Minha bisavó se chamava Luciana e era benzedeira. Sua filha mais nova contava que ela a ensinou a enfrentar os temporais, afirmando que o perigo está na luz dos raios, “que já passou”, e o trovão era apenas um barulho.
Tinha olhos azuis bem claros, que não conheci porque ela morreu pouco depois que nasci e não restou nenhum retrato. Deixou ensinamentos que foram se passando de geração em geração.
Quando caía chuva forte, minha mãe corria por toda casa com pedaços de pano para tapar os espelhos, que afirmava atrair os relâmpagos. “Sua bisavó me ensinou”, contava séria, sem deixar rastros de dúvidas. Talvez, por isso, não gosto de espelhos; e só não torcia para a chuva continuar, mantendo os espelhos tapados, porque tinha medo de chuva. Acho que ainda tenho, só não demonstro. Logo que terminava de jogar os lençóis nos espelhos, dona Dalva fechava o guarda-roupa, o qual tinha um espelho na porta, e dele retirava chinelos, que nos obrigava usar, porque sabia que tapar os espelhos era um dever de respeito aos costumes, enquanto os pés nos chão eram uma ameaçadora realidade, que, de fato, atrai os relâmpagos.
Hoje, quando chove, sinto a estranha vontade de cobrir os espelhos de casa. Resisto, porque sei que muitos consideram bobagem, da mesma forma que sei que muitos estranham que não deixo calçados virados, porque minha avó, ao se dar com calçados emborcados, tratava de desvirá-los, senão, alguém haveria de morrer.
Lolinha levava aquilo tão a sério, que se culpava porque não percebeu o chinelo da mãe revirado no quintal, poucos dias antes dela morrer. E, pra esconder a tristeza, escrevia cartas de letras cursivas, que pareciam dançar, representando a dor da saudade. Ah, quanta falta eu sinto da minha avó, que era a filha mais nova de Luciana e carregava seus ensinamentos de benzedeira, embora não os usasse porque se considerava incapaz.
Tendo-a ao meu lado, eu perdia o medo dos temporais e enfrentava os espelhos. Será que morreram todas as benzedeiras? Antigamente, elas viviam espalhadas em casas de quintais floridos e nada cobravam, porque tinham noção daquele exercício de divino dom, que, de tão bom, não tem preço. Ventres virado e quebrante eram males que somente as benzedeiras sabiam curar. Certa feita me surgiu uma ferida no braço, “mijada de aranha” – disseram –, que nenhum merthiolate ou algo do gênero foi capaz de curar, mas que sumiu, de um dia para outro, levada pelos murmúrios em forma de oração de uma senhora dos cabelos bem brancos e ligeiramente desgrenhados, que, enquanto tentava controlar a tremura, passava no meu braço uma folha de alecrim, a qual exalava um cheiro bom.
O mundo anda precisando de benzedeiras. Talvez elas ainda existam e estejam se escondendo da intolerância em cantos de quintais floridos, curando, caladas, as feridas que o homem não consegue lidar, tapando os espelhos em dia de chuva, desvirando os calçados e espalhando pelo ar o doce cheiro de alecrim.
*Escritor, publicitário e ator ([email protected])


