Artigos e Opinião

CENAS

André Luiz Alvez: "Putz grila!"

*Escritor, publicitário e ator ([email protected])

Redação

13/08/2015 - 00h00
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Estava com os pés esticados sobre uma almofada e a cabeça refestelada num travesseiro, quando tive a ideia de escrever esta crônica diferente, com elementos de escrita que não usamos mais, inspirado no diálogo que ouvi na noite anterior, num daqueles restaurantes da Feira Central. 

Um casal, pela aparência, julguei que se conhecera nos anos oitenta, tentava escolher no cardápio o que comer. O homem, um grandalhão desajeitado, que mal cabia na cadeira, de repente exclamou: “Putz grila, broto!”. Não pude evitar a alegria que se formou em meu rosto. Adoro palavras que não usamos mais.

Então, fui para casa assistir a um filme antigo, que, de borocochô, a história ficou supimpa e me interessei pelo quiprocó que se formou, quando um cara cafona, ao lado de uma sirigaita, tomou vários goles no bico da garrafa e, ignorando a amiga lambisgoia, lançou olhares prafrentex em direção à loira de farmácia, que nem sequer lhe deu bola. 

Com a cara cheia de manguaça e chateado pelo fora, pegou no volante do carro chumbrega, fazendo zigue-zagues até provocar uma trombada. Restou o abacaxi para o sujeito resolver. O dono do outro carro surgiu de repente: “Putz grila, olha o que você fez com a minha caranga!”, gritou desesperado, porque gostava mais do carro que da gata que o acompanhava, e foi juntando, com as duas mãos, o pescoço do bebum.

Logo surgiu uma patota que tentou manter tudo nos trinques. Era um grupo jovem e unido que imediatamente me remeteu à minha antiga curriola. Ah, os amigos de antes, que fim levaram? A turma era batuta, fazíamos o que nos vinha na veneta. Quando as coisas ficavam difíceis, dizíamos: tá russo, na dúvida, o escambau;  na raiva, chispa daqui. 

Senti uma pontada de fossa das antigas, aquela leve dor de cotovelo que logo passava, bastava arrumar outra paquera. Certa vez, a amiga de uma amiga pediu para ela me dizer que me achava um pão. Fiquei envaidecido.

É que ser pão era tudo de bom. Minha tia namorou um sujeito porque, segundo ela, dito-cujo era um pão. Podes crer, ela estava gamada. Caramba, gamada! Quem é que fica gamada hoje em dia? O tímido era mocorongo e, quando as coisas caminhavam para o brejo, parece que ainda ouço o mais ponderado falar: podes crer, isso vai dar bode.

Aquele amigo que dizia que eu era um barato, existe em tons cinzas na minha memória, porque, tanto tempo de ausência, fez com que eu me esquecesse do seu rosto, da voz e de tudo o mais.
“Chocrível tudo isso, saca?”. Ele não tinha muito lero-lero com as mocinhas que passeavam na calçada com medo de ouvir um assovio constrangedor. Quando o filme acabou, restaram saudades e palavras mortas na minha cabeça. 

Fui à geladeira, peguei um grapete e bebi tentando sossegar a alma, que insistia em lembrar que eu já fui careta, cafona, bicho grilo. Minha nossa! Será que continuo sendo bicho grilo? 

Em homenagem às palavras mortas que não voltam mais, deixo neste epílogo reticências, em vez da frieza de um ponto final... 

* Escritor, publicitário e ator ([email protected])

EDITORIAL

É preciso passar um pente-fino na Cosip

O que a sociedade exige e com razão é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte

20/12/2025 07h15

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A deflagração da Operação Apagar das Luzes, nesta sexta-feira, pelo Grupo Especializado de Combate à Corrupção (Gecoc) do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), é mais um daqueles episódios que deixam claro que a iluminação pública de Campo Grande guarda muito mais sombras do que se imaginava.

E, ao que tudo indica, ainda há muito a ser revelado sobre contratos, cifras e responsabilidades envolvendo um serviço essencial para a cidade.

Campo Grande figura entre os municípios que mais arrecadam no Brasil com a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip). Trata-se de uma arrecadação robusta, bilionária ao longo dos anos, paga mensalmente pelo cidadão na conta de energia elétrica.

Ainda assim, a realidade vista nas ruas é contraditória: bairros inteiros convivem com postes apagados, avenidas mal iluminadas e áreas que se tornam vulneráveis à criminalidade justamente pela ausência de luz.

A investigação que apura fraudes estimadas em R$ 62 milhões lança uma pergunta inevitável: como é possível faltar iluminação em um município que arrecada tanto?

Reportagem publicada pelo Correio do Estado no ano passado mostrou que a Cosip de Campo Grande superava, à época, a arrecadação de Curitiba – cidade com mais que o dobro da população. Mesmo assim, a capital sul-mato-grossense convive com um serviço precário e reclamações recorrentes da população.

O mais preocupante é que essas suspeitas de irregularidades surgem em meio a um discurso constante de crise financeira propagado pela administração municipal.

Se confirmadas, as fraudes não estariam ocorrendo em um cenário de escassez, mas sim em um verdadeiro manancial de recursos. Isso agrava ainda mais o quadro, pois revela que o problema pode não ser falta de dinheiro, mas falhas graves de gestão, fiscalização e zelo com o dinheiro público.

É legítimo esperar explicações detalhadas sobre os contratos firmados, os critérios de pagamento e a execução dos serviços. Mas isso, por si só, não basta. O que a sociedade exige – e com razão – é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte, que deveria retornar em forma de ruas iluminadas, mais segurança e melhor qualidade de vida.

Nesse contexto, o trabalho do Gecoc merece reconhecimento. Mais uma vez, o MPMS cumpre seu papel institucional de investigar, cobrar respostas e iluminar áreas em que a administração pública falhou.

Combater a corrupção não é apenas punir culpados, mas também criar condições para que os serviços públicos funcionem melhor e com mais eficiência.

Iluminação pública não é luxo. É segurança, mobilidade e dignidade urbana. Se há dinheiro sobrando e luz faltando, algo está profundamente errado – e precisa ser corrigido com urgência, transparência e responsabilidade.

ARTIGOS

Redes sociais: o "estacionamento" da reputação corporativa

Qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial

19/12/2025 07h45

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No ambiente corporativo contemporâneo, a fronteira entre opinião pessoal e responsabilidade profissional se tornou quase invisível. Com a hiperconectividade, qualquer manifestação nas redes sociais tem potencial para alcançar ampla visibilidade. Um único comentário ofensivo de um funcionário é capaz de comprometer a confiança interna, afetar a reputação da marca e desencadear litígios.

Quando as manifestações de funcionários ultrapassam o limite da crítica construtiva e se convertem em acusações ou declarações com potencial de impactar negativamente a imagem e a credibilidade da organização, abre-se espaço a um debate essencial: qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial?

A repercussão, em casos como esse, costuma ser imediata. Colegas, clientes, fornecedores e demais parceiros têm acesso ao conteúdo, potencializando seus efeitos e ampliando o risco reputacional.

Qualquer que seja o caminho de resposta, a análise jurídica deve ser cuidadosa. A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 482, alíneas j e k) prevê a possibilidade de dispensa por justa causa quando o empregado pratica ato lesivo à honra ou à boa fama de qualquer pessoa “no serviço”, especialmente quando dirigido ao empregador ou superiores hierárquicos.

A jurisprudência tem entendido que publicações em redes sociais podem produzir efeitos equivalentes aos de condutas praticadas no ambiente físico de trabalho, legitimando a aplicação da penalidade.

A Constituição Federal (art. 5º, incisos IV, V e X) assegura a liberdade de expressão, mas estabelece limites claros quando essa manifestação viola direitos relacionados à honra, à imagem e à dignidade. Já o Marco Civil da Internet reforça mecanismos de responsabilização de plataformas mediante notificação, permitindo respostas mais ágeis a conteúdos ilícitos.

Com a evolução da sociedade, a linha que separa opinião de ofensa se tornou cada vez mais tênue. A liberdade de expressão é garantida, mas não é absoluta: quando a crítica se transforma em injúria ou difamação, há quebra de confiança, podendo configurar justa causa, inclusive quando a conduta ocorre fora do expediente.

O desafio, agora, reside na interpretação. A definição do que constitui “crítica legítima” ou “falta grave” ainda é variável entre diferentes julgadores, o que aumenta o risco de reversão de penalidades, pedidos de indenização e danos à reputação corporativa.

Em um ambiente empresarial cada vez mais exposto ao escrutínio público, sobretudo nas redes sociais, torna-se imprescindível que as organizações adotem políticas claras, protocolos seguros de apuração e documentação robusta para fundamentar suas decisões e que as decisões e a gestão de tópicos sensíveis considerem estratégia, cautela e respaldo técnico.

Condutas inadequadas de colaboradores podem gerar impactos relevantes, mas a resposta empresarial deve estar alinhada à legislação e às melhores práticas de governança.

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