Meu querido amigo Valente, eu não estava preparado para fazer a locução dessas palavras em sua homenagem. A garganta fica embatumada pelas lembranças. Estivemos juntos desde a década de sessenta, quando dividimos o banco e o campo de futebol no Colégio Oswaldo Cruz. Furamos lona de circo e soltamos pandorga no largo do mercadão, sempre aos sons e balanços da via-férrea.
“Criançamos” e “adolescemos” juntos você na Quinze e na Anhandui, ruas desta Campo Grande que você tanto amou. A geografia da cidade mudou, o largo do mercadão foi ocupado, as pandorgas tornaram-se pipas e ali não podem ser desfraldadas. Os circos estacionaram nos shoppings, não se ouve nem apito nem o ruído maquinado das locomotivas, por sinal elas passavam, sem exagero, a três metros do quarto do Valente.
Não cabe aqui vaticinar se ontem era melhor ou pior, estou passeando em um passado feliz.
Como não havia ensino superior no Estado naquela época, nos separamos e voltamos a nos reencontrar em 1973, ambos recém-casados.
A partir dessa data, nos tornamos quase inseparáveis e, em alguns momentos, a amizade e o trabalho se fundiram na tarefa de servir à comunidade, preocupação que você nunca abdicou. Na trincheira da Associação dos Engenheiros, questionou junto a vários companheiros os descaminhos da ditadura, atuou nos movimentos da anistia e das Diretas Já.
Com a ascensão ao poder do Dr. Wilson, foi alçado a presidente da Sanesul, quando implantou o Sistema Guariroba. Engenheiro sanitarista, esteve sempre presente nas ações e discussões sobre o tema. Pelo seu desempenho, foi alçado a vereador.
Meu amigo Fred tinha uma surdez física desde os bancos escolares, mas nunca permitiu a surdez cívica e ética. Era um aficionado da música e do cinema, prestigiava com frequência os eventos culturais da cidade.
Não carregava a empáfia dos sabe-tudo. Sabia ouvir, refletir e, quando convencido, sabia retroceder, dava aos colegas de trabalho asas para que exercitassem a imaginação.
Teve participação de relevo na introdução da informatização no poder público estadual.
Tinha prazer em servir a população, haja vista a sua última cruzada por Campo Grande. Sem nenhuma compensação financeira, buscou agregar entidades, empresas públicas e privadas, associações de classe e universidades, visando uma aplicação mais racional dos recursos públicos.
Dizia-se agnóstico, mas quem aglutinava o seu espírito público, seu apego aos desfavorecidos e a busca pelo equilíbrio social, por certo tangenciava as qualidades de um grande cristão. O seu luzeiro permanecerá aceso nas lembranças dos seus amigos e principalmente da sua família. Sua companheira, Marisa, os filhos, Andriva e Raphael, e os netos, Lorenzo e Maya.
Adeus meu amigo, meu compadre, meu irmão.
Daqui pra frente, muitos pautarão a viagem pelas pegadas do seu caminho.


