Uma figura humana que marcou notável presença em nossa Campo Grande foi Nerone Maiolino, dono de uma personalidade marcante, simpatia exuberante, muito bem quisto independente inclusive de cores políticas, sim, porque nos anos quarenta nós éramos praticamente divididos por simpatizantes da UDN ou do PSD, divisão que nunca marcou o Nerone, era comum ver em seu escritório da livraria Nossa Senhora Aparecida, figuras como o senador Filinto Muller, líder do PSD ou do doutor Dolor de Andrade, do outro partido o que mostrava a habilidade que tinha em saber conviver com tantos quanto dele se aproximassem, denotando uma incomum sabedoria. Mas voltemos um pouco ao passado. Nerone migrou para o Rio de Janeiro, onde fez um curso de contador e empregou-se na Cruzeiro do Sul, a principal companhia aérea, na qual mantinha constantes contatos com mato-grossenses, principalmente, de Campo Grande, onde muitas vezes com a habilidade que lhe era característica, conseguia encaixar alguém em voo praticamente lotado. Assim ia alargando a sua já simpática maneira de fazer amigos.
No começo dos anos cinquenta, voltou para Campo Grande, a convite de Abel Aragão para gerenciar sua tipografia, a maior e mais importante da cidade, a Livraria Rui Barbosa, em que se destacou mais uma vez, mercê de sua habilidade. Foi quando conheceu Etienete Palhano, de quem logo ficou noivo. Então, um desentendimento entre ele e Abel, o forçou a deixar o emprego, numa ocasião difícil, às vésperas de seu casamento. Mas como dizem que não há mal que não traga um bem, o fato provocou nele, que já era muito estimado pelo futuro sogro, José Palhano, a decisão de montar sua própria livraria, que embora não tivesse capital, tinha profunda habilidade, tendo logo com a ajuda do sogro, montado a Livraria N.S. Aparecida. Ambicioso e competente, dizia que a otimização do negócio só se daria se montasse uma moderna tipografia, o que exigia um substancial aporte numerário, feito pelo agora sócio e sogro, José Palhano. Nerone enxergava longe e queria montar uma tipografia moderna, importando máquinas da Alemanha e que tornaram a impressão gráfica que aqui existia, coisa obsoleta, o que lhe permitiu liderar a profissão na cidade, e com tal presteza que logo comprou outra tipografia, a Rui Barbosa, em que havia sido gerente, mostrando sua imensa capacidade de operar negócios. A par do sucesso comercial, ia ampliando seu círculo de amizades, mercê de seu caráter e de sua constante simpatia.
Como sua casa de negócios ficava no ponto mais central da cidade, logo ela se tornou o centro de reuniões das pessoas mais notáveis daqui, é tanto que ali pelas cinco da tarde, você encontraria quase todos num ambiente alegre e de imensa confraternização, era muito querido por todos.
Nerone não praticava nenhuma religião, mas foi o maior cristão que conheci, fazendo da caridade o apanágio de sua vida. Um fato marcante mostrou isso. Todo fim de ano, ele comprava em São Paulo um fardo com duas ou três centenas de cobertores, que distribuía entre os mais humildes, mas houve um ano, de enormes dificuldades financeiras e eu, indo lá, como sempre fazia, encontrei um imenso fardo de cobertores. Estranhei e pergunte-lhe se aquilo não havia custado muito caro, diante das circunstâncias, "caro foi, mas o que os meus pobres têm a ver com meus problemas?" Também prestava serviços no Sanatório São Julião, a quem dava toda a disponibilidade que fosse preciso. E dizer que não tinha religião soa muito falso, pois quem assim vive, vive exatamente o que Cristo pregava, e eu, católico praticante, muitas vezes disse à sua mulher que ele era muito mais cristão do que eu. E era mesmo. Quando Nerone se foi, deixou pela sua vida, uma coisa que não morre nunca, o exemplo de homem de bem, transfigurado pelos filhos, que destaco por eternizarem o seu sonho de dotar Campo Grande com uma moderna tipografia, Geraldo e Nerone Filho. Aliás esse Geraldo está saindo melhor do que a encomenda, pois está sempre modernizando sua gráfica, tal qual fez o pai, com o que de mais moderno existe. Nerone morreu?