No final da tarde, peguei um livro na estante e fiquei um bom tempo com os olhos pregados na estrofe inicial: “hão de chorar por ela os cinamomos”.
É um trecho de um poema de Alphonsus de Guimaraens, poeta devastado pela morte da noiva, que, amargurado, cantou em versos a tristeza. Não gosto de tristeza, prefiro o sorriso. Ainda há pouco, um tucano solitário rasgou o céu do meu quintal e se meteu entre as nuvens. Bicho solitário é bicho triste.
É o mesmo cenário de um ano antes e eu ainda fumava. Lembro da fumaça subindo ao céu, como se pretendesse voar junto do tucano. Foi um dia triste, eu estava tentando concluir o final de um personagem, iria matá-lo e já sentia saudades.
A arte de escrever requer tristeza, todo escritor, quando em processo de criação, é um ser triste e solitário. Afinal, quem haverá de entender o sujeito que se tranca num mundo que caminha unicamente pela sua cabeça e vai criando situações e personagens? E lá estava de novo o tucano rompendo o céu e o dia também é triste, não sei por que, mas é. Tudo parece um estranho ritual, o pássaro solitário, o poema triste, o dia que está frio.
Antes que a tristeza me devasse, lembro que sorrir sempre foi do meu feitio. E a imagem do tucano volta à minha mente. Seria o mesmo pássaro do ano passado? Entro em casa e esbarro numa revista, que abre na página com a figura da Frida Kahlo, que me encara, na sobrancelha severa, o olhar penetrante do rosto sério e contemplativo da mulher que nunca sorriu.
Provavelmente uma das pessoas mais tristes que se tem conhecimento: “Bebia para afogar as mágoas, mas as malditas aprenderam a nadar”. Tento fugir da cena, busco um copo de café, que um dia me disseram que café afugenta a tristeza, mas que, desastrado, derrubei na revista, cobrindo o rosto de Frida que se mostrou ainda mais triste, agora em tons marrons, essa cor sem graça, que representa a tristeza. Os olhos de Frida se apagam de vez.
Sempre existiram pessoas assim, naturalmente tristes. Tive um amigo na adolescência que para espantar a tristeza assoviava. Tudo seria normal se ele não vivesse assoviando. Por causa disso, durante um bom tempo eu sentia tristeza todas as vezes que ouvia “Vida Cigana”. É que ele adorava essa música eterna do Geraldo Espíndola. Não sei se esse amigo conseguiu retirar o carvão que plantou no peito e espantou a tristeza. Nem sei afinal por que estou escrevendo sobre a tristeza.
Talvez por causa do tucano, ou é obra da foto da Frida Kahlo, pode ser esse vento gelado que não quer ir embora, só sei que não me sai da cabeça a poesia de Alphonsus de Guimaraens, como se de alguma forma pudesse caminhar entre cores roxas e virgens mortas. Limpo com as costas das mãos a foto de Frida e a encaro, assovio “Vida Cigana” sem sentir tristeza e deixo escapar um singelo conselho: saiba sorrir o que chorar não soube. E o tucano retorna do horizonte mostrando a plumagem mais brilhante.


