Escrever não é novidade para Ravel Giordano Paz, professor de Literatura na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Ele é autor de dezenas de artigos e outras produções científicas; em 2009, publicou “Serenidade e fúria: o sublime assimachadiano”, resultado da tese de doutorado em Letras Vernáculas pela USP, e em 2012 organizou o livro “A indústria radical: leituras de cinema como arte-inquietação”.
No entanto, apesar de anos se dedicando ao estudo literário, esta é a primeira vez que o autor publica uma obra ficcional. “Os meninos da Colina” é narrado por Jean, um garoto normal, mas um pouco tímido, que acabou de se mudar para a Colina, bairro rico em uma cidade de porte médio, Vinilândia. Ao entrar na escola do bairro, ele faz novas amizades, participa das farras da turma e se envolve em algumas confusões, além de se apaixonar por uma garota, Cláudia.
“A certa altura, as coisas começam a se complicar, chegando a ganhar contornos de tragédia, alguns fatos escabrosos se revelam, mas isso é melhor deixar para o leitor descobrir”, explica o autor. A narrativa é ambientada nos anos 80, às vésperas da eleição de Fernando Collor. “Ao lado de temas como amor, amizade, rivalidades, violência, sexualidade e relações entre pais e filhos, há um matiz levemente político, mas nada, eu espero, que pese na história”, comenta.
A obra é voltada para o público jovem, mas como ressalta Ramiro Giroldo, que assina a orelha do livro, “o leitor que não é mais tão jovem e tem a memória de suas descobertas já embotadas pela passagem dos anos redescobrirá lembranças doces, agridoces, amargas”. Para Ravel, o livro poderá ser lido tranquilamente por adultos, sobretudo por resgatar um momento histórico, mesmo que esse não seja o foco da obra.
Seja por acaso ou pelo “espírito do tempo”, “Os meninos da Colina” se insere entre as inúmeras obras ficcionais – literárias, mas também audiovisuais – que voltam o olhar para os anos 80. A série “Stranger Things”, da Netflix, fez sucesso ao recuperar as referências que marcaram época.
“A proposta é bem diferente, mas a série também atesta que esse período tem despertado interesse ultimamente, por motivos que eu não saberia explicar, mas que talvez tenham a ver com o momento em que as pessoas que foram jovens naquela época estão vivendo agora”, comenta. Segundo Ravel, outro exemplo que teria mais a ver com seu livro é o filme “Califórnia”, dirigido por Marina Person, com Caio Blatt.
MUDANÇA DE ARES
De fato, Ravel se consolidou como um pesquisador e seguiu o caminho de quem trilha a formação acadêmica: se tornar professor. Mestre em Teoria e História da Literatura, pela Universidade Estadual de Campinas, e doutor em Letras, pela Universidade de São Paulo, Ravel continua a estudar a literatura a partir das reflexões de Jacques Derrida. “Esse é um processo mais árduo, que envolve questões complexas, sobre a liberdade e a dimensão ética tanto da atividade literária quanto da crítica”, pontua.
O autor de “Os Meninos da Colina” considera que produzir algo artisticamente é altamente recomendável para quem estuda literatura ou artes em geral. Assim, ele decidiu seguir o próprio conselho e colocar no papel a história de Jean e seus colegas.
“A tentativa de escrever ficção não é totalmente desligada de minha atividade como estudioso, principalmente de literatura, seja porque também na escrita criativa eu exerça meu senso crítico, seja porque minhas leituras literárias, e mesmo teóricas, de certa forma influenciam meu trabalho criativo”, explica.
Segundo Ravel, há algo de biográfico na obra. “Acho que eu mesmo estou ‘espalhado’ em vários personagens”, brinca. O autor afirma que as experiências pessoais estão presente, mas foram modificadas ou misturadas a outras experiências, de outras épocas.
“Misturei lugares, pessoas, experiências e, claro, realidade e ficção. Alguns personagens foram inspirados em diferentes pessoas, que acabaram se fundindo em uma só, ou, pelo contrário, se dividindo em mais de uma”, argumenta.
O autor pontua ainda que há uma “leve intenção” de imitar certos aspectos das histórias de Machado de Assis, com algo de sua sutileza irônica e sua metalinguagem. “Espero que soe mais como uma homenagem do que como imitação”, brinca.
“Os Meninos da Colina” é a estreia de Ravel como escritor ficcional, mas ele afirma que há outros projetos em andamento. “Tenho um volume de contos em andamento e um romance satírico pronto, além de outros projetos esboçados ou iniciados, mas ainda estou em dúvida quanto a publicá-los”, explica.
Em relação ao romance, que tem como títulos provisórios “Pustulário” ou “O Rol dos Omissos”, ele acredita que é preciso maturá-lo mais: “me distanciar um pouco para, depois, voltar a ele com outros olhos”, detalha. Ravel ressalta que o livro que está sendo lançado, na verdade, foi escrito há cinco anos.
“Quando decidi publicá-lo, mexi bastante no texto original. Esse distanciamento crítico é fundamental”, argumenta o autor.