OSCAR ROCHA
No primeiro momento, o sofrimento toma conta de tudo. A realidade é marcada por dificuldades. A superação é exigida a cada instante. O período é nebuloso e as limitações estabelecem problemas constantes. Mas, com o passar do tempo, o que era sofrimento passa a instigar novas perspectivas. A palavra escrita começa a fazer parte do cotidiano e registrar emoções. Os elementos acima mostram um pouco da trajetória de pessoas que sofreram percalços em determinado momento da vida e, atualmente, são portadores de alguma deficiência física – ou, então, não recuperam totalmente os movimentos – e, a partir dos seus problemas, começaram a entrar em contato com a produção literária.
Esse é o caso da professora universitária Cilene Queiroz, 48 anos, que há cerca de três anos sofreu um acidente vascular cerebral (AVC). “Fiquei durante algum tempo na UTI. Quando saí, tinha perdido grande parte dos movimentos. Até para fazer coisas básicas precisava de ajuda de outras pessoas. Meu lado direito ficou paralisado e tive que aprender a usar o lado esquerdo”, conta Cilene.
No período de recuperação, a literatura entrou de sola em seu cotidiano. “Ficava assistindo televisão, mas não gostava disso e pensei em escrever. Em um primeiro momento, escrevia a mão; depois, passei para o notebook”.
O resultado das primeiras escritas está no livro “Lembranças”, que lançou no mês passado. A publicação reúne 30 contos, que descrevem momentos do cotidiano. “Não falo sobre o meu problema, busco colocar no papel vários tipos de situações, criando personagens. Falo sobre felicidade, alegria, nada mórbido”, define.
A literatura entrou, definitivamente, no dia a dia da professora. Depois dos contos, agora pretende lançar um romance. Cilene ainda não quer divulgar o título e maiores detalhes, mas afirma que será um drama com tema polêmico. “Quero escrever sempre. Estou me sentido muito bem criando histórias”.
Outro projeto da escritora é reunir pessoas com o mesmo problema que a acometeu para compartilhar experiências e buscar novas perspectivas pessoais. “Tem gente que fica isolada, achando que não pode mais fazer nada. Quero formar um grupo que possa ajudar a todos”.
Lázara Lessonier, 57 anos, é outra que buscou na escrita ponto de apoio para reflexões a partir do acidente que sofreu. Aos 26 anos, durante uma mudança de Três Lagoas para Campo Grande, ao movimentar uma antena de televisão, acidentalmente, em direção aos fios de alta-tensão, recebeu descarga elétrica violenta. “Era para ter morrido”, recorda-se. Por causa do choque, perdeu as duas mãos e teve que se adaptar à nova realidade.
As recordações dessa etapa da vida ganharam as páginas de “Vitoriosa, espinhos e perfumes”, livro lançado em 1988, que, atualmente, está na segunda edição. “Nesse livro, falo do que passei e as das minhas reflexões”. O livro serviu de pontapé inicial para sua jornada literária, que atualmente está a todo vapor.
Se não publicou um livro individual, as participações em coletâneas com outros escritores passaram a ser constantes. “Contribuo duas vezes por ano com uma publicação do Rio de Janeiro. Nesses textos, não falo somente de deficiências, escrevo a partir do tema sugerido pela publicação”, explica.
Hoje, Lázara também ministra palestras de autoajuda, além de pintar quadros. “Posso dizer que tudo começou com a literatura. Ela possibilitou que fizesse outras coisas, como pintar, ministrar palestras, entre outros”. Quem quiser conhecer um pouco do trabalho de Lázara pode acessar o site www.lazaralessonier.art.br.