BRASÍLIA
A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a relevância da participação da imprensa “na vigilância da coisa pública” e chamou a atenção da crítica jornalística para o fortalecimento da democracia. Tomando como base tais premissas, os ministros que compõem a turma acolheram recurso especial interposto pela Editora Diário da Manhã Ltda., do Paraná. Assim, mudaram a decisão do Tribunal de Justiça daquele Estado (TJPR) que havia condenado a empresa por danos morais devido à publicação de uma matéria cujo título foi considerado ofensivo.
O jornal tinha sido condenado pelo TJPR a pagar indenização de R$ 8 mil ao motorista da Câmara de Vereadores de Ponta Grossa (PR) Vlaudemir Regonato, pela publicação de matéria no Diário da Manhã, referente a uma colisão de veículos provocada por ele. O título da referida matéria sugeria que o motorista estava embriagado, mas, apesar de depoimentos de colegas sobre o estado do servidor, a sindicância realizada para apurar o caso excluiu a embriaguez, embora o tenha punido. Para o relator do recurso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, o cerne da questão consiste em saber se a editora extravasou ou não o direito de informar, atingindo indevidamente a honra do motorista. O STJ, no entanto, entendeu que isso não ocorreu.
De acordo com o ministro relator, em seu voto, na reportagem foi vislumbrado “o simples e regular exercício de direito”, consubstanciado em crítica jornalística própria de estados democráticos, “razão pela qual o autor deve, como preço módico a ser pago pelas benesses da democracia, conformar-se com os dissabores eventualmente experimentados”.
Ao ajuizar a ação contra a Editora Diário da Manhã, o motorista Regonato argumentou que “experimentou intenso abalo moral pelo fato de a matéria tê-lo intitulado de bêbado”. O jornal, no entanto, alegou ter noticiado simplesmente fato gravíssimo imputado ao motorista e lembrou que ele foi considerado negligente em sua conduta e punido na esfera administrativa com pena de advertência e desconto em folha, pelos prejuízos ocasionados ao erário em decorrência do episódio.
Moralidade
De acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, no caso em questão não se pode afirmar que houve erro grosseiro na informação divulgada, uma vez que a manchete do jornal, embora utilize um termo impreciso, não se distancia dos fatos assumidos pelo próprio motorista (autor da ação) e de tudo que ficou comprovado nas instâncias ordinárias.
“A não comprovação do estado de embriaguez, no âmbito de processo disciplinar, apenas socorre o autor na esfera administrativa, não condiciona a atividade da imprensa, tampouco suaviza o desvalor da conduta do agente público, a qual, quando evidentemente desviante da moralidade administrativa, pode e deve estar sob as vistas dos órgãos de controle social, notadamente os órgãos de imprensa”, ressaltou o relator.
O ministro destacou, também, que a posição do TJPR significa tolher o que há de melhor na imprensa, “que é, exatamente, essa indispensável participação na vigilância da coisa pública”.
Lei de Imprensa
Em seu voto, Luis Felipe Salomão levantou, ainda, a discussão sobre a atual Lei de Imprensa, ao lembrar que justo agora, em que foi declarada não recepcionada pela Constituição Federal, no julgamento da ADPF nº 130/DF (ação de descumprimento de preceito fundamental), em maio passado, “a imprensa afirma-se mais ainda como uma instituição livre, e essa liberdade faz parte dos caracteres identificadores do próprio sistema democrático”.
“Em outros termos, a crítica jornalística – que é uma das faces da aclamada liberdade de imprensa – densifica esse dogma maior do Estado de Direito, qual seja, a democracia”, destacou Salomão. No seu voto, o relator citou precedentes do ministro Celso de Mello, no julgamento da ADPF nº 130/DF, no Supremo Tribunal Federal (STF), e de recursos do próprio STJ, relatados pelos ministros Ari Pargendler, Aldir Passarinho Junior, Nancy Andrighi e por ele mesmo. (Com informações da assessoria de imprensa do STJ).