Artigos e Opinião

EDITORIAL

Entre o poder público e o crime organizado

A impunidade é um dos principais combustíveis do crime. Quando o criminoso não teme a punição, o Estado se fragiliza e a sensação de impunidade se espalha

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Passados alguns dias da operação policial que deixou mais de 120 mortos nos complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, uma coisa ficou clara: a discussão sobre segurança pública no Brasil está longe de ser simples.

Há divergências profundas sobre os métodos, sobre o uso da força e sobre o papel do Estado diante de comunidades dominadas por facções criminosas. No entanto, há um ponto de consenso, raro em tempos de polarização: não pode haver Estado paralelo.

Nenhuma organização criminosa pode impor regras, cobrar “impostos” ou controlar o direito de ir e vir de cidadãos brasileiros.

A partir dessa premissa, toda ação do Estado para retomar o controle de seus territórios é legítima em princípio, mas passível de questionamento em seus métodos. É aqui que a discussão se torna mais complexa.

Há os que defendem uma resposta dura e imediata, ainda que com custos humanos elevados. Outros defendem a máxima da intervenção mínima, o uso criterioso da força e o respeito incondicional aos direitos humanos.

Entre esses extremos, há o desafio real e cotidiano de uma polícia que enfrenta grupos armados e organizados, muitas vezes, com poder de fogo superior ao seu. O que não se pode perder de vista é que a violência sem estratégia, mesmo quando parte do Estado, é apenas mais uma forma de desordem.

E o que isso tem a ver com Mato Grosso do Sul? Muito mais do que parece.

As maiores organizações criminosas do País – como o Comando Vermelho, o PCC e facções regionais – têm presença consolidada em nosso território, como demonstram investigações recentes do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco).

Embora não tenhamos áreas dominadas por facções, como ocorre em algumas regiões do Rio, os sinais de infiltração e cooptação de estruturas legais são reais. Aqui, o crime se manifesta de forma menos visível, mas igualmente perigosa: por meio do tráfico de drogas e armas, do contrabando e da lavagem de dinheiro.

Somos um estado de fronteira, vizinho do Paraguai e da Bolívia, por onde passam toneladas de entorpecentes e armamentos que abastecem as mesmas facções que hoje desafiam o Estado no Rio de Janeiro.

Isso nos coloca no centro de uma rede criminosa nacional e internacional, em que cada rota, cada caminhão e cada fronteira aberta representam risco direto à segurança pública e à soberania nacional.

O controle dessas rotas exige não apenas repressão, mas sobretudo inteligência, integração entre forças de segurança e padronização de procedimentos entre as polícias, o Ministério Público e o Judiciário.

A impunidade, como se sabe, é um dos principais combustíveis do crime. Quando o criminoso não teme a punição, o Estado se fragiliza e a sensação de impunidade se espalha. É fundamental, portanto, que a resposta penal seja rápida, eficaz e justa.

Mas, ao mesmo tempo, é preciso lembrar que a repressão sozinha não resolve o problema. Punir é necessário, mas prevenir é ainda mais importante. É preciso oferecer oportunidades aos que ainda não foram cooptados pelas organizações criminosas, sobretudo aos jovens em situação de vulnerabilidade.

Nesse aspecto, Mato Grosso do Sul vive uma condição mais favorável que outros estados. Temos uma das menores taxas de informalidade do País e índices de emprego relativamente altos, o que ajuda a afastar parte da população do mundo do crime.

Mas não podemos nos acomodar. A estabilidade social e econômica é frágil quando não vem acompanhada de políticas de segurança consistentes e de investimentos em educação, qualificação e cidadania.

ARTIGOS

De tributo a atendimento: a nova moeda do SUS

Programa nasce como resposta à crescente demanda reprimida em áreas especializadas e abre espaço para que o setor privado participe mais ativamente do esforço de reduzir filas e ampliar a cobertura assistencial

23/12/2025 07h30

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Nova medida do governo permite compensação de dívidas tributárias com prestação de serviços médicos especializados, harmonizando arrecadação estatal e tutela da saúde pública.

A Medida Provisória nº 1.301, de 30 de maio de 2025, instituiu o programa Agora Tem Especialistas, iniciativa que busca ampliar o acesso às consultas e procedimentos de média e alta complexidade no Sistema Único de Saúde (SUS).

O programa nasce como resposta à crescente demanda reprimida em áreas especializadas e abre espaço para que o setor privado participe mais ativamente do esforço de reduzir filas e ampliar a cobertura assistencial.

O Executivo federal, por meio da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 11/2025 e da Portaria GM/MS nº 7.307/2025, instituiu mecanismo pelo qual débitos relativos a créditos tributários e valores de ressarcimento ao SUS poderão ser extintos – total ou parcialmente – mediante a prestação de serviços especializados por unidades privadas e por operadoras de planos de saúde, criando, da ideia original, o Programa Agora Tem Especialistas – Fazenda.

A inovação normativa converte obrigação pecuniária em contrapartida material de saúde, inserindo-se na moderna tendência de flexibilização dos instrumentos de cobrança e de gestão do crédito público.

A configuração operativa distingue-se em dois componentes: (1) o crédito financeiro, no qual estabelecimentos de saúde privados (com ou sem finalidade lucrativa) podem compensar débitos com a União mediante oferta de atendimentos ao SUS; e (2) o ressarcimento ao SUS, em que operadoras de planos de saúde convertem valores que deveriam ser restituídos ao sistema em prestações de serviços especializados aos usuários.

A solução pretende transformar passivos litigiosos ou de difícil recuperação em bens públicos imediatamente efetivos.

Do ponto de vista dogmático, a possibilidade encontra amparo na disciplina da transação tributária prevista no Código Tributário Nacional e em lei posterior.

O art. 171 do CTN autoriza a lei a facultar a celebração de transação entre sujeito ativo e sujeito passivo, mediante concessões mútuas, para a extinção de crédito tributário; e a Lei nº 13.988/2020 regulamentou, no plano federal, modalidades e limites da transação tributária, sinalizando a opção da administração por meios negociados de satisfação do crédito público.

A interpretação sistemática dessas normas legitima a adoção de formas não tradicionais de extinção do crédito, desde que observados os contornos legais e procedimentais.

O interesse da União na adoção dessa técnica é múltiplo e racional. Em primeiro plano, a Administração Pública busca reduzir a dívida ativa de difícil recuperação e o contencioso judicial, mitigando custos processuais e administrativos que consomem recursos públicos sem conferir resultado efetivo.

Em segundo plano, a conversão de crédito em serviço pode gerar retorno social imediato, ao reforçar a oferta de procedimentos especializados no SUS, sem custos adicionais de caixa para a União.

Por fim, a transação fomenta previsibilidade e segurança jurídica para o contribuinte, criando alternativa legítima à execução fiscal. Esses objetivos são coerentes com as finalidades da Lei nº 13.988/2020 e com as práticas que a PGFN tem adotado na gestão da dívida pública.

As decisões recentes dos tribunais superiores ilustram o contexto jurídico em que se insere a inovação normativa.

O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, ao julgar o Recurso Especial nº 2.032.814, afastou a cobrança de honorários sucumbenciais quando o contribuinte renuncia à ação para aderir à transação, estimulando a composição e conferindo efetividade ao instituto.

Já o Supremo Tribunal Federal (STF), no Tema 1.220 (RE 1.326.559), examinou a relação entre créditos tributários e honorários advocatícios, reforçando a necessidade de equilíbrio entre arrecadação estatal e tutela de direitos de terceiros.

Naturalmente, toda inovação traz desafios. A definição de parâmetros objetivos de equivalência entre o valor da dívida e o serviço prestado, bem como a fiscalização da efetiva entrega e qualidade dos atendimentos, serão aspectos determinantes para o êxito da política.

Mais do que riscos, esses pontos representam cuidados necessários, compatíveis com a responsabilidade do Estado em zelar pelo equilíbrio entre justiça fiscal e interesse público.

Em síntese, a conversão de tributo em atendimento – quando fundada no marco legal da transação e acompanhada de mecanismos de governança – pode representar um avanço relevante: reduz litígios ao permitir a regularização dos débitos pela via administrativa, recupera a utilidade social de créditos estatais e amplia a capacidade do SUS.

Trata-se de iniciativa que merece acompanhamento atento pois pode inaugurar uma forma mais inteligente de aproximar arrecadação fiscal e efetivação de direitos fundamentais.

EDITORIAL

Santa Casa refém da própria má gestão

A Santa Casa precisa de mais do que socorros emergenciais: precisa de coragem para mudar, responsabilidade na gestão e respeito por quem sustenta sua missão

23/12/2025 07h15

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A situação vivida pela Santa Casa de Campo Grande ao fim de mais um ano é, infelizmente, a repetição de um roteiro conhecido – e previsível.

Há, pelo menos, uma década, o maior hospital filantrópico do Estado é vítima não apenas de um sistema público de saúde subfinanciado, mas, sobretudo, de escolhas administrativas equivocadas, da falta de planejamento e de uma gestão que parece incapaz de romper com seus erros históricos.

Neste fim de ano, o cenário chega a um ponto simbólico e constrangedor: a instituição depende, literalmente, de um milagre para pagar o 13º salário de seus funcionários.

Profissionais que sustentam o atendimento diário de milhares de pacientes, que enfrentam plantões exaustivos, superlotação, escassez de insumos e pressão constante, agora convivem com a angústia de não saber se receberão um direito básico. Isso não honra o nome “Santa Casa”.

Não há justiça social, não há moralidade administrativa e tampouco humanidade em deixar esses trabalhadores à mercê da incerteza.

É evidente que o problema não se resume à gestão interna. O subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é uma realidade nacional, e a Santa Casa, como tantas outras instituições filantrópicas, sofre com valores defasados, repasses insuficientes e atrasos frequentes.

O poder público tem, sim, parcela relevante de responsabilidade nesse quadro. Ignorar isso seria desonesto. No entanto, usar essa realidade como justificativa permanente para a ineficiência interna é igualmente inaceitável.

O que salta aos olhos é a aparente falta de disposição da administração do hospital em buscar eficiência, especialmente no campo financeiro.

Os números mostram que apenas o serviço da dívida – os juros e encargos pagos anualmente aos bancos – seria suficiente para quitar não apenas o 13º salário e evitar o acúmulo de outras obrigações em atraso, mas também de quitar quase toda a folha anual. Isso revela um modelo de gestão que prioriza a manutenção de passivos bancários em detrimento do compromisso com seus trabalhadores.

Mais uma vez, a saída apontada parece ser recorrer a novos empréstimos ou aguardar aportes emergenciais do poder público. Trata-se de um ciclo perverso. Endividar-se para cobrir despesas correntes, como folha de pagamento, não é uma estratégia de sustentabilidade; é um atalho para o colapso.

Empréstimos deveriam servir para investimentos, modernização, ganho de eficiência e redução de custos futuros – não para tapar buracos mensais de um caixa cronicamente desequilibrado.

O resultado é uma dívida cada vez menos saudável, maior dependência externa e nenhuma solução estrutural. Enquanto isso, a transparência sobre gastos, contratos e decisões estratégicas segue insuficiente, o que apenas aprofunda a desconfiança da sociedade e dos funcionários.

É lamentável que um hospital com tamanha importância social, histórica e simbólica chegue a esse ponto ano após ano. A Santa Casa precisa de mais do que socorros emergenciais: precisa de coragem para mudar, de responsabilidade na gestão e de respeito por quem sustenta a sua missão.

Sem isso, continuará sobrevivendo de milagres – e milagres, como se sabe, não fazem planejamento financeiro.

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