Como afirmamos em texto anterior sobre a Emenda Constitucional (EC) em debate na Câmara Federal sobre a redução da maioridade penal, uma vez aprovada pelo Congresso Nacional, o que é provável, com certeza ressurgirá outro debate e que será definido pelo STF (órgão guardião do conteúdo constitucional normativo). A questão nesse segundo “round” é para definir se a redução da maioridade penal encontra-se elencada no rol das questões que não admitem mudança por meio de emenda constitucional. Ou seja, se é ou não “cláusula pétrea”. Como se trata de tema polêmico, é aconselhável que o leitor comece a se preparar para presenciar um novo e longo debate jurídico.
Apenas para facilitar ao leitor não afeito ao linguajar técnico-jurídico, considera-se “cláusula pétrea”, em síntese, os dispositivos previstos na Constituição que não podem ser alterados ou modificados por meio de EC. Ou como diria o ex-ministro Magri, são questões “imexíveis”.
A nossa Lei Maior, em seu art. 60, parágrafo 4º, aponta vários itens que não podem ser alterados por meio de EC pelo constituinte derivado, também conhecido por reformador. Suas mudanças somente podem ser feitas pelo constituinte originário, que não é o caso do nosso atual Congresso Nacional.
A questão relacionada com a redução da maioridade penal não se encontra explicitamente em nenhum dos itens do aludido parágrafo 4º, do art. 60. Contudo, no inciso IV do referido parágrafo, dispõe que “os direitos e garantias individuais” são intocáveis, ou seja, é “cláusula pétrea” e, como tal, não podem ser alterados por meio de EC.
O parágrafo 2º, do art. 5º, da CF, estabelece que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Portanto, o cerne da questão é definir, ainda que por via oblíqua ou indireta, se a questão relacionada com o tema da redução da maioridade penal encontra-se ou não no item “direitos e garantias individuais”, a que se refere o inciso IV acima apontado.
Boa parte dos estudiosos do Direito, sobretudo do Direito Constitucional, envereda-se para o entendimento de que a questão está sim, ainda que implicitamente, elencada no item “direitos e garantias individuais”. Logo, não pode ser alterada por EC.
A propósito, entre outros, é o entendimento do constitucionalista português J.J. Gomes Canotilho, quando leciona que “os direitos de natureza análoga são os direitos que, embora não referidos no catálogo dos direitos, liberdades e garantias, beneficiam de um regime jurídico constitucional idêntico aos destes”.
Aliás, o próprio STF, conquanto ainda não tenha tido a oportunidade de se manifestar sobre a questão da redução da maioridade penal, já se posicionou no sentido de que há cláusulas pétreas fora do rol do parágrafo 4º, do art. 60, da CF. E é o que tem fomentado a afirmação de muitos analistas de que uma vez chamado a analisar a questão, o seu posicionamento seria pela inconstitucionalidade da emenda constitucional.
De outra parte, como contraponto dessa linha de entendimento, entendemos que outros pontos também devem ser colocados como reflexão quanto a essa possibilidade.
O principal diz respeito à questão referente ao conteúdo material e formal da Constituição. Nessa linha cabe indagar se o tema maioridade penal está na Constituição brasileira por uma questão meramente formal, ou porque efetivamente é de conteúdo material. Antes, porém, vale lembrar que este tema, anterior à Constituição de 1988, só aparecia na legislação ordinária, isto é, no Código Penal. Com efeito, não era considerado de conteúdo material. O que autoriza a afirmação de muitos de que sua elevação para a categoria constitucional foi uma mera opção de política-criminal do constituinte, justamente para evitar sua alteração, salvo por meio de EC.
Enfim, podemos nos preparar para assistir a um enorme embate. Vale lembrar que, para a Comissão de Constituição e Justiça, a Emenda proposta é constitucional. Mas quem dará a última palavra será o STF.
Vamos aguardar!


