Artigos e Opinião

ARTIGOS

Democracia, comunicação e a ilusão do invisível

Continue lendo...

A democracia, em sua essência, é um sistema no qual partidos perdem eleições. Essa simples constatação revela a sua natureza dinâmica, aberta e, por isso mesmo, conflituosa. Entretanto, o ambiente político contemporâneo, profundamente moldado pela lógica dos algoritmos, transformou esse conflito saudável em uma batalha de paixões inflamadas.

Em vez de promover a união por meio de ideias comuns, o novo ecossistema comunicacional estimula engajamento por meio do medo, do ressentimento e da repulsa. Nesse cenário, as disputas políticas deixaram de ser apenas debates de propostas para se tornar confrontos identitários. Cada lado se enclausura em sua própria bolha digital, reproduzindo narrativas que reforçam as suas certezas e demonizam o outro. A informação deixou de ser um instrumento de esclarecimento e passou a servir de espelho, refletindo apenas o que se quer ver – e reforçando o que se quer sentir.

O resultado é uma perigosa transformação afetiva da política. A identificação pessoal com o grupo de pertencimento se intensifica, e o adversário político é elevado à condição de inimigo. Não se trata mais de discordância legítima, mas da percepção de que o outro representa uma ameaça à própria existência do grupo. Quando a polarização atinge esse grau de afeto e hostilidade, o diálogo cede lugar à destruição simbólica e o espaço democrático se estreita.

Ao mesmo tempo, o espaço digital passou a exigir algo que nem sempre a política tradicional soube oferecer: autenticidade. 

Já não basta parecer jovem, moderno ou antenado. Na internet, imposturas são rapidamente desmascaradas e ridicularizadas. 

O público percebe a artificialidade, e os eleitores buscam, ainda que inconscientemente, coerência entre o discurso e a prática. 

A comunicação, portanto, não pode mais ser episódica, reativa ou pautada por modismos. Ela deve ser contínua, aberta ao diálogo e atenta ao que está além do imediatismo das tendências.

Diante desse quadro, torna-se indispensável relativizar. Relativizar importâncias e desimportâncias, discursos e silêncios, ganhos e perdas, ataques e defesas. É preciso manter a lucidez em meio ao ruído. A comunicação eficaz em uma eleição não é aquela que mais grita ou mais viraliza, mas a que mais compreende – a que enxerga além da espuma visível da disputa.

A metáfora do iceberg é precisa: nas eleições, 10% do que importa está acima da linha d’água – são os analistas, os jornalistas, os especialistas, os influenciadores, os dirigentes partidários e os magos da comunicação que dominam o debate público. 

Porém, os 90% que realmente importam estão submersos. Invisíveis, silenciosos, mas determinantes: são os eleitores, as pessoas comuns, que não protagonizam o espetáculo, contudo, as quais têm nas mãos o destino de qualquer candidatura.

No fim das contas, a vitória ou a derrota em uma eleição não se decide no ruído das redes ou na performance dos debates. Decide-se no olhar atento e respeitoso àqueles que não gritam, mas votam. Em uma democracia verdadeira, são eles que afundam ou sustentam um projeto político. E esquecê-los é, inevitavelmente, naufragar.

Assine o Correio do Estado

EDITORIAL

É preciso passar um pente-fino na Cosip

O que a sociedade exige e com razão é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte

20/12/2025 07h15

Continue Lendo...

A deflagração da Operação Apagar das Luzes, nesta sexta-feira, pelo Grupo Especializado de Combate à Corrupção (Gecoc) do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), é mais um daqueles episódios que deixam claro que a iluminação pública de Campo Grande guarda muito mais sombras do que se imaginava.

E, ao que tudo indica, ainda há muito a ser revelado sobre contratos, cifras e responsabilidades envolvendo um serviço essencial para a cidade.

Campo Grande figura entre os municípios que mais arrecadam no Brasil com a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip). Trata-se de uma arrecadação robusta, bilionária ao longo dos anos, paga mensalmente pelo cidadão na conta de energia elétrica.

Ainda assim, a realidade vista nas ruas é contraditória: bairros inteiros convivem com postes apagados, avenidas mal iluminadas e áreas que se tornam vulneráveis à criminalidade justamente pela ausência de luz.

A investigação que apura fraudes estimadas em R$ 62 milhões lança uma pergunta inevitável: como é possível faltar iluminação em um município que arrecada tanto?

Reportagem publicada pelo Correio do Estado no ano passado mostrou que a Cosip de Campo Grande superava, à época, a arrecadação de Curitiba – cidade com mais que o dobro da população. Mesmo assim, a capital sul-mato-grossense convive com um serviço precário e reclamações recorrentes da população.

O mais preocupante é que essas suspeitas de irregularidades surgem em meio a um discurso constante de crise financeira propagado pela administração municipal.

Se confirmadas, as fraudes não estariam ocorrendo em um cenário de escassez, mas sim em um verdadeiro manancial de recursos. Isso agrava ainda mais o quadro, pois revela que o problema pode não ser falta de dinheiro, mas falhas graves de gestão, fiscalização e zelo com o dinheiro público.

É legítimo esperar explicações detalhadas sobre os contratos firmados, os critérios de pagamento e a execução dos serviços. Mas isso, por si só, não basta. O que a sociedade exige – e com razão – é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte, que deveria retornar em forma de ruas iluminadas, mais segurança e melhor qualidade de vida.

Nesse contexto, o trabalho do Gecoc merece reconhecimento. Mais uma vez, o MPMS cumpre seu papel institucional de investigar, cobrar respostas e iluminar áreas em que a administração pública falhou.

Combater a corrupção não é apenas punir culpados, mas também criar condições para que os serviços públicos funcionem melhor e com mais eficiência.

Iluminação pública não é luxo. É segurança, mobilidade e dignidade urbana. Se há dinheiro sobrando e luz faltando, algo está profundamente errado – e precisa ser corrigido com urgência, transparência e responsabilidade.

ARTIGOS

Redes sociais: o "estacionamento" da reputação corporativa

Qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial

19/12/2025 07h45

Continue Lendo...

No ambiente corporativo contemporâneo, a fronteira entre opinião pessoal e responsabilidade profissional se tornou quase invisível. Com a hiperconectividade, qualquer manifestação nas redes sociais tem potencial para alcançar ampla visibilidade. Um único comentário ofensivo de um funcionário é capaz de comprometer a confiança interna, afetar a reputação da marca e desencadear litígios.

Quando as manifestações de funcionários ultrapassam o limite da crítica construtiva e se convertem em acusações ou declarações com potencial de impactar negativamente a imagem e a credibilidade da organização, abre-se espaço a um debate essencial: qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial?

A repercussão, em casos como esse, costuma ser imediata. Colegas, clientes, fornecedores e demais parceiros têm acesso ao conteúdo, potencializando seus efeitos e ampliando o risco reputacional.

Qualquer que seja o caminho de resposta, a análise jurídica deve ser cuidadosa. A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 482, alíneas j e k) prevê a possibilidade de dispensa por justa causa quando o empregado pratica ato lesivo à honra ou à boa fama de qualquer pessoa “no serviço”, especialmente quando dirigido ao empregador ou superiores hierárquicos.

A jurisprudência tem entendido que publicações em redes sociais podem produzir efeitos equivalentes aos de condutas praticadas no ambiente físico de trabalho, legitimando a aplicação da penalidade.

A Constituição Federal (art. 5º, incisos IV, V e X) assegura a liberdade de expressão, mas estabelece limites claros quando essa manifestação viola direitos relacionados à honra, à imagem e à dignidade. Já o Marco Civil da Internet reforça mecanismos de responsabilização de plataformas mediante notificação, permitindo respostas mais ágeis a conteúdos ilícitos.

Com a evolução da sociedade, a linha que separa opinião de ofensa se tornou cada vez mais tênue. A liberdade de expressão é garantida, mas não é absoluta: quando a crítica se transforma em injúria ou difamação, há quebra de confiança, podendo configurar justa causa, inclusive quando a conduta ocorre fora do expediente.

O desafio, agora, reside na interpretação. A definição do que constitui “crítica legítima” ou “falta grave” ainda é variável entre diferentes julgadores, o que aumenta o risco de reversão de penalidades, pedidos de indenização e danos à reputação corporativa.

Em um ambiente empresarial cada vez mais exposto ao escrutínio público, sobretudo nas redes sociais, torna-se imprescindível que as organizações adotem políticas claras, protocolos seguros de apuração e documentação robusta para fundamentar suas decisões e que as decisões e a gestão de tópicos sensíveis considerem estratégia, cautela e respaldo técnico.

Condutas inadequadas de colaboradores podem gerar impactos relevantes, mas a resposta empresarial deve estar alinhada à legislação e às melhores práticas de governança.

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).