A expressão “educação financeira”, tão disseminada ao longo dos últimos anos, causa arrepio em muita gente que não consegue se organizar e acompanhar as contas para mantê-las em dia. A contabilidade de todas as despesas no mês deve ser feita por uma equação simples: o que se ganha menos o que se gasta. Mas porque na prática é tão difícil realizar esse controle?
Segundo os especialistas, a educação financeira não depende do quanto se ganha, mas da forma como se gasta. A principal dica de economistas na hora de controlar os gastos mensais não é apenas colocar os valores no papel e organizar as dívidas em uma planilha para deixar claro o saldo disponível para compras. É ter disciplina e manter um controle rigoroso, passo a passo, de tudo o que sai da conta bancária. Boa parte dos brasileiros encontra dificuldade em fazer esse controle. Dados divulgados no último mês pela Boa Vista Serviços, administradora do Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC) mostram que a inadimplência no país avançou 24,9% entre janeiro e agosto deste ano.
Quem gerencia o bolso é a cabeça
Para não se tornar um integrante da lista de inadimplentes e fugir das estatísticas dos devedores é preciso colocar as finanças em dia. É justamente nisso que a biomédica Mariana Moreto, de 28 anos, acaba se atrapalhando por não conseguir vencer o desejo compulsivo de comprar e comprar até que não reste nem um único real em sua conta. “Mesmo que eu tenha consumido todo o meu salário para pagar dívidas, ao olhar o cartão de crédito, se vejo que ainda tenho saldo, não me contenho e acabo estourando o limite. No próximo mês, claro, não terei todo o dinheiro para pagar, então acabo quitando apenas o valor mínimo do cartão e me afundando nas taxas de juros abusivas cobradas pelas administradoras. É uma bola de neve”, afirma.
Mariana já tentou colocar seus gastos em uma planilha, mas na prática não funcionou. “Tudo bem, você olha o saldo e percebe que não sobrou um tostão. Eu não consigo deixar de comprar o que eu preciso ou até mesmo sair com meu namorado ou amigos. Com isso, os gastos se ampliam. Fiz essa planilha que todo mundo aconselha, mas acabei desistindo depois de alguns dias. Não fui muito disciplinada e vivia esquecendo de fazer a planilha. Resolvi parar”, diz.
Fabricio Pessato, mestre em economia e coordenador do curso de Finanças da Veris Faculdades, afirma que a organização financeira é igual a um regime para perder peso. “Não adianta se controlar apenas um dia. É um exercício constante e que requer, principalmente, disciplina. É chato, precisa ser detalhado, mas é a única forma de ter maturidade financeira e construir uma base sólida para conseguir comprar bens mais caros, por exemplo, um carro ou uma casa e não precisar se preocupar em não ter dinheiro para quitar as contas básicas. Não existe milagre. Quando digo aos meus alunos para preencher a planilha e verificar quais são os ganhos e gastos em um mês, cerca de 80% gastam mais do que recebem”, conta.
O consultor financeiro da empresa de gestão Your Life, Rubens Gurevich, afirma que quem gerencia o bolso é a cabeça. “Antes de comprar alguma coisa, pare na frente da loja e espere cinco minutos. Nesse período reflita a real necessidade de comprar determinado objeto. Se realmente a vontade passar é sinal de que a compra seria feita por impulso e não necessidade”, alerta.
O consultor também aconselha aos mais descontrolados a fazer uma reserva de dinheiro semanalmente, colocar em um envelope e utilizar apenas esse valor. De acordo com Gurevich, esquecer a existência do cartão de crédito e débito auxilia no controle das finanças. “Outra dica é colocar o dinheiro na poupança, em banco que você não tenha muito acesso. Em seguida quebre o cartão de saque. Assim será mais difícil retirar o dinheiro do investimento no primeiro impulso.”
Sonhos e organização
O sonho da empresária Cristiane de Albuquerque Barros, de 32 anos, é comprar sua casa. Para isso, deixou de sair de carro, só para economizar o dinheiro da gasolina e limitou os gastos com lazer, o que para ela, somavam anteriormente R$ 400 mensais. Há pelo menos três semanas cortou as saídas para bares e restaurantes. “Parece pouco, mas se tivesse feito isso antes, hoje teria meu apartamento”, conta. Cristiane não usa planilhas para contabilizar ganhos e despesas. Sua tática é não deixar dinheiro disponível na conta corrente. A empresária adotou as aplicações financeiras como forma de conter seus gastos.
“Eu retiro desta aplicação somente o necessário para pagar as contas. O resto fica guardado e rende. Caso contrário você cai em tentação e, quando percebe, já utilizou os valores. Sou organizada financeiramente porque tenho sonhos”, afirma. Para quem não tem tanta disciplina quanto Cristiane, Pessato afirma que ter duas contas distintas é o ideal: uma para aplicações e outras para movimentações diárias.
Força de vontade e determinação
Desde que foi morar sozinha, a advogada Andrea Pereira, de 43 anos, se acostumou a colocar todos os seus gastos em uma planilha. Nunca entra no vermelho. A advogada é o exemplo perfeito utilizado pelos economistas para identificar um bom gestor do próprio dinheiro. Andreia tem total conhecimento dos valores disponíveis para gastar com lazer, compras e na aquisição de bens. “Controlar os gastos é uma coisa que sempre fez parte da minha vida. Depois que eu casei, essa mania continuou. Meu marido tem um perfil oposto ao meu. Nossos amigos brincam que ele me pede autorização para gastar e que eu só libero R$ 10 por semana”, disse.
A advogada conta que seu planejamento permite que se gaste com consciência. “Por exemplo, se eu vou a um restaurante, sei exatamente qual é a verba disponível para isso. Se vejo um vestido na vitrine, sei qual é o orçamento que posso gastar. Isso tudo garante a minha saúde financeira e evita dores de cabeça ao final do mês”, diz a advogada. Gurevich elogia as planilhas “Elas são ótimas. É o primeiro passo para você começar a se organizar financeiramente. Servem para se ter uma noção do que entra e sai de dinheiro e colocar uma meta da onde se quer chegar”, ressalta.
Segundo o consultor financeiro Rubens Gurevich, o ideal é começar investindo 2% do que se ganha e ampliar aos poucos as reservas até chegar a 20%. Esses pequenos hábitos, de acordo com o especialista, provocam automaticamente uma mudança de comportamento. “A idéia é fazer o dinheiro trabalhar para você e não o contrário. Tudo isso é uma questão de força de vontade, determinação. As pessoas sabem exatamente o que elas têm de fazer. É como perguntar por que não consigo emagrecer ou parar de fumar.”