O conceito de anarquia, segundo os dicionários, é o da negação da autoridade. Trata-se de um sistema político em que o povo se autorregula, dispensando a necessidade de governo. Para alguns, é uma utopia; para outros, um cenário distópico e caótico.
De todo modo, os ideais anárquicos têm em comum a ruptura com o status quo, a contestação das instituições e das regras que sustentam a vida em sociedade.
Curiosamente, ideias que flertam com essa lógica têm sido cada vez mais vistas em discursos liberais radicais, que defendem a desregulamentação quase absoluta e a plena autorregulamentação dos agentes econômicos. O problema é que, embora seja legítima a busca por maior eficiência e menos burocracia, há setores em que a ausência do Estado se converte em ameaça direta à coletividade.
Exemplos não faltam. O caso recente da contaminação de bebidas alcoólicas por metanol, a proliferação de falsificações em destilados e cervejas, ou ainda, o avanço do contrabando de cigarros e a adulteração de combustíveis, é consequência direta da falta de fiscalização e da fragilidade do poder regulatório.
Quando o Estado se omite, abre-se espaço para que a ganância de alguns ponha em risco a saúde e até a vida de milhões.
É preciso ser claro: o Estado não pode atrapalhar quem empreende dentro da lei. O excesso de burocracia sufoca a inovação e encarece a produção. Mas também não se pode confundir liberdade econômica com permissividade.
O poder público tem o dever de fiscalizar com abrangência, punir com rigor e agir preventivamente para garantir que as regras sejam cumpridas. Regulamentar não é impedir a atividade, mas assegurar que ela seja exercida de forma segura, justa e equilibrada.
O conflito se manifesta em setores sensíveis como alimentos, bebidas, combustíveis e tantos outros. Nestes, a autorregulação jamais será suficiente.
A história mostra que, sem regras claras e fiscalização eficiente, a tentação de reduzir custos a qualquer preço acaba corroendo a concorrência leal e ameaçando a saúde coletiva. O rigor, portanto, precisa existir – não apenas o punitivo, aplicado quando o mal já está feito, mas sobretudo o preventivo, que evita que ele ocorra.
A desregulamentação excessiva pode ser tão nociva quanto a burocracia sufocante. Encontrar o equilíbrio é o desafio. Nem a utopia da anarquia, nem o peso de um Estado ineficaz ou omisso.
O que se espera é seriedade na regulação, eficiência na fiscalização e justiça na punição. Só assim pode se garantir a liberdade de empreender sem abrir mão da proteção da sociedade.


