A promotora de Justiça Mariana Sleiman, da Promotoria de Justiça da Comarca de Nioaque, instaurou, no dia 15 de abril deste ano, o Inquérito Civil nº 06.2024.00000777-2, para apurar possíveis irregularidades cometidas pelo ex-presidente da Associação de Municípios de Mato Grosso do Sul (Assomasul) e ex-prefeito de Nioaque Valdir Couto de Souza Júnior (PSDB), ao utilizar, concomitantemente, as diárias do Executivo municipal e os recursos da associação para o custeio de despesas de hospedagem e alimentação.
Conforme a promotora de Justiça, a decisão pela instauração do inquérito civil foi motivada após pesquisar detalhadamente as diárias recebidas pelo ex-prefeito Valdir Jr. no Portal da Transparência da prefeitura de Nioaque e as comparar com as notas fiscais geradas pelas churrascarias Bezerro de Ouro e Manura e pelos hotéis Grand Park Hotel e Hotel Deville, todos em Campo Grande, quando receberam o ex-gestor para alimentação e hospedagem.
No inquérito, ela explicou que as duas churrascarias e os dois hotéis têm convênios com a Assomasul e, portanto, os gastos do ex-prefeito foram custeados pela associação, e não pela diária recebida da prefeitura de Nioaque.
Valdir Jr. também se alimentou no restaurante Casa do Peixe, porém, o estabelecimento não tinha controle que registrasse a presença dos clientes, tornando impossível confirmar se o ex-presidente foi quem consumiu pela Assomasul, por isso, a promotora de Justiça deixou-o de fora da comparação.
De posse das informações, Mariana Sleiman conseguiu montar uma tabela contendo as datas e os valores de consumo em cada um dos respectivos estabelecimentos oficiados, bem como os dias e os valores das diárias do ex-prefeito custeadas pelo município de Nioaque, para fins de comparação.
“Considerando a necessidade de apuração dos fatos noticiados e eventuais responsabilidades, e que ao Ministério Público Estadual compete apurar eventual ofensa aos princípios da administração pública, bem como atos de improbidade administrativa, instaura o presente Procedimento Preparatório
nº 06.2024.00000777-2”, escreveu.
DENÚNCIA ANÔNIMA
Ainda de acordo com o inquérito civil, a denúncia contra o ex-prefeito foi feita de forma anônima, via Ouvidoria do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), que a recebeu no dia 5 de março de 2024. A denúncia, intitulada de “Farra das Diárias”, foi enviada para a vereadora Rosemeire, de Nioaque, via e-mail, em que a autora pede sigilo, pois seria funcionária pública e não poderia aparecer, caso contrário, sofreria perseguição política.
Na denúncia, a servidora, que pede anonimato, acusa o então prefeito de “embolsar diárias pagas pela prefeitura”.
“Todas as vezes que vai para Campo Grande e Brasília [DF], com o argumento que terá reunião na Assomasul, onde desde 2021 é presidente, ele embolsa o valor das diárias pagas pela prefeitura, que deveriam pagar pelas despesas (viagem, alimentação e hospedagem), e faz a Assomasul pagar novamente. Veja que ele ganha as diárias em dobro, já que Nioaque e a Assomasul pagam pelas mesmas despesas”, trouxe a denúncia.
A funcionária pública também escreveu no e-mail que “as despesas pela prefeitura podem ser verificadas pelo Portal da Transparência”.
“Já as despesas pagas pela Assomasul podem ser verificadas pelos fornecedores. O Ministério Público [MP] tem que investigar isso. Como a Câmara está comprada pelo prefeito, só resta o MP para fiscalizar”.
Ela relatou no e-mail que “é de conhecimento de todos que o prefeito vai almoçar em restaurantes em Campo Grande (Bezerro de Ouro, Manura, Casa do Peixe) e quem paga a conta é a Assomasul”.
“Às vezes, ele fica hospedado em hotéis (Grand Park e Deville) que a Assomasul paga. Quando vai a Brasília, recebe diária da prefeitura, mas paga as despesas pela Assomasul e embolsa todo o dinheiro. Uma vergonha”, criticou.
Para concluir, a servidora reforçou que o MPMS tem todas as condições de investigar.
“Basta convocar os funcionários da Assomasul, que foram e estão sendo perseguidos. Alguns funcionários foram demitidos porque não concordaram com toda essa bandidagem. O prefeito promoveu a secretária para diretora financeira só para fazer o que ele manda e continuar com as falcatruas. O ex-tesoureiro pediu desfiliação da Assomasul porque não concordava com as decisões escusas do prefeito de Nioaque. O dinheiro da Assomasul é público, as prefeituras que repassam através do repasse do ICMS”, finalizou.

TESOUREIRO
No dia 10 de setembro do ano passado, o MPMS colheu o depoimento do prefeito de Jateí, Eraldo Leite, por meio de videoconferência, que foi tesoureiro da Assomasul no período de 2021 a 2022. Ele revelou que desconhecia que o então presidente Valdir Jr. recebia diárias com concomitante custeio das despesas de hospedagem e alimentação com recursos da Associação.
Na transcrição do depoimento, Eraldo Leite relatou que deixou de ser tesoureiro por motivos pessoais e que desconhecia que Valdir Jr. teria recebido diárias com concomitante custeio das despesas de hospedagem e alimentação com recursos da Assomasul.
“Mas afirmou que, como presidente, a entidade pode proporcionar alguma ajuda; que a entidade disponibiliza recursos ao presidente quando este está em viagens tratando de assuntos da entidade; que quando é feita a reserva em um hotel, as despesas de hospedagem e alimentação são bancadas pela Assomasul; que a pessoa se hospeda e posteriormente envia os valores à entidade, que então efetua o pagamento diretamente com o fornecedor do produto, como no exemplo do hotel, do restaurante; que dos restaurantes em que o prefeito teve a alimentação custeada pela Assomasul está o restaurante Bezerro de Ouro e os outros não se recorda”, trouxe a transcrição.
Ainda em seu depoimento, Eraldo Leite contou que, em Brasília, caso o prefeito fosse para cuidar dos assuntos de interesse da entidade, teria suas despesas pagas e que o pagamento seria direto ao hotel ou direto ao restaurante.
“Não sabe dizer em quais hotéis Valdir Júnior teria se hospedado ou mesmo os restaurantes onde teria se alimentado”, transcreveu o MPMS depois de acompanhar o depoimento.
Perguntado se, quando havia o pagamento dessas despesas, também eram pagas diárias, o ex-tesoureiro da Assomasul disse que não.
“O diretor financeiro da época, Diego Abude, tinha a atribuição de fiscalizar se essas viagens eram feitas para tratar de interesses da entidade, mas que ele deixou de ser o diretor financeiro e que saíram na mesma época; que não sabe quem é a secretária que foi promovida a diretora financeira; que não tem conhecimento de que o presidente Valdir Júnior, ao mesmo tempo em que estava recebendo tais custeios da Assomasul também estaria recebendo diárias da prefeitura de Nioaque”, informou o prefeito de Jateí ao MPMS.
Para finalizar o depoimento, o então prefeito de Jateí declarou que, após ler o teor da denúncia feita na Ouvidoria do MPMS, não teria conhecimento dos fatos nem saberia dizer em quais hotéis Valdir Jr. se hospedava.
“Não sabe de nenhum funcionário que tenha saído da prefeitura por não concordar com os atos do prefeito, que a sua saída da Assomasul se deu por motivo de foro íntimo; que o dinheiro da entidade vem das mensalidades dos municípios, repasse do ICMS”, finalizou.

Saiba
Valdir Júnior diz que não vê irregularidade
O Correio do Estado procurou o ex-presidente da Assomasul e ex-prefeito de Nioaque Valdir Couto de Souza Júnior (PSDB) para ouvir o lado dele sobre o inquérito civil aberto pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS). “Já foram apresentadas as documentações com as devidas comprovações, o presidente e todos os membros da diretoria da Assomasul não são remunerados e não recebem diárias também. É mais uma denúncia eleitoreira da época da última eleição municipal em Nioaque”, declarou.
Ele ainda disse que era importante destacar que o “presidente e membros da diretoria não são remunerados e não recebem diárias”. Valdir Jr. ainda alegou que os valores pagos pela Assomasul, de forma excepcional, a título de hospedagem e almoço, não podem ser considerados como recebimento vantajoso ou em duplicidade, vez que são valores considerados ínfimos perante a despesa do prefeito, de modo que não há nenhuma irregularidade.