Atualmente, residindo em Corumbá, tenho feito muitas observações sobre esse município que chega a ser até mesmo maior, em termos de extensão territorial, do que alguns estados brasileiros. Não examinar essa realidade que se abre para alguém que provém do Brasil-Atlântico é mesmo um “crime”, sobretudo, para quem passou parte da juventude buscando “treinar o olhar” para captar as contradições no processo de formação e produção do espaço geográfico.
O que mais chamou-me a atenção quando aterrei em Corumbá – não tenham dúvidas caro/a leitor/a – foi a exuberante paisagem: a extensa planície pontilhada por lagoas, o rio Paraguai e o sítio urbano encravado em meio a essa força da natureza que é o Pantanal. Outra singularidade também despertou o nosso olhar: Corumbá-fronteira com Puerto Quijaro e Puerto Suarez – ambas cidades bolivianas.
Sim, agora estamos falando a partir de um, dos vários pontos do Brasil-Fronteira, que só lá, muito de vez em quando, aparece na pretensa imprensa “nacional”. Trocando em miúdos: aparece quando o assunto refere-se a apreensão de armas e drogas ilegais e aí o Brasil-Fronteira assume o papel de “bode expiatório” para os males e dilemas que assolam o Brasil-Atlântico e o Brasil-Central (e observe caro/a leitor/a que nem vamos comentar sobre o Brasil-Amazônico para não tergiversarmos do nosso foco).
Corumbá, para além de ser a capital do Pantanal, é também uma das faces do Brasil-Fronteira e padece dos males do que vamos denominar de relativa “inércia territorial”. Foi conversando com uma comerciante do município supra citado que busquei sintetizar um conceito que explicasse o que ela disse-me: “Corumbá é a cidade do que ‘já teve’; no presente ‘não tem’, mas que ‘vai ter’ no futuro (assim esperam).
De fato, a história e a geografia não mentem como bem nos oferecem dados dos períodos em que Corumbá era uma localidade pujante. Foi nesta municipalidade que se construiu o primeiro edifício de todo o Mato Grosso (antes mesmo da criação do estado de Mato Grosso do Sul). O casario localizado no Porto Geral também é testemunho de um tempo em que as “estradas líquidas” (lê-se o rio Paraguai e seus afluentes) eram os principais caminhos de articulação desta com outras regiões brasileiras e sul-americanas. A pergunta que não quer se calar e que os/as estudantes da UFMS Campus-Pantanal (os de geografia, sobretudo) fazem sempre que têm oportunidade é: o desenvolvimento re-pousará em Corumbá? A criação da Universidade Federal do Pantanal mudaria a face do município?
Os dilemas são profundos e a relativa “inércia territorial” de Corumbá encobre dinâmicas territoriais que paradoxalmente são “silenciosas” (porque precisam ser para o ‘bem’ dos negócios não lícitos). A condição de ser e estar numa região fronteiriça faz de Corumbá uma porta para, por que não, um Brasil-Pacífico, no sentido de aprofundar a integração com os países vizinhos, tornando possível o acesso do Brasil ao oceano pacífico. Mas, os caminhos que levam “os brasis” para Corumbá são tão rarefeitos que não demoramos a perceber que Corumbá e sua região tende a ser mais polarizada por Santa Cruz de La Sierra (Bolívia) do que por Campo Grande. Separadas por uma distância de aproximadamente 428 km, Corumbá e Campo Grande se conectam por forças tênues, configurando uma situação de quase isolamento geográfico da primeira em relação a segunda, reforçado pela extensa planície pantaneira que apresenta todo um ecossistema próprio e que requer proteção.
Os desafios para o desenvolvimento de Corumbá e sua região, é preciso ressaltar, passam, num primeiro momento, muito mais pela ampliação ao acesso à fronteira (melhoria das vias de circulação, articulação dos diferentes modais de transporte e “compressão” do espaço pelo tempo “aproximando” Corumbá dos outros “brasis”) do que necessariamente pela criação de instituições de ensino superior. É preciso fazer encontrar o tempo lento que toca Corumbá com tempo rápido que emana de regiões mais dinâmicas do Brasil e do mundo. Algumas atividades e atores utilizam-se desse binômio isolamento geográfico-tempo lento e dribla-os habilmente em prol dos próprios interesses, mas Corumbá como um todo não pode ficar prisioneira da sua posição geográfica, para o bem dos que já estão estabelecidos e para a permanência dos que chegam.