Artigos e Opinião

CENAS

André Luiz Alvez: "Relatos da hipocondria"

Publicitário e escritor ([email protected])

Redação

06/10/2016 - 04h00
Continue lendo...

A moça do rosto redondo se aproxima dos carros parados em fila dupla no sinal fechado. Os vidros de fumê, que protegem o ar-condicionado, são fortalezas intransponíveis, mas ela é perseverante, insiste com um leve toque de dedos, enquanto enxuga as gotas de suor que se espalham pela testa ampla, resultado do costumeiro calorão campo-grandense de quatro e meia da tarde. 

Estou na quinta posição, na fila da esquerda. Ela se aproxima, busca o meu rosto e instintivamente tento desviar meus olhos, em vão. Um tanto sem jeito, abaixo o vidro do carro e ela me entrega um santinho de um candidato a vereador, destes que lá está há décadas, nada fez de relevante, mas tenta voltar.

Será que o candidato a vereador imagina que conseguirá votos distribuindo santinhos no sinal fechado? Penso ligeiro, ao mesmo tempo em que busco usar de cortesia – compreendo que ela ali está para ganhar honestamente algum trocado –, pego o santinho sem demonstrar desgosto e devolvo o sorriso, já me preparando para o aceno de despedida, no exato momento que ela faz uma careta, tenta se afastar, mas o corpo pesado a impede, e então ela espirra, com força, numa inesperada e irresistível vontade. 

Aflita, desajeitada, tenta limpar o meu rosto com manga da camisa suada, mal tenho tempo de impedi-la, desenhando no meu rosto um riso forçado e já sentindo o início da febre, a hipocondria que me invade, sem permitir consertos. 

Cheguei em casa com os olhos ardendo e numa vontade louca de tomar um banho, daqueles demorados, de espumas de xampu e esfregões de escovas. Agora, depois de horas, ainda sinto a chuva de perdigotos que atingiu o meu rosto sem que eu pudesse escapar, encolhido entre o volante e o banco do carro.

Sei que é um defeito, que tento evitar, mas é mais forte que eu, simplesmente não posso ler nem ouvir relatos de doenças. Muito antes de aparecer de fato em terras tupiniquins, eu já consultava todos os efeitos da síndrome de Guillain-Barré, entre outras doenças graves. E no ápice da loucura (ou seria frescura?), sentia absolutamente todos os sintomas.

Nem sei quando foi a primeira vez que li algo a respeito de parasitas, vírus e bactérias, mas deve ter acontecido lá pelos quinze anos, quando admiti como doença grave todas aquelas misteriosas mudanças hormonais. Desde então, não consigo evitar o receio de contágios. 

Com o passar do tempo, até melhorei, já não consulto bulas e dicionários em busca de sintomas e curas e desprezo o uso de álcool em gel. Sei, não sou o único, aqui em casa a Graziela, as crianças, somos todos incorrigíveis hipocondríacos, além de muita gente famosa: assisti a uma reportagem na qual o Ringo Starr cumprimenta as pessoas usando os cotovelos, Michael Jackson usava luvas e máscaras para respirar, até Darwin era hipocondríaco. 

Entretanto, devo ter uma saúde de ferro, nunca desmaiei, nenhuma operação, nada grave, embora ainda há pouco, tenha largado três espirros seguidos e, incomodado, percebi que não tinha ninguém por perto para me desejar saúde... 
 

EDITORIAL

Crises de fim de ano expõem falha na gestão

A raiz comum dessas crises é conhecida, embora frequentemente ignorada: mau planejamento, gestão ineficiente e falta de zelo por parte de quem executa

19/12/2025 07h15

Continue Lendo...

A virada para 2026 entra para a história recente de Campo Grande como uma das mais conturbadas dos últimos anos. Talvez desde meados da década passada não se via uma sucessão tão clara de crises financeiras e falhas na engrenagem dos serviços públicos locais justamente no momento em que a cidade deveria buscar estabilidade para atravessar o novo ano.

O problema não é pontual tampouco isolado: ele se repete em áreas essenciais e expõe fragilidades estruturais que vêm sendo empurradas com a barriga.

A greve do transporte coletivo, encerrada apenas no início da noite de ontem, é um retrato fiel desse cenário. Durante quatro dias, a população ficou refém de um sistema que parou porque o Consórcio Guaicurus não tinha recursos para pagar salários.

A solução não veio de uma gestão eficiente ou de um planejamento responsável, mas de um socorro emergencial do governo do Estado, que antecipou mais de R$ 3 milhões referentes a uma das parcelas do subsídio ao passe do estudante. Ou seja, o serviço só voltou a funcionar quando o dinheiro público entrou para tapar mais um buraco.

Situação semelhante se repete na Saúde. A Santa Casa, há anos em crise, agora está sob determinação judicial para apresentar um plano capaz de enfrentar um deficit que parece não ter fim. No transporte coletivo, a Justiça foi além e determinou uma intervenção no consórcio responsável pelo serviço.

Quando decisões judiciais passam a ditar os rumos da gestão, fica evidente que algo falhou muito antes, seja na formulação dos contratos, seja na fiscalização ou na condução cotidiana desses serviços.

A raiz comum dessas crises é conhecida, embora frequentemente ignorada: mau planejamento, gestão ineficiente e falta de zelo por parte de quem executa e, principalmente, de quem deveria fiscalizar contratos milionários. Não se trata apenas de escassez de recursos.

Trata-se de como esses recursos são utilizados, de modelos que se mostram esgotados e de contratos que não resistem ao primeiro choque mais sério.

O mais preocupante é que, mesmo após a injeção de milhões de reais do poder público na Santa Casa e no Consórcio Guaicurus, o dinheiro continua insuficiente. Isso deixa claro que o problema é estrutural.

As verbas estão, de fato, mais apertadas neste ano, mas a crise não nasceu agora. Ela é fruto de anos de escolhas erradas, de ausência de transparência e de tolerância com resultados ruins.

A virada de ano conturbada serve, portanto, como um alerta. Não basta apagar incêndios com aportes emergenciais, é preciso rever modelos, refazer contas, cobrar responsabilidades e, sobretudo, planejar com seriedade.

Caso contrário, Campo Grande corre o risco de transformar crises excepcionais em rotina permanente, e isso, definitivamente, a cidade não pode mais aceitar.

ARTIGOS

O combalido Congresso Nacional

A prática do corporativismo, dos conchavos, da legislação em causa própria, com um "orçamento secreto" que nada mais é do que um passaporte para a impunidade, aprovado na calada da noite

18/12/2025 07h45

Continue Lendo...

Para falar sobre o tema, não poderia deixar de citar uma frase célebre do ilustre brasileiro Ruy Barbosa, que foi político, jurista, advogado, diplomata e jornalista, nascido em 1849 e falecido em 1923.

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.

Uma frase com cerca de um século de sua criação nunca foi tão atual, se comparada com os mórbidos acontecimentos vividos neste último período pela Câmara dos Deputados.

Fica evidente a prática do corporativismo, dos conchavos, da legislação em causa própria, com um “orçamento secreto” que nada mais é do que um passaporte para a impunidade, aprovado na calada da noite, propiciando a prática de atos ilícitos e imorais, travestidos de legalidade.

Deputados processados pelos mais variados tipos de crime, inclusive de lesa-pátria, incitando nação poderosa a invadir nosso país e a causar enormes prejuízos às classes produtoras e trabalhadoras, que geram as receitas que proporcionam a força necessária ao bom funcionamento da roda da economia.

Pior: parece que tudo o que vem acontecendo é encarado como fato corriqueiro pelo comandante da Câmara dos Deputados, que até chegou a ser deposto de sua cadeira por um grupo de parlamentares desordeiros e, até o momento, sem qualquer punição.

As telecomunicações alcançaram níveis impensáveis em termos de transmissão de dados, como imagens e sons de alta precisão, e, com isso, o planeta Terra tem assistido às barbáries ocorridas no plenário da Casa de Leis, habitada por um seleto grupo de homens e mulheres escolhidos pelo voto e que lhes proporciona os mais variados tipos de privilégios, consumindo recursos bilionários oriundos de pessoas físicas e jurídicas pagadoras de impostos, que não veem o necessário retorno em obras e serviços essenciais, como saúde, segurança pública e transportes.

Um fator preponderante para a continuidade desses desmandos é a hereditariedade nos cargos políticos, em que os ungidos não precisam provar capacidade técnica ou profissional para exercer um mandato.

Basta ter QI de força para manter em cabrestos os seus apaniguados, com nomeações que os tornam fiéis aos seus patrões e que, quase sempre, só deixam o cargo aposentados, com gordos salários, diferentemente do trabalhador brasileiro aposentado pelo famigerado INSS.

No ano que vem, teremos eleições majoritárias. É evidente que quem está lá não quer sair, mas está passando da hora de o cidadão consciente valorizar o poder de sua arma, qual seja, o Título Eleitoral, para promover a varredura necessária no Poder Legislativo, tanto federal como estaduais.

Por uma questão de justiça, a exceção se faz em relação aos parlamentares que reconhecidamente prestam bons serviços à comunidade.

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).