Artigos e Opinião

CENAS

André Luiz Alvez: "Benzedeiras, espelhos e temporais"

André Luiz Alvez: "Benzedeiras, espelhos e temporais"

Redação

19/11/2015 - 00h00
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Minha bisavó se chamava Luciana e era benzedeira. Sua filha mais nova contava que ela a ensinou a enfrentar os temporais, afirmando que o perigo está na luz dos raios, “que já passou”, e o trovão era apenas um barulho.

Tinha olhos azuis bem claros, que não conheci porque ela morreu pouco depois que nasci e não restou nenhum retrato. Deixou ensinamentos que foram se passando de geração em geração.

Quando caía chuva forte, minha mãe corria por toda casa com pedaços de pano para tapar os espelhos, que afirmava atrair os relâmpagos. “Sua bisavó me ensinou”, contava séria, sem deixar rastros de dúvidas. Talvez, por isso, não gosto de espelhos; e só não torcia para a chuva continuar, mantendo os espelhos tapados, porque tinha medo de chuva. Acho que ainda tenho, só não demonstro. Logo que terminava de jogar os lençóis nos espelhos, dona Dalva fechava o guarda-roupa, o qual tinha um espelho na porta, e dele retirava chinelos, que nos obrigava usar, porque sabia que tapar os espelhos era um dever de respeito aos costumes, enquanto os pés nos chão eram uma ameaçadora realidade, que, de fato, atrai os relâmpagos. 

Hoje, quando chove, sinto a estranha vontade de cobrir os espelhos de casa. Resisto, porque sei que muitos consideram bobagem, da mesma forma que sei que muitos estranham que não deixo calçados virados, porque minha avó, ao se dar com calçados emborcados, tratava de desvirá-los, senão, alguém haveria de morrer.

Lolinha levava aquilo tão a sério, que se culpava porque não percebeu o chinelo da mãe revirado no quintal, poucos dias antes dela morrer. E, pra esconder a tristeza, escrevia cartas de letras cursivas, que pareciam dançar, representando a dor da saudade. Ah, quanta falta eu sinto da minha avó, que era a filha mais nova de Luciana e carregava seus ensinamentos de benzedeira, embora não os usasse porque se considerava incapaz. 

Tendo-a ao meu lado, eu perdia o medo dos temporais e enfrentava os espelhos. Será que morreram todas as benzedeiras? Antigamente, elas viviam espalhadas em casas de quintais floridos e nada cobravam, porque tinham noção daquele exercício de divino dom, que, de tão bom, não tem preço. Ventres virado e quebrante eram males que somente as benzedeiras sabiam curar. Certa feita me surgiu uma ferida no braço, “mijada de aranha” – disseram –, que nenhum merthiolate ou algo do gênero foi capaz de curar, mas que sumiu, de um dia para outro, levada pelos murmúrios em forma de oração de uma senhora dos cabelos bem brancos e ligeiramente desgrenhados, que, enquanto tentava controlar a tremura, passava no meu braço uma folha de alecrim, a qual exalava um cheiro bom.

O mundo anda precisando de benzedeiras. Talvez elas ainda existam e estejam se escondendo da intolerância em cantos de quintais floridos, curando, caladas, as feridas que o homem não consegue lidar, tapando os espelhos em dia de chuva, desvirando os calçados e espalhando pelo ar o doce cheiro de alecrim.

*Escritor, publicitário e ator ([email protected])

EDITORIAL

Crises de fim de ano expõem falha na gestão

A raiz comum dessas crises é conhecida, embora frequentemente ignorada: mau planejamento, gestão ineficiente e falta de zelo por parte de quem executa

19/12/2025 07h15

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A virada para 2026 entra para a história recente de Campo Grande como uma das mais conturbadas dos últimos anos. Talvez desde meados da década passada não se via uma sucessão tão clara de crises financeiras e falhas na engrenagem dos serviços públicos locais justamente no momento em que a cidade deveria buscar estabilidade para atravessar o novo ano.

O problema não é pontual tampouco isolado: ele se repete em áreas essenciais e expõe fragilidades estruturais que vêm sendo empurradas com a barriga.

A greve do transporte coletivo, encerrada apenas no início da noite de ontem, é um retrato fiel desse cenário. Durante quatro dias, a população ficou refém de um sistema que parou porque o Consórcio Guaicurus não tinha recursos para pagar salários.

A solução não veio de uma gestão eficiente ou de um planejamento responsável, mas de um socorro emergencial do governo do Estado, que antecipou mais de R$ 3 milhões referentes a uma das parcelas do subsídio ao passe do estudante. Ou seja, o serviço só voltou a funcionar quando o dinheiro público entrou para tapar mais um buraco.

Situação semelhante se repete na Saúde. A Santa Casa, há anos em crise, agora está sob determinação judicial para apresentar um plano capaz de enfrentar um deficit que parece não ter fim. No transporte coletivo, a Justiça foi além e determinou uma intervenção no consórcio responsável pelo serviço.

Quando decisões judiciais passam a ditar os rumos da gestão, fica evidente que algo falhou muito antes, seja na formulação dos contratos, seja na fiscalização ou na condução cotidiana desses serviços.

A raiz comum dessas crises é conhecida, embora frequentemente ignorada: mau planejamento, gestão ineficiente e falta de zelo por parte de quem executa e, principalmente, de quem deveria fiscalizar contratos milionários. Não se trata apenas de escassez de recursos.

Trata-se de como esses recursos são utilizados, de modelos que se mostram esgotados e de contratos que não resistem ao primeiro choque mais sério.

O mais preocupante é que, mesmo após a injeção de milhões de reais do poder público na Santa Casa e no Consórcio Guaicurus, o dinheiro continua insuficiente. Isso deixa claro que o problema é estrutural.

As verbas estão, de fato, mais apertadas neste ano, mas a crise não nasceu agora. Ela é fruto de anos de escolhas erradas, de ausência de transparência e de tolerância com resultados ruins.

A virada de ano conturbada serve, portanto, como um alerta. Não basta apagar incêndios com aportes emergenciais, é preciso rever modelos, refazer contas, cobrar responsabilidades e, sobretudo, planejar com seriedade.

Caso contrário, Campo Grande corre o risco de transformar crises excepcionais em rotina permanente, e isso, definitivamente, a cidade não pode mais aceitar.

ARTIGOS

O combalido Congresso Nacional

A prática do corporativismo, dos conchavos, da legislação em causa própria, com um "orçamento secreto" que nada mais é do que um passaporte para a impunidade, aprovado na calada da noite

18/12/2025 07h45

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Para falar sobre o tema, não poderia deixar de citar uma frase célebre do ilustre brasileiro Ruy Barbosa, que foi político, jurista, advogado, diplomata e jornalista, nascido em 1849 e falecido em 1923.

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.

Uma frase com cerca de um século de sua criação nunca foi tão atual, se comparada com os mórbidos acontecimentos vividos neste último período pela Câmara dos Deputados.

Fica evidente a prática do corporativismo, dos conchavos, da legislação em causa própria, com um “orçamento secreto” que nada mais é do que um passaporte para a impunidade, aprovado na calada da noite, propiciando a prática de atos ilícitos e imorais, travestidos de legalidade.

Deputados processados pelos mais variados tipos de crime, inclusive de lesa-pátria, incitando nação poderosa a invadir nosso país e a causar enormes prejuízos às classes produtoras e trabalhadoras, que geram as receitas que proporcionam a força necessária ao bom funcionamento da roda da economia.

Pior: parece que tudo o que vem acontecendo é encarado como fato corriqueiro pelo comandante da Câmara dos Deputados, que até chegou a ser deposto de sua cadeira por um grupo de parlamentares desordeiros e, até o momento, sem qualquer punição.

As telecomunicações alcançaram níveis impensáveis em termos de transmissão de dados, como imagens e sons de alta precisão, e, com isso, o planeta Terra tem assistido às barbáries ocorridas no plenário da Casa de Leis, habitada por um seleto grupo de homens e mulheres escolhidos pelo voto e que lhes proporciona os mais variados tipos de privilégios, consumindo recursos bilionários oriundos de pessoas físicas e jurídicas pagadoras de impostos, que não veem o necessário retorno em obras e serviços essenciais, como saúde, segurança pública e transportes.

Um fator preponderante para a continuidade desses desmandos é a hereditariedade nos cargos políticos, em que os ungidos não precisam provar capacidade técnica ou profissional para exercer um mandato.

Basta ter QI de força para manter em cabrestos os seus apaniguados, com nomeações que os tornam fiéis aos seus patrões e que, quase sempre, só deixam o cargo aposentados, com gordos salários, diferentemente do trabalhador brasileiro aposentado pelo famigerado INSS.

No ano que vem, teremos eleições majoritárias. É evidente que quem está lá não quer sair, mas está passando da hora de o cidadão consciente valorizar o poder de sua arma, qual seja, o Título Eleitoral, para promover a varredura necessária no Poder Legislativo, tanto federal como estaduais.

Por uma questão de justiça, a exceção se faz em relação aos parlamentares que reconhecidamente prestam bons serviços à comunidade.

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