O destino de personagem de novela costuma ser uma caixinha de surpresas. Conforme a reação do público, a inspiração do autor e o desempenho do ator, o caminho pode tomar rumos variados e imprevistos. Mas isso não chega a ser uma regra. Não é raro que, já no início de uma novela, alguns personagens tenham seu fim claramente traçado e conhecido pelos telespectadores. Com uma espécie de prazo de validade, muitos entram na história para morrer ou deixar a trama em um determinado momento. Esse é o caso do bem-intencionado Alcino, de Carmo Dalla Vecchia, um empresário que sofre de uma doença terminal e teve sua morte anunciada antes mesmo de "Cama de gato" estrear. "Ninguém gosta de falar sobre a morte e essa responsabilidade veio com o personagem. As pessoas pedem para que o Alcino se cure, mas ele tem de morrer. Seria loucura, depois de tanto sofrimento, chegar ao final da novela e inventar uma cura", argumenta o ator.
A doença de Alcino serviu como ponto de partida para desenrolar a trama central da novela. E é a mesma expectativa em torno de uma morte que promete movimentar "Ribeirão do tempo", próxima novela da Record que estreia em abril. Só que no folhetim, assinado por Marcílio Moraes, a história gira em torno de um misterioso acidente fatal sofrido pelo piloto de avião Sílvio, interpretado por Rodrigo Phavanello. Apesar de empolgado em realizar seu primeiro trabalho na Record, o ator deixa transparecer sua frustração em fazer um personagem marcado para morrer. E fica na torcida para que nem tudo ocorra como o planejado. "A morte do Sílvio é fundamental para o desenvolvimento das tramas. Mas nenhuma das novelas que fiz seguiu à risca o que estava escrito na sinopse. Vou até onde der", afirma.
A morte anunciada de um personagem é um eficiente artifício para criar expectativas e movimentar tramas. Em 2003, em "Mulheres apaixonadas", a morte de Fernanda, de Vanessa Gerbelli, por uma bala perdida, gerou grande repercussão ao ser amplamente divulgada ao longo da novela. Mas o autor Manoel Carlos defende que isso não é o que mais empolga o público. "O que gera expectativas são os acontecimentos que alteram significativamente a trajetória da trama, como os ganchos e as viradas", explica. Maneco relembra que, em 1981, na novela "Baila comigo", a sinopse determinava a morte do médico Plínio Miranda, interpretado por Fernando Torres, no capítulo 24. Mas, depois que o fato foi divulgado, choveram reclamações na Globo e ele não conseguiu matar o ersonagem. "Novela só tem sentido se for vista. Você tem uma resposta à medida que a história avança. A verdade é que nunca dá certo escrever com muita antecipação", diz.
Para Marcílio Moraes, a antecipação também acaba se tornando um problema. Por isso, o autor não gosta que o público saiba de antemão que ele planeja matar algum personagem. "Infelizmente isso é inevitável porque a sinopse acaba se tornando conhecida. Mas não encaro como um recurso dramático, é apenas uma contingência do modo de escrever uma telenovela. Não acho que haja grande impacto em personagens com ‘’prazo de validade’", defende o autor, que diz agir por intuição e não descarta a possibilidade de cancelar ou adiar a morte de Sílvio em "Ribeirão do tempo".
Mas não são apenas doenças e assassinatos que determinam a vida curta de alguns personagens nas novelas. Às vezes isso acontece em função da própria disponibilidade dos atores. Em "Caras & bocas", por exemplo, o personagem Jacques, de Ary Fontoura, foi supostamente assassinado nos primeiros capítulos para que o ator, que havia emendado duas novelas, pudesse descansar. Depois de umas rápidas férias, ele voltou à trama por volta do capítulo 80. "É difícil trabalhar sem ter vida própria. Precisei parar para me reciclar", conta.