Em um país em que o salário mínimo é de R$ 1.412, pagar por múltiplos serviços de streaming não é uma escolha óbvia. Essa realidade molda a forma como os brasileiros consomem cultura e, no digital, isso não teria como ser diferente, apesar da pretensa ideia de que a internet é democrática.
O YouTube, gratuito e onipresente, tornou-se o centro de entretenimento das classes populares. Segundo pesquisa da Opinion Box, 81% dos brasileiros acessam a plataforma todos os dias, em smartphones, computadores e, cada vez mais, nas televisões.
O peso da economia no consumo cultural: a lógica é econômica antes de ser cultural. Em 2024, o mercado de streaming musical no Brasil movimentou R$ 3,06 bilhões, dos quais R$ 2,08 bilhões vieram de assinaturas pagas, de acordo com a Mobile Time.
É um mercado em expansão, mas concentrado: grande parte dos brasileiros não paga por esses serviços. Por isso, 63% afirmam usar o YouTube para ouvir música. É gratuito, funciona em qualquer aparelho e oferece tudo – de playlists a shows ao vivo. Para quem ganha pouco, a conta fecha na gratuidade, não no catálogo premium.
YouTube como nova TV aberta: essa escolha se estende para o vídeo. O Brasil tem 32% dos acessos ao YouTube feitos diretamente por smart TVs, e o País já soma mais de 144 milhões de usuários na plataforma.
Muitas emissoras disponibilizam programas completos, novelas e trechos diários. Para quem não assina TV paga, o YouTube virou a nova TV aberta, só que personalizada, com algoritmos no lugar da grade de programação.
O resultado é que a televisão nas periferias brasileiras, muitas vezes, abre direto no aplicativo do YouTube, não no sinal digital tradicional. Em pesquisa recente, 38% dos usuários disseram assistir YouTube no modo TV, enquanto 80% ainda o acessam pelo celular.
Hub multimídia para entretenimento e aprendizado: essa convergência coloca a plataforma como um hub multimídia, ela substitui rádio, canais abertos, serviços de streaming e até cursos online.
Na mesma pesquisa, 61% afirmaram usar o YouTube para “aprender coisas do dia a dia”, como tutoriais, receitas ou dicas financeiras.
O tempo de tela confirma essa centralidade. Um quarto dos usuários brasileiros passa mais de duas horas por semana na plataforma, com forte predominância de conteúdos de entretenimento e música.
A gratuidade como modelo de negócio: em 2024, os vídeos musicais financiados por publicidade geraram R$ 499 milhões em receita, mostrando como o modelo gratuito se sustenta economicamente mesmo sem cobrar do público.
O YouTube virou o grande “tudo em um” digital, lembrando os antigos aparelhos de som dos anos 1990, que juntavam rádio, fita, CD e vídeo – só que agora na nuvem e sem custo direto.
Economia define cultura digital. Essa dinâmica revela uma verdade incômoda: a economia define a cultura digital.
Podemos até cair nos papos de que agora a cultura digital é para todos, de que todo mundo corre ouvindo Spotify ou passa os fins de semana na Netflix. Mas, enquanto a classe média urbana escolhe entre Netflix, Spotify ou Amazon Prime, milhões de brasileiros optam pelo YouTube, não por preferência estética, mas por necessidade.
É a plataforma que cabe no bolso e na TV da sala de uma parcela expressiva de brasileiros. Entender esse fenômeno é entender o Brasil: um país onde o acesso à informação e ao entretenimento ainda é determinado pelo preço de uma assinatura, pelo limite baixo de cartão de crédito e por uma cidade sem luz ou sinal estável de internet.


