O Hospital Adventista do Pênfigo já tem mais de sete décadas, e a pomada à base de piche que “cura” o fogo selvagem é mais antiga ainda, mas somente agora, há cerca de cinco anos, descobriu-se finalmente o que desencadeia a doença.
De acordo com o médico Günter Hans Filho, depois de décadas de pesquisas frustradas dos mais renomados institutos brasileiros e de laboratórios europeus e norte-americanos, agora se chegou à conclusão de que o mosquito-palha é o responsável por desencadear o fogo selvagem em pessoas que têm alguma predisposição.
O mosquito é o mesmo que transmite a leishmaniose e passou a ser estudado há pouco mais de uma década, depois que surgiu um foco da doença entre indígenas da Aldeia Limão Verde, em Aquidauana.
Antes disso, durante cerca de duas décadas, foram feitas incontáveis pesquisas com o mosquito conhecido como borrachudo e alguns outros.
Como a doença aparece principalmente em áreas rurais, em meio aos desmatamentos, o barbeiro também consumiu anos de estudos dos pesquisadores. O barbeiro é o inseto responsável pelo mal de Chagas, doença que, entre outros problemas, faz crescer o tamanho do coração e, em muitos casos, leva à morte.
Assim como ocorre desde o surgimento do Hospital do Pênfigo, Campo Grande mais uma vez esteve à frente dos estudos que levaram à descoberta do “causador” do fogo selvagem.
Depois de tomar conhecimento do surgimento de seguidos casos na aldeia, o médico Günter Hans Filho foi um dos que mobilizou pesquisadores brasileiros e norte-americanos que passaram a estudar o inseto.
Segundo o médico, além de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), cientistas de alguns dos mais modernos laboratórios dos Estados Unidos participaram das pesquisas, e sem a tecnologia deles não teria sido possível chegar ao responsável.
Conforme Günter Hans, fogo selvagem é uma doença autoimune e não tem cura definitiva. Por isso, parte dos pacientes reaparece incontáveis vezes. E, a importância da descoberta de que é um mosquito que desencadeia as bolhas é que, a partir de agora, os cientistas acreditam que podem chegar a entender o mecanismo de funcionamento de outras doenças autoimunes, como lupus e artrite reumatoide, por exemplo.
Ao descobrirem que gatilhos ambientais provocam determinados problemas de saúde, os cientistas talvez consigam desenvolver medicamentos mais eficazes e menos agressivos para tratar essas enfermidades.
*Saiba
Durante aproximadamente duas décadas, cientistas brasileiros, norte-americanos e europeus fizeram pesquisas sobre o mosquito borrachudo, acreditando que fosse ele o responsável por desencadear o fogo selvagem.
O tratamento do próprio fogo selvagem ainda precisa evoluir muito. A pomada original, criada por Isidoro Jamar no início dos anos 1940, foi substituída depois que pesquisadores da USP descobriram que ela provocava uma série de efeitos colaterais, embora em pelo menos 65% dos pacientes fosse capaz de estancar ou controlar as queimaduras da pele. Antes dela, 90% das pessoas morriam em decorrência das lesões e infecções.
Depois de algumas décadas, os corticoides substituíram o piche. Mesmo assim, os efeitos colaterais do tratamento continuaram.
Em decorrência dos corticoides, uma grande parcela dos pacientes passou a apresentar problemas como diabetes, pressão alta, úlceras, osteoporose e problemas de visão, como catarata, entre outros.
Agora, mais recentemente, os corticoides começaram a ser deixados um pouco de lado e passou-se a utilizar imunobiológicos. Mesmo assim, revela Günter Hans Filho, ainda há muito o que evoluir, e a confirmação de que existe gatilho ambiental envolvido pode ser fundamental para essa evolução no tratamento.
De acordo com ele, que hoje é voluntário do Hospital do Pênfigo, mas ainda atende uma média de 15 pacientes com fogo selvagem por ano no Hospital Universitário, existem três fatores que levam a pessoa a desenvolver a doença.
Em primeiro lugar estão as predisposições genéticas, em segundo vêm os fatores ambientais e por último, a resposta imunológica. Conforme ele, o caso da Covid-19 foi bem parecido.
“Teve o vírus [fator ambiental]. Em algumas famílias ele foi devastador, e em outras, praticamente não fez mal nenhum [fator genético]. Além disso, algumas pessoas pegaram e reagiram bem, enquanto outras não suportaram [resposta imunológica]”.
Hoje, admite Günter Hans Filho, de pênfigo o hospital dos adventistas só mantém o nome, pois tornou-se um hospital “comum”, assim como existe uma infinidade de hospitais adventistas ao redor do mundo.
Já que a incidência da doença é menor, o Hospital Universitário passou a ser referência no tratamento de doenças dermatológicas em Campo Grande.
E o “velho hospital” ganhou até uma filial, no centro de Campo Grande. Por causa da tradição e da força do nome, também leva pênfigo em sua fachada, embora nem o antigo hospital tenha mais uma ala específica para os pacientes dermatológicos.
A única coisa que resta para tratar os pacientes penfigosos, aqueles que um dia liberalmente se amontoaram na região que hoje é conhecida como Bairro Jardim Pênfigo, é uma pequena sala que nem os próprios funcionários do hospital sabem exatamente onde fica.
Günter pai
Em 1960, Günter Hans Filho tinha cinco anos quando veio com a família para Campo Grande. O pai, que dá o nome à avenida que passa em frente ao Hospital Adventista do Pênfigo, nasceu na Alemanha em 1924 e dedicou três décadas à estruturação do hospital, que ganhara fama no mundo inteiro por ser referência no tratamento do pênfigo. E depois da chegada dele, essa fama só aumentou.
Embora tivesse vindo ao Brasil aos 12 anos, o médico Günter Hans conseguiu muita ajuda do governo e de ONGs alemãs para estruturar e ampliar o hospital, que, quase 15 anos depois de ser criado pelo pastor Alfredo Barbosa, ainda estava muito longe de ser aquilo que se conhece hoje.
Embora fosse adventista “de carteirinha”, foi um frei católico que, conhecedor do esforço de Hans para estruturar o hospital, costurou o apoio dos alemães para mandarem dinheiro para transformar algo que ainda era “amador” em um verdadeiro hospital.
E, segundo Günter Filho, que se formou em Medicina pela UFMS em 1978, o pai literalmente deu a vida pelo hospital, embora tenha sido afastado do comando pouco mais de uma década depois de ter transformado o local.
Com doença cardíaca grave, tanto que foi um dos primeiros “cobaias” do doutor Euryclides de Jesus Zerbini (um dos mais famosos cirurgiões cardíacos da história brasileira), viveu 18 anos com válvulas cardíacas e mesmo assim não parava de trabalhar.
Depois de perder espaço no Hospital do Pênfigo, passou a atender no Hospital São Julião, na outra extremidade da Capital, onde eram tratadas basicamente pessoas com hanseníase, a temida lepra.
E, ao contrário do pastor Alfredo Barbosa, o doutor Günter Hans recebeu uma infinidade de reconhecimentos públicos em vida e depois de morto, conforme o livro “Günter Hans, Um Verdadeiro Médico Missionário”, escrito pela esposa dele, Lygia Hans, e publicado em 2014.