Artigos e Opinião

ARTIGO

''A redução da maioridade penal é cláusula pétrea?''

José Carlos de Oliveira Robaldo - Procurador de Justiça aposentado e professor

Redação

23/04/2015 - 00h00
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Como afirmamos em texto anterior sobre a Emenda Constitucional (EC) em debate na Câmara Federal sobre a redução da maioridade penal, uma vez aprovada pelo Congresso Nacional, o que é provável, com certeza ressurgirá outro debate e que será definido pelo STF (órgão guardião do conteúdo constitucional normativo). A questão nesse segundo “round” é para definir se a redução da maioridade penal encontra-se elencada no rol das questões que não admitem mudança por meio de emenda constitucional. Ou seja, se é ou não “cláusula pétrea”.  Como se trata de tema polêmico, é aconselhável que o leitor comece a se preparar para presenciar um novo e longo debate jurídico.

Apenas para facilitar ao leitor não afeito ao linguajar técnico-jurídico, considera-se “cláusula pétrea”, em síntese, os dispositivos previstos na Constituição que não podem ser alterados ou modificados por meio de EC. Ou como diria o ex-ministro Magri, são questões “imexíveis”.

A nossa Lei Maior, em seu art. 60, parágrafo 4º, aponta vários itens que não podem ser alterados por meio de EC pelo constituinte derivado, também conhecido por reformador. Suas mudanças somente podem ser feitas pelo constituinte originário, que não é o caso do nosso atual Congresso Nacional. 

A questão relacionada com a redução da maioridade penal não se encontra explicitamente em nenhum dos itens do aludido parágrafo 4º, do art. 60. Contudo, no inciso IV do referido parágrafo, dispõe que “os direitos e garantias individuais” são intocáveis, ou seja, é “cláusula pétrea” e, como tal, não podem ser alterados por meio de EC. 

O parágrafo 2º, do art. 5º, da CF, estabelece que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Portanto, o cerne da questão é definir, ainda que por via oblíqua ou indireta, se a questão relacionada com o tema da redução da maioridade penal encontra-se ou não no item “direitos e garantias individuais”, a que se refere o inciso IV acima apontado.

Boa parte dos estudiosos do Direito, sobretudo do Direito Constitucional, envereda-se para o entendimento de que a questão está sim, ainda que implicitamente, elencada no item “direitos e garantias individuais”. Logo, não pode ser alterada por EC.

A propósito, entre outros, é o entendimento do constitucionalista português J.J. Gomes Canotilho, quando leciona que “os direitos de natureza análoga são os direitos que, embora não referidos no catálogo dos direitos, liberdades e garantias, beneficiam de um regime jurídico constitucional idêntico aos destes”. 

Aliás, o próprio STF, conquanto ainda não tenha tido a oportunidade de se manifestar sobre a questão da redução da maioridade penal, já se posicionou no sentido de que há cláusulas pétreas fora do rol do parágrafo 4º, do art. 60, da CF. E é o que tem fomentado a afirmação de muitos analistas de que uma vez chamado a analisar a questão, o seu posicionamento seria pela inconstitucionalidade da emenda constitucional.

De outra parte, como contraponto dessa linha de entendimento, entendemos que outros pontos também devem ser colocados como reflexão quanto a essa possibilidade. 

O principal diz respeito à questão referente ao conteúdo material e formal da Constituição. Nessa linha cabe indagar se o tema maioridade penal está na Constituição brasileira por uma questão meramente formal, ou porque efetivamente é de conteúdo material. Antes, porém, vale lembrar que este tema, anterior à Constituição de 1988, só aparecia na legislação ordinária, isto é, no Código Penal. Com efeito, não era considerado de conteúdo material. O que autoriza a afirmação de muitos de que sua elevação para a categoria constitucional foi uma mera opção de política-criminal do constituinte, justamente para evitar sua alteração, salvo por meio de EC.

Enfim, podemos nos preparar para assistir a um enorme embate. Vale lembrar que, para a Comissão de Constituição e Justiça, a Emenda proposta é constitucional. Mas quem dará a última palavra será o STF.

Vamos aguardar!

EDITORIAL

É preciso passar um pente-fino na Cosip

O que a sociedade exige e com razão é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte

20/12/2025 07h15

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A deflagração da Operação Apagar das Luzes, nesta sexta-feira, pelo Grupo Especializado de Combate à Corrupção (Gecoc) do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), é mais um daqueles episódios que deixam claro que a iluminação pública de Campo Grande guarda muito mais sombras do que se imaginava.

E, ao que tudo indica, ainda há muito a ser revelado sobre contratos, cifras e responsabilidades envolvendo um serviço essencial para a cidade.

Campo Grande figura entre os municípios que mais arrecadam no Brasil com a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip). Trata-se de uma arrecadação robusta, bilionária ao longo dos anos, paga mensalmente pelo cidadão na conta de energia elétrica.

Ainda assim, a realidade vista nas ruas é contraditória: bairros inteiros convivem com postes apagados, avenidas mal iluminadas e áreas que se tornam vulneráveis à criminalidade justamente pela ausência de luz.

A investigação que apura fraudes estimadas em R$ 62 milhões lança uma pergunta inevitável: como é possível faltar iluminação em um município que arrecada tanto?

Reportagem publicada pelo Correio do Estado no ano passado mostrou que a Cosip de Campo Grande superava, à época, a arrecadação de Curitiba – cidade com mais que o dobro da população. Mesmo assim, a capital sul-mato-grossense convive com um serviço precário e reclamações recorrentes da população.

O mais preocupante é que essas suspeitas de irregularidades surgem em meio a um discurso constante de crise financeira propagado pela administração municipal.

Se confirmadas, as fraudes não estariam ocorrendo em um cenário de escassez, mas sim em um verdadeiro manancial de recursos. Isso agrava ainda mais o quadro, pois revela que o problema pode não ser falta de dinheiro, mas falhas graves de gestão, fiscalização e zelo com o dinheiro público.

É legítimo esperar explicações detalhadas sobre os contratos firmados, os critérios de pagamento e a execução dos serviços. Mas isso, por si só, não basta. O que a sociedade exige – e com razão – é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte, que deveria retornar em forma de ruas iluminadas, mais segurança e melhor qualidade de vida.

Nesse contexto, o trabalho do Gecoc merece reconhecimento. Mais uma vez, o MPMS cumpre seu papel institucional de investigar, cobrar respostas e iluminar áreas em que a administração pública falhou.

Combater a corrupção não é apenas punir culpados, mas também criar condições para que os serviços públicos funcionem melhor e com mais eficiência.

Iluminação pública não é luxo. É segurança, mobilidade e dignidade urbana. Se há dinheiro sobrando e luz faltando, algo está profundamente errado – e precisa ser corrigido com urgência, transparência e responsabilidade.

ARTIGOS

Redes sociais: o "estacionamento" da reputação corporativa

Qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial

19/12/2025 07h45

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No ambiente corporativo contemporâneo, a fronteira entre opinião pessoal e responsabilidade profissional se tornou quase invisível. Com a hiperconectividade, qualquer manifestação nas redes sociais tem potencial para alcançar ampla visibilidade. Um único comentário ofensivo de um funcionário é capaz de comprometer a confiança interna, afetar a reputação da marca e desencadear litígios.

Quando as manifestações de funcionários ultrapassam o limite da crítica construtiva e se convertem em acusações ou declarações com potencial de impactar negativamente a imagem e a credibilidade da organização, abre-se espaço a um debate essencial: qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial?

A repercussão, em casos como esse, costuma ser imediata. Colegas, clientes, fornecedores e demais parceiros têm acesso ao conteúdo, potencializando seus efeitos e ampliando o risco reputacional.

Qualquer que seja o caminho de resposta, a análise jurídica deve ser cuidadosa. A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 482, alíneas j e k) prevê a possibilidade de dispensa por justa causa quando o empregado pratica ato lesivo à honra ou à boa fama de qualquer pessoa “no serviço”, especialmente quando dirigido ao empregador ou superiores hierárquicos.

A jurisprudência tem entendido que publicações em redes sociais podem produzir efeitos equivalentes aos de condutas praticadas no ambiente físico de trabalho, legitimando a aplicação da penalidade.

A Constituição Federal (art. 5º, incisos IV, V e X) assegura a liberdade de expressão, mas estabelece limites claros quando essa manifestação viola direitos relacionados à honra, à imagem e à dignidade. Já o Marco Civil da Internet reforça mecanismos de responsabilização de plataformas mediante notificação, permitindo respostas mais ágeis a conteúdos ilícitos.

Com a evolução da sociedade, a linha que separa opinião de ofensa se tornou cada vez mais tênue. A liberdade de expressão é garantida, mas não é absoluta: quando a crítica se transforma em injúria ou difamação, há quebra de confiança, podendo configurar justa causa, inclusive quando a conduta ocorre fora do expediente.

O desafio, agora, reside na interpretação. A definição do que constitui “crítica legítima” ou “falta grave” ainda é variável entre diferentes julgadores, o que aumenta o risco de reversão de penalidades, pedidos de indenização e danos à reputação corporativa.

Em um ambiente empresarial cada vez mais exposto ao escrutínio público, sobretudo nas redes sociais, torna-se imprescindível que as organizações adotem políticas claras, protocolos seguros de apuração e documentação robusta para fundamentar suas decisões e que as decisões e a gestão de tópicos sensíveis considerem estratégia, cautela e respaldo técnico.

Condutas inadequadas de colaboradores podem gerar impactos relevantes, mas a resposta empresarial deve estar alinhada à legislação e às melhores práticas de governança.

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