência use panelas separadas para preparação de alimentos com e sem glúten.