Artigos e Opinião

CENAS

André Luiz Alvez: "Hão de chorar por ela os cinamomos"

Escritor, publicitário e ator ([email protected])

Redação

16/07/2015 - 00h00
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No final da tarde, peguei um livro na estante e fiquei um bom tempo com os olhos pregados na estrofe inicial: “hão de chorar por ela os cinamomos”. 

É um trecho de um poema de Alphonsus de Guimaraens, poeta devastado pela morte da noiva, que, amargurado, cantou em versos a tristeza. Não gosto de tristeza, prefiro o sorriso. Ainda há pouco, um tucano solitário rasgou o céu do meu quintal e se meteu entre as nuvens. Bicho solitário é bicho triste. 

É o mesmo cenário de um ano antes e eu ainda fumava. Lembro da fumaça subindo ao céu, como se pretendesse voar junto do tucano. Foi um dia triste, eu estava tentando concluir o final de um personagem, iria matá-lo e já sentia saudades.

A arte de escrever requer tristeza, todo escritor, quando em processo de criação, é um ser triste e solitário. Afinal, quem haverá de entender o sujeito que se tranca num mundo que caminha unicamente pela sua cabeça e vai criando situações e personagens? E lá estava de novo o tucano rompendo o céu e o dia também é triste, não sei por que, mas é. Tudo parece um estranho ritual, o pássaro solitário, o poema triste, o dia que está frio.

Antes que a tristeza me devasse, lembro que sorrir sempre foi do meu feitio. E a imagem do tucano volta à minha mente. Seria o mesmo pássaro do ano passado? Entro em casa e esbarro numa revista, que abre na página com a figura da Frida Kahlo, que me encara, na sobrancelha severa, o olhar penetrante do rosto sério e contemplativo da mulher que nunca sorriu. 

Provavelmente uma das pessoas mais tristes que se tem conhecimento: “Bebia para afogar as mágoas, mas as malditas aprenderam a nadar”. Tento fugir da cena, busco um copo de café, que um dia me disseram que café afugenta a tristeza, mas que, desastrado, derrubei na revista, cobrindo o rosto de Frida que se mostrou ainda mais triste, agora em tons marrons, essa cor sem graça, que representa a tristeza. Os olhos de Frida se apagam de vez.

Sempre existiram pessoas assim, naturalmente tristes. Tive um amigo na adolescência que para espantar a tristeza assoviava. Tudo seria normal se ele não vivesse assoviando. Por causa disso, durante um bom tempo eu sentia tristeza todas as vezes que ouvia “Vida Cigana”. É que ele adorava essa música eterna do Geraldo Espíndola. Não sei se esse amigo conseguiu retirar o carvão que plantou no peito e espantou a tristeza. Nem sei afinal por que estou escrevendo sobre a tristeza. 

Talvez por causa do tucano, ou é obra da foto da Frida Kahlo, pode ser esse vento gelado que não quer ir embora, só sei que não me sai da cabeça a poesia de Alphonsus de Guimaraens, como se de alguma forma pudesse caminhar entre cores roxas e virgens mortas. Limpo com as costas das mãos a foto de Frida e a encaro, assovio “Vida Cigana” sem sentir tristeza e deixo escapar um singelo conselho: saiba sorrir o que chorar não soube. E o tucano retorna do horizonte mostrando a plumagem mais brilhante.

EDITORIAL

É preciso passar um pente-fino na Cosip

O que a sociedade exige e com razão é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte

20/12/2025 07h15

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A deflagração da Operação Apagar das Luzes, nesta sexta-feira, pelo Grupo Especializado de Combate à Corrupção (Gecoc) do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), é mais um daqueles episódios que deixam claro que a iluminação pública de Campo Grande guarda muito mais sombras do que se imaginava.

E, ao que tudo indica, ainda há muito a ser revelado sobre contratos, cifras e responsabilidades envolvendo um serviço essencial para a cidade.

Campo Grande figura entre os municípios que mais arrecadam no Brasil com a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip). Trata-se de uma arrecadação robusta, bilionária ao longo dos anos, paga mensalmente pelo cidadão na conta de energia elétrica.

Ainda assim, a realidade vista nas ruas é contraditória: bairros inteiros convivem com postes apagados, avenidas mal iluminadas e áreas que se tornam vulneráveis à criminalidade justamente pela ausência de luz.

A investigação que apura fraudes estimadas em R$ 62 milhões lança uma pergunta inevitável: como é possível faltar iluminação em um município que arrecada tanto?

Reportagem publicada pelo Correio do Estado no ano passado mostrou que a Cosip de Campo Grande superava, à época, a arrecadação de Curitiba – cidade com mais que o dobro da população. Mesmo assim, a capital sul-mato-grossense convive com um serviço precário e reclamações recorrentes da população.

O mais preocupante é que essas suspeitas de irregularidades surgem em meio a um discurso constante de crise financeira propagado pela administração municipal.

Se confirmadas, as fraudes não estariam ocorrendo em um cenário de escassez, mas sim em um verdadeiro manancial de recursos. Isso agrava ainda mais o quadro, pois revela que o problema pode não ser falta de dinheiro, mas falhas graves de gestão, fiscalização e zelo com o dinheiro público.

É legítimo esperar explicações detalhadas sobre os contratos firmados, os critérios de pagamento e a execução dos serviços. Mas isso, por si só, não basta. O que a sociedade exige – e com razão – é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte, que deveria retornar em forma de ruas iluminadas, mais segurança e melhor qualidade de vida.

Nesse contexto, o trabalho do Gecoc merece reconhecimento. Mais uma vez, o MPMS cumpre seu papel institucional de investigar, cobrar respostas e iluminar áreas em que a administração pública falhou.

Combater a corrupção não é apenas punir culpados, mas também criar condições para que os serviços públicos funcionem melhor e com mais eficiência.

Iluminação pública não é luxo. É segurança, mobilidade e dignidade urbana. Se há dinheiro sobrando e luz faltando, algo está profundamente errado – e precisa ser corrigido com urgência, transparência e responsabilidade.

ARTIGOS

Redes sociais: o "estacionamento" da reputação corporativa

Qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial

19/12/2025 07h45

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No ambiente corporativo contemporâneo, a fronteira entre opinião pessoal e responsabilidade profissional se tornou quase invisível. Com a hiperconectividade, qualquer manifestação nas redes sociais tem potencial para alcançar ampla visibilidade. Um único comentário ofensivo de um funcionário é capaz de comprometer a confiança interna, afetar a reputação da marca e desencadear litígios.

Quando as manifestações de funcionários ultrapassam o limite da crítica construtiva e se convertem em acusações ou declarações com potencial de impactar negativamente a imagem e a credibilidade da organização, abre-se espaço a um debate essencial: qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial?

A repercussão, em casos como esse, costuma ser imediata. Colegas, clientes, fornecedores e demais parceiros têm acesso ao conteúdo, potencializando seus efeitos e ampliando o risco reputacional.

Qualquer que seja o caminho de resposta, a análise jurídica deve ser cuidadosa. A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 482, alíneas j e k) prevê a possibilidade de dispensa por justa causa quando o empregado pratica ato lesivo à honra ou à boa fama de qualquer pessoa “no serviço”, especialmente quando dirigido ao empregador ou superiores hierárquicos.

A jurisprudência tem entendido que publicações em redes sociais podem produzir efeitos equivalentes aos de condutas praticadas no ambiente físico de trabalho, legitimando a aplicação da penalidade.

A Constituição Federal (art. 5º, incisos IV, V e X) assegura a liberdade de expressão, mas estabelece limites claros quando essa manifestação viola direitos relacionados à honra, à imagem e à dignidade. Já o Marco Civil da Internet reforça mecanismos de responsabilização de plataformas mediante notificação, permitindo respostas mais ágeis a conteúdos ilícitos.

Com a evolução da sociedade, a linha que separa opinião de ofensa se tornou cada vez mais tênue. A liberdade de expressão é garantida, mas não é absoluta: quando a crítica se transforma em injúria ou difamação, há quebra de confiança, podendo configurar justa causa, inclusive quando a conduta ocorre fora do expediente.

O desafio, agora, reside na interpretação. A definição do que constitui “crítica legítima” ou “falta grave” ainda é variável entre diferentes julgadores, o que aumenta o risco de reversão de penalidades, pedidos de indenização e danos à reputação corporativa.

Em um ambiente empresarial cada vez mais exposto ao escrutínio público, sobretudo nas redes sociais, torna-se imprescindível que as organizações adotem políticas claras, protocolos seguros de apuração e documentação robusta para fundamentar suas decisões e que as decisões e a gestão de tópicos sensíveis considerem estratégia, cautela e respaldo técnico.

Condutas inadequadas de colaboradores podem gerar impactos relevantes, mas a resposta empresarial deve estar alinhada à legislação e às melhores práticas de governança.

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