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Opinião

A primarização da pauta de exportações brasileira: impactos da Lei Kandir e da parceria com a China

Mateus Boldrine Abrita - Professor de Economia da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul)
Allan Silveira dos Santos - doutorando em economia na UNB

Redação

29/09/2014 - 00h00
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Incentivar as exportações é fundamental no contexto econômico globalizado, pois traz divisas internacionais para o país, principalmente dólares, e torna nossa balança comercial favorável. Entretanto, é preciso ter cautela com essas medidas, pois podem gerar externalidades negativas. Muitas vezes, essas políticas podem incentivar a exportação do bem in natura, desincentivando o aumento do valor agregado dos produtos e ajudando na desindustrialização do país. Esse fenômeno pode ser observado após a promulgação da lei Kandir e da intensificação da parceria do Brasil com a China.

Considerando que a agregação de valor de produtos básicos permite a geração de maior número de empregos e renda, impulsiona investimentos em pesquisa e desenvolvimento e propicia um incremento de valor aos produtos que são exportados, torna-se importantíssimo ir, ao longo do tempo, substituindo a exportação de produtos básicos por produtos mais elaborados, com valor agregado mais elevado. No Brasil, vem ocorrendo justamente o oposto.

A Lei Kandir entrou em vigor em 3 de setembro de 1996, desonerou as exportações de produtos básicos e semielaborados de ICMS, estimulando a exportação de soja em grão em detrimento dos subprodutos como farelo e óleo (que possuem maior valor adicionado). De acordo com dados da FAO (2014), após 1996 houve um aumento da exportação de soja em grãos em detrimento da exportação de óleo e farelo. Os dados mostram que, enquanto a participação do Brasil no comércio mundial de soja em grãos no período anterior à lei gravitava em torno de 11%, foi para 26% do mercado mundial após a lei. Caso este destoante do comércio de farelo, por exemplo, que no primeiro período a participação foi de 31% reduzindo para 25% no segundo, posterior à promulgação.

Os dados dão indícios de que essa queda da participação brasileira do mercado de farelo de soja está tanto associada à promulgação da Lei Kandir em 1996, quanto em decorrência da parceria comercial com a China, que pratica escalada tarifária (a utilização de tarifas de importação crescentes conforme o grau de processamento de um produto) e que tem clara preferência em importar produtos de menor valor agregado, no caso soja em grãos para posterior beneficiamento.

A razão para a construção desse debate é que os dados revelam que, muito embora ainda haja certa diversificação da pauta exportadora, num futuro não distante, o aprofundamento de desequilíbrios tributários pode fazer com que o país se torne um mero exportador de soja em grãos em detrimento de produtos mais elaborados e com um valor agregado mais alto. Ainda é importante destacar a relação de dependência que o Brasil vem criando. Para se ter uma ideia, ainda de acordo com dados da FAO, em 2011, 70% da soja brasileira foi exportada à China.

É preciso que haja investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos da soja e não apenas pesquisas que visem ao aumento da produtividade no campo. Com isso, poderia haver maior agregação de valor, construção e ampliação de importantes efeitos de ligação com a economia local, e também diminuição da dependência do setor externo, em especial, da dependência da China como principal compradora.

EDITORIAL

É preciso passar um pente-fino na Cosip

O que a sociedade exige e com razão é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte

20/12/2025 07h15

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A deflagração da Operação Apagar das Luzes, nesta sexta-feira, pelo Grupo Especializado de Combate à Corrupção (Gecoc) do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), é mais um daqueles episódios que deixam claro que a iluminação pública de Campo Grande guarda muito mais sombras do que se imaginava.

E, ao que tudo indica, ainda há muito a ser revelado sobre contratos, cifras e responsabilidades envolvendo um serviço essencial para a cidade.

Campo Grande figura entre os municípios que mais arrecadam no Brasil com a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip). Trata-se de uma arrecadação robusta, bilionária ao longo dos anos, paga mensalmente pelo cidadão na conta de energia elétrica.

Ainda assim, a realidade vista nas ruas é contraditória: bairros inteiros convivem com postes apagados, avenidas mal iluminadas e áreas que se tornam vulneráveis à criminalidade justamente pela ausência de luz.

A investigação que apura fraudes estimadas em R$ 62 milhões lança uma pergunta inevitável: como é possível faltar iluminação em um município que arrecada tanto?

Reportagem publicada pelo Correio do Estado no ano passado mostrou que a Cosip de Campo Grande superava, à época, a arrecadação de Curitiba – cidade com mais que o dobro da população. Mesmo assim, a capital sul-mato-grossense convive com um serviço precário e reclamações recorrentes da população.

O mais preocupante é que essas suspeitas de irregularidades surgem em meio a um discurso constante de crise financeira propagado pela administração municipal.

Se confirmadas, as fraudes não estariam ocorrendo em um cenário de escassez, mas sim em um verdadeiro manancial de recursos. Isso agrava ainda mais o quadro, pois revela que o problema pode não ser falta de dinheiro, mas falhas graves de gestão, fiscalização e zelo com o dinheiro público.

É legítimo esperar explicações detalhadas sobre os contratos firmados, os critérios de pagamento e a execução dos serviços. Mas isso, por si só, não basta. O que a sociedade exige – e com razão – é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte, que deveria retornar em forma de ruas iluminadas, mais segurança e melhor qualidade de vida.

Nesse contexto, o trabalho do Gecoc merece reconhecimento. Mais uma vez, o MPMS cumpre seu papel institucional de investigar, cobrar respostas e iluminar áreas em que a administração pública falhou.

Combater a corrupção não é apenas punir culpados, mas também criar condições para que os serviços públicos funcionem melhor e com mais eficiência.

Iluminação pública não é luxo. É segurança, mobilidade e dignidade urbana. Se há dinheiro sobrando e luz faltando, algo está profundamente errado – e precisa ser corrigido com urgência, transparência e responsabilidade.

ARTIGOS

Redes sociais: o "estacionamento" da reputação corporativa

Qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial

19/12/2025 07h45

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No ambiente corporativo contemporâneo, a fronteira entre opinião pessoal e responsabilidade profissional se tornou quase invisível. Com a hiperconectividade, qualquer manifestação nas redes sociais tem potencial para alcançar ampla visibilidade. Um único comentário ofensivo de um funcionário é capaz de comprometer a confiança interna, afetar a reputação da marca e desencadear litígios.

Quando as manifestações de funcionários ultrapassam o limite da crítica construtiva e se convertem em acusações ou declarações com potencial de impactar negativamente a imagem e a credibilidade da organização, abre-se espaço a um debate essencial: qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial?

A repercussão, em casos como esse, costuma ser imediata. Colegas, clientes, fornecedores e demais parceiros têm acesso ao conteúdo, potencializando seus efeitos e ampliando o risco reputacional.

Qualquer que seja o caminho de resposta, a análise jurídica deve ser cuidadosa. A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 482, alíneas j e k) prevê a possibilidade de dispensa por justa causa quando o empregado pratica ato lesivo à honra ou à boa fama de qualquer pessoa “no serviço”, especialmente quando dirigido ao empregador ou superiores hierárquicos.

A jurisprudência tem entendido que publicações em redes sociais podem produzir efeitos equivalentes aos de condutas praticadas no ambiente físico de trabalho, legitimando a aplicação da penalidade.

A Constituição Federal (art. 5º, incisos IV, V e X) assegura a liberdade de expressão, mas estabelece limites claros quando essa manifestação viola direitos relacionados à honra, à imagem e à dignidade. Já o Marco Civil da Internet reforça mecanismos de responsabilização de plataformas mediante notificação, permitindo respostas mais ágeis a conteúdos ilícitos.

Com a evolução da sociedade, a linha que separa opinião de ofensa se tornou cada vez mais tênue. A liberdade de expressão é garantida, mas não é absoluta: quando a crítica se transforma em injúria ou difamação, há quebra de confiança, podendo configurar justa causa, inclusive quando a conduta ocorre fora do expediente.

O desafio, agora, reside na interpretação. A definição do que constitui “crítica legítima” ou “falta grave” ainda é variável entre diferentes julgadores, o que aumenta o risco de reversão de penalidades, pedidos de indenização e danos à reputação corporativa.

Em um ambiente empresarial cada vez mais exposto ao escrutínio público, sobretudo nas redes sociais, torna-se imprescindível que as organizações adotem políticas claras, protocolos seguros de apuração e documentação robusta para fundamentar suas decisões e que as decisões e a gestão de tópicos sensíveis considerem estratégia, cautela e respaldo técnico.

Condutas inadequadas de colaboradores podem gerar impactos relevantes, mas a resposta empresarial deve estar alinhada à legislação e às melhores práticas de governança.

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