OSCAR ROCHA
De um lado, o forte apelo comercial; do outro, uma das imagens mais bonitas e simbólicas do cristianismo. Sem esquecer de que a origem de tudo está num dos principais momentos da construção da identidade do povo judeu. A comemoração da Páscoa, que acontece hoje, reúne, numa só tacada, vários significados, alguns até contraditórios, principalmente quando o assunto atinge a fé religiosa e o comércio.
“A mídia, que se rende mais ao comércio do que ao real significado da Páscoa, deveria contribuir para que as pessoas entendessem melhor a dimensão dessa tradição”, avalia o padre anglicano e professor de Teologia Carlos Eduardo Calvani. Ele não está sozinho na queixa quanto à desvirtuação do tema. “O assunto acaba sendo diluído pela abordagem que é feita na atualidade e também serve para demonstrar a desestrutura das famílias, o consumismo cada vez maior, sem a compreensão, na totalidade, do sentido da Páscoa”, aponta o frei José Bastos da Silva.
Para entender o princípio do assunto, é necessário recorrer ao Velho Testamento da Bíblia, mais especificamente ao “Êxodo”, e lembrar uma das suas passagens, aquela que descreve o processo de libertação do povo judeu do Egito, depois de período escravizado. Segundo o texto, a saída do cativeiro significou a passagem para liberdade e a jornada à Terra Prometida. Isso ocorreu, provavelmente, cerca de 1.200 anos antes do nascimento de Cristo.
A Páscoa Judaica também está relacionada com a passagem dos hebreus pelo Mar Vermelho, liderados por Moisés. Nesta data, os judeus fazem e comem o matzá (pão sem fermento) para lembrar a rápida fuga do Egito, quando não sobrou tempo para fermentar o pão. “Para eles, a data significa a passagem da escravidão para a liberdade, estabelecendo uma nova fase”, explica Carlos Eduardo.
A Bíblia institui a celebração da Páscoa em Êxodo 12, 14: “Conservareis a memória daquele dia, celebrando-o como uma festa em honra do Senhor. Fareis isto de geração em geração, pois é uma instituição perpétua”.
Tradição cristã
Para os cristãos, a Páscoa passou a contar com outro significado, diferente dos judeus. Refere-se a um momento marcante, o período posterior à crucificação de Jesus Cristo. Mesmo assim, os fatos anteriores ganham importância para a data.
“A tradição está ligada a um contexto maior do que somente a ressurreição, é preciso compreender a paixão e a morte”, aponta frei José.
Para o padre Carlos Eduardo, a data marca a vitória definitiva sobre a morte e pode ganhar outros significados no cotidiano de todos. “Pode ser traduzida também como recomeçar, ter novas perspectivas, acreditar em novas possibilidades para a vida”, aponta.
A Páscoa ainda traz, longe das tradições religiosas, resquícios de costumes pagãos. Isso pode ser notado no costume de presentear com ovos. Na mitologia anglo-saxã, o ovo aparecia em rituais ligados à fertilidade e à renovação, principalmente ocorridas durante a primavera, no hemisfério Norte. Era comum a prática de pintar ovos cozidos, decorando-os com desenhos e formas abstratas.
“No século 19, nos países nórdicos, era comum enfeitar os ovos e dar de presente. O que o capitalismo fez foi explorar essa tradição e dar outra conotação a essa prática. Atualmente, a exploração do comércio em torno do assunto é grande”, enfatiza Carlos Eduardo.
Um dos locais que poderia servir de apoio para difundir o real significado da Páscoa seria a escola. “Por meio de um ensino religioso, sem proselitismo, em sala de aula, poderia se repassar a total abrangência do assunto”, prossegue o anglicano. Para a professora do ensino fundamental Carolina Soares da Silva há a tentativa de se trabalhar o assunto em todas os aspectos em sala de aula, mas o apelo comercial da data é muito forte. “As crianças até aprendem, mas estão mais interessadas nos ovos de Páscoa, feitos com chocolate. A publicidade é grande em torno do assunto”, enfatiza.