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Emagrecedores: manipulado não é falsificado

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No dia 26 de maio, uma matéria veiculada no “Jornal Nacional” sobre medicamentos emagrecedores do tipo GLP-1, como tirzepatida e semaglutida, suscitou uma perigosa confusão: a de que produtos manipulados em farmácias seriam equivalentes a produtos falsificados. A reportagem ouviu apenas especialistas ligados à indústria farmacêutica e sugeriu que a manipulação desses medicamentos favoreceria o comércio ilegal de canetas falsificadas. Trata-se de uma inferência equivocada – e grave.

Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que a manipulação de medicamentos não é sinônimo de falsificação. Falsificação é crime. Manipulação é prática farmacêutica regulamentada por lei. Confundir as duas coisas – ou induzir o público a essa confusão – compromete o debate público e reforça a narrativa de um setor econômico interessado em eliminar a concorrência.

Diferentemente do que foi sugerido, a existência de patentes sobre moléculas como a semaglutida e a tirzepatida não impede a manipulação individualizada desses princípios ativos, conforme previsto no artigo 43, inciso III, da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96). A norma é clara: a proteção patentária não se aplica ao preparo de medicamento sob encomenda, em doses individualizadas, feito por profissional habilitado para atender à prescrição de um profissional de saúde.

As farmácias de manipulação seguem, para aquisição e uso de insumos, rigorosos procedimentos de controle de qualidade. Os princípios ativos, geralmente importados, chegam ao País acompanhados de laudos emitidos pelos fabricantes. Os distribuidores refazem todos os testes laboratoriais – incluindo análises de identidade, pureza, microbiologia e conformidade com padrões físico-químicos – antes de repassar o insumo às farmácias. Esse mesmo caminho é percorrido pela indústria farmacêutica. Nenhuma das duas, vale lembrar, conta com análises diretas feitas pela Anvisa. O papel da agência é fiscalizador e regulador, não de reprodutor de testes laboratoriais de cada lote.

Também não se sustenta o argumento de que a manipulação desses ativos seja uma infração sanitária. A Anvisa já esclareceu publicamente que não é infração manipular medicamentos como tirzepatida e semaglutida, desde que os insumos utilizados sejam equivalentes aos constantes nos medicamentos industrializados registrados – como ozempic, wegovy ou mounjaro – e que haja prescrição médica. Essa é uma prática legal e amplamente difundida, inclusive recomendada em contextos em que a dosagem precisa ser ajustada às necessidades individuais do paciente. O custo acessível também pesa na decisão do consumidor pela manipulação.

Confundir essa prática legal com o crime de venda de canetas injetoras falsificadas é uma temeridade. Produtos como os vendidos ilegalmente por influenciadores nas redes sociais são, de fato, um risco à saúde pública. Mas é preciso deixar claro: esses produtos não vêm de farmácias de manipulação. Essas farmácias não comercializam canetas prontas, e sim ampolas ou frascos-ampola, para uso com seringas sob prescrição. A venda direta ao consumidor de medicamentos sem prescrição ou de origem clandestina é crime – e esse crime não pode ser atribuído, nem por aproximação, a estabelecimentos legalizados e regulamentados.

A indústria farmacêutica, naturalmente, tem interesse em manter o monopólio sobre medicamentos de alto custo e forte demanda, e tem todo direito de defender suas patentes contra exploração indevida. No entanto, a imprensa não pode atuar como porta-voz exclusiva de um lado dessa equação. Ao tratar de temas que envolvem saúde pública, é preciso rigor, equilíbrio e o compromisso com a verdade. Os milhões de brasileiros que recorrem a medicamentos manipulados – seja por necessidade clínica, seja por inviabilidade financeira de comprar os produtos industrializados – merecem uma cobertura que os respeite, e não que os
desinforme.

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EDITORIAL

É preciso passar um pente-fino na Cosip

O que a sociedade exige e com razão é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte

20/12/2025 07h15

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A deflagração da Operação Apagar das Luzes, nesta sexta-feira, pelo Grupo Especializado de Combate à Corrupção (Gecoc) do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), é mais um daqueles episódios que deixam claro que a iluminação pública de Campo Grande guarda muito mais sombras do que se imaginava.

E, ao que tudo indica, ainda há muito a ser revelado sobre contratos, cifras e responsabilidades envolvendo um serviço essencial para a cidade.

Campo Grande figura entre os municípios que mais arrecadam no Brasil com a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip). Trata-se de uma arrecadação robusta, bilionária ao longo dos anos, paga mensalmente pelo cidadão na conta de energia elétrica.

Ainda assim, a realidade vista nas ruas é contraditória: bairros inteiros convivem com postes apagados, avenidas mal iluminadas e áreas que se tornam vulneráveis à criminalidade justamente pela ausência de luz.

A investigação que apura fraudes estimadas em R$ 62 milhões lança uma pergunta inevitável: como é possível faltar iluminação em um município que arrecada tanto?

Reportagem publicada pelo Correio do Estado no ano passado mostrou que a Cosip de Campo Grande superava, à época, a arrecadação de Curitiba – cidade com mais que o dobro da população. Mesmo assim, a capital sul-mato-grossense convive com um serviço precário e reclamações recorrentes da população.

O mais preocupante é que essas suspeitas de irregularidades surgem em meio a um discurso constante de crise financeira propagado pela administração municipal.

Se confirmadas, as fraudes não estariam ocorrendo em um cenário de escassez, mas sim em um verdadeiro manancial de recursos. Isso agrava ainda mais o quadro, pois revela que o problema pode não ser falta de dinheiro, mas falhas graves de gestão, fiscalização e zelo com o dinheiro público.

É legítimo esperar explicações detalhadas sobre os contratos firmados, os critérios de pagamento e a execução dos serviços. Mas isso, por si só, não basta. O que a sociedade exige – e com razão – é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte, que deveria retornar em forma de ruas iluminadas, mais segurança e melhor qualidade de vida.

Nesse contexto, o trabalho do Gecoc merece reconhecimento. Mais uma vez, o MPMS cumpre seu papel institucional de investigar, cobrar respostas e iluminar áreas em que a administração pública falhou.

Combater a corrupção não é apenas punir culpados, mas também criar condições para que os serviços públicos funcionem melhor e com mais eficiência.

Iluminação pública não é luxo. É segurança, mobilidade e dignidade urbana. Se há dinheiro sobrando e luz faltando, algo está profundamente errado – e precisa ser corrigido com urgência, transparência e responsabilidade.

ARTIGOS

Redes sociais: o "estacionamento" da reputação corporativa

Qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial

19/12/2025 07h45

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No ambiente corporativo contemporâneo, a fronteira entre opinião pessoal e responsabilidade profissional se tornou quase invisível. Com a hiperconectividade, qualquer manifestação nas redes sociais tem potencial para alcançar ampla visibilidade. Um único comentário ofensivo de um funcionário é capaz de comprometer a confiança interna, afetar a reputação da marca e desencadear litígios.

Quando as manifestações de funcionários ultrapassam o limite da crítica construtiva e se convertem em acusações ou declarações com potencial de impactar negativamente a imagem e a credibilidade da organização, abre-se espaço a um debate essencial: qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial?

A repercussão, em casos como esse, costuma ser imediata. Colegas, clientes, fornecedores e demais parceiros têm acesso ao conteúdo, potencializando seus efeitos e ampliando o risco reputacional.

Qualquer que seja o caminho de resposta, a análise jurídica deve ser cuidadosa. A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 482, alíneas j e k) prevê a possibilidade de dispensa por justa causa quando o empregado pratica ato lesivo à honra ou à boa fama de qualquer pessoa “no serviço”, especialmente quando dirigido ao empregador ou superiores hierárquicos.

A jurisprudência tem entendido que publicações em redes sociais podem produzir efeitos equivalentes aos de condutas praticadas no ambiente físico de trabalho, legitimando a aplicação da penalidade.

A Constituição Federal (art. 5º, incisos IV, V e X) assegura a liberdade de expressão, mas estabelece limites claros quando essa manifestação viola direitos relacionados à honra, à imagem e à dignidade. Já o Marco Civil da Internet reforça mecanismos de responsabilização de plataformas mediante notificação, permitindo respostas mais ágeis a conteúdos ilícitos.

Com a evolução da sociedade, a linha que separa opinião de ofensa se tornou cada vez mais tênue. A liberdade de expressão é garantida, mas não é absoluta: quando a crítica se transforma em injúria ou difamação, há quebra de confiança, podendo configurar justa causa, inclusive quando a conduta ocorre fora do expediente.

O desafio, agora, reside na interpretação. A definição do que constitui “crítica legítima” ou “falta grave” ainda é variável entre diferentes julgadores, o que aumenta o risco de reversão de penalidades, pedidos de indenização e danos à reputação corporativa.

Em um ambiente empresarial cada vez mais exposto ao escrutínio público, sobretudo nas redes sociais, torna-se imprescindível que as organizações adotem políticas claras, protocolos seguros de apuração e documentação robusta para fundamentar suas decisões e que as decisões e a gestão de tópicos sensíveis considerem estratégia, cautela e respaldo técnico.

Condutas inadequadas de colaboradores podem gerar impactos relevantes, mas a resposta empresarial deve estar alinhada à legislação e às melhores práticas de governança.

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