Artigos e Opinião

OPINIÃO

Gaudêncio Torquato: "A cultura individualista"

Professor da USP

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São múltiplas as razões para a extensão das redes criminosas que agem à sombra do Estado. Uma das fontes desse poder oculto é a própria Constituição de 88. Parece uma sandice, pela antinomia expressa: a lei maior, no mais elevado pedestal da Pátria, ser responsável por mazelas. Há lógica?

Ao abrir o leque de direitos sociais e individuais, a Carta construiu as vigas institucionais com autonomia, liberdade e competência funcional. Sistemas e aparelhos se robusteceram para exercer com independência as funções constitucionais. O Estado liberal e o Estado social convergiram suas posições em direção ao Estado Democrático de Direito, sob o qual o Poder Judiciário assume posição de relevo, fato que explica seu papel preponderante na pavimentação da via democrática. 

A judicialização da política, fenômeno bastante observado nos últimos tempos, leva em consideração a ausência de legislação infraconstitucional, o que tem permitido ao Judiciário entrar no vácuo legislativo e interpretar as normas de comando.

Instituições do Estado, voltadas para a defesa do regime democrático, da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais, ganharam impulso. O Ministério Público, por exemplo, alçado à condição de instituição essencial à função jurisdicional do Estado e acrescida bagagem normativa, passou a incorporar a missão de guardião maior da sociedade. Sua atuação, se, de um lado, ganhou o respeito dos cidadãos, passou a ser questionada por causa de ações consideradas exageradas.

A Polícia Federal reforçou a identidade como órgão encarregado de exercer a segurança pública para a preservação da ordem e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, passando a agir em parceria com instâncias do Judiciário. Sua extensa folha de serviços, alargada por um fluxo de maior profissionalismo, penetra nos espaços mais obscuros da vida criminosa e nos porões incrustados nas malhas da administração pública.

A par de sua contribuição para a consolidação dos pilares éticos e morais e a preservação das boas práticas políticas, ganhou uma legião de críticos e adversários, também por conta de operações espetaculosas, marcadas por nomes simbólicos. Como pano de fundo temos a Constituição de 88, que propiciou ao aparelho do Estado a competência para organizar estruturas e métodos capazes de garantir a sua segurança e alcançar o equilíbrio social.

Às ações do MP e da PF se somam tarefas de outros sistemas que também fazem apurações e controles, como o Gabinete de Segurança Institucional, o Tribunal de Contas da União, a Corregedoria-Geral da União, além dos aparatos do Parlamento, como as Comissões de Inquérito. O Estado possui máquina mais que suficiente para monitorar retas e curvas de pessoas físicas e jurídicas. Mas nessas trilhas a coisa começa a desandar. A pletora de instrumentos de controle abre imensos vácuos. A política é como a água corrente: preenche os vazios.

Tarefas assemelhadas se repartem entre alguns órgãos, espaços se bifurcam e dirigentes são atingidos pelo fogo das vaidades. Cada qual procura chamar para si a atenção. Afinal, as luzes do Estado-Espetáculo propiciam ampla visibilidade. Se as ferramentas a serviço do Estado fossem desprovidas de sentimentos, teríamos gigantesca estrutura de controles comprometida com o bem comum. Coisa difícil.

O bem da coletividade passa pela filtragem personalista. Somos um País que privilegia a marca pessoal. A ação da entidade é precedida pela louvação do dirigente. O ministro Sérgio Moro ganha estátua de xerife-mor. Mesmo sob tiroteio.Juízes e procuradores dão o tom da justiça e da política, imprimindo à orquestra o seu compasso. Alas e grupos se formam no interior de estruturas, matizes políticos dão o tom de operações e a algazarra do espetáculo acende altas fogueiras.

A querela se espalha, como estamos vendo hoje entre os três Poderes. O que fazer com a massa contenciosa que agita atores e instituições? O óbvio: cumprir o dever nos limites prescritos pela lei, despir-se de vaidades, usar o bom senso para evitar duplicação de tarefas e profissionalizar as estruturas, deixando-as imunes aos partidarismos. Cada Poder deveria se ocupar de suas funções. Sem mais nem menos. Se for criado um novo controlador para comandar o já existente, o País andará em círculos.

EDITORIAL

Santa Casa refém da própria má gestão

A Santa Casa precisa de mais do que socorros emergenciais: precisa de coragem para mudar, responsabilidade na gestão e respeito por quem sustenta sua missão

23/12/2025 07h15

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A situação vivida pela Santa Casa de Campo Grande ao fim de mais um ano é, infelizmente, a repetição de um roteiro conhecido – e previsível.

Há, pelo menos, uma década, o maior hospital filantrópico do Estado é vítima não apenas de um sistema público de saúde subfinanciado, mas, sobretudo, de escolhas administrativas equivocadas, da falta de planejamento e de uma gestão que parece incapaz de romper com seus erros históricos.

Neste fim de ano, o cenário chega a um ponto simbólico e constrangedor: a instituição depende, literalmente, de um milagre para pagar o 13º salário de seus funcionários.

Profissionais que sustentam o atendimento diário de milhares de pacientes, que enfrentam plantões exaustivos, superlotação, escassez de insumos e pressão constante, agora convivem com a angústia de não saber se receberão um direito básico. Isso não honra o nome “Santa Casa”.

Não há justiça social, não há moralidade administrativa e tampouco humanidade em deixar esses trabalhadores à mercê da incerteza.

É evidente que o problema não se resume à gestão interna. O subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é uma realidade nacional, e a Santa Casa, como tantas outras instituições filantrópicas, sofre com valores defasados, repasses insuficientes e atrasos frequentes.

O poder público tem, sim, parcela relevante de responsabilidade nesse quadro. Ignorar isso seria desonesto. No entanto, usar essa realidade como justificativa permanente para a ineficiência interna é igualmente inaceitável.

O que salta aos olhos é a aparente falta de disposição da administração do hospital em buscar eficiência, especialmente no campo financeiro.

Os números mostram que apenas o serviço da dívida – os juros e encargos pagos anualmente aos bancos – seria suficiente para quitar não apenas o 13º salário e evitar o acúmulo de outras obrigações em atraso, mas também de quitar quase toda a folha anual. Isso revela um modelo de gestão que prioriza a manutenção de passivos bancários em detrimento do compromisso com seus trabalhadores.

Mais uma vez, a saída apontada parece ser recorrer a novos empréstimos ou aguardar aportes emergenciais do poder público. Trata-se de um ciclo perverso. Endividar-se para cobrir despesas correntes, como folha de pagamento, não é uma estratégia de sustentabilidade; é um atalho para o colapso.

Empréstimos deveriam servir para investimentos, modernização, ganho de eficiência e redução de custos futuros – não para tapar buracos mensais de um caixa cronicamente desequilibrado.

O resultado é uma dívida cada vez menos saudável, maior dependência externa e nenhuma solução estrutural. Enquanto isso, a transparência sobre gastos, contratos e decisões estratégicas segue insuficiente, o que apenas aprofunda a desconfiança da sociedade e dos funcionários.

É lamentável que um hospital com tamanha importância social, histórica e simbólica chegue a esse ponto ano após ano. A Santa Casa precisa de mais do que socorros emergenciais: precisa de coragem para mudar, de responsabilidade na gestão e de respeito por quem sustenta a sua missão.

Sem isso, continuará sobrevivendo de milagres – e milagres, como se sabe, não fazem planejamento financeiro.

ARTIGOS

Terrorismo e religiosidade

Fundamentalismo dos terroristas de todos os matizes é antissemita, anticristão e anti-hislamista, porque se vale da inimizade aos valores religiosos para disseminar o ódio

22/12/2025 07h45

Arquivo

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A propósito do recente e trágico ataque ocorrido na Austrália, que vitimou diversas pessoas – algumas delas fatalmente – durante a pacífica celebração do Hanukkah, a festa das luzes da comunidade judaica, impõem-se algumas reflexões sobre os motivos e as consequências de tal ato.

À falta de definição mais apropriada, e sem entenderem bem o que teria motivado os ataques, aparentemente praticados por pessoas isoladas, os analistas chamaram a atenção para a facilidade com que se adquirem armamentos hoje em dia, fenômeno que ocorre também em nosso País.

É simbólico que a festa das luzes seja muito próxima dos festejos de Natal. Também no Tempo do Advento as luzes da coroa vão sendo acesas em crescente até que a Luz do Mundo venha a nascer na noite tão esperada pelos cristãos.

Jesus Cristo não selecionava ninguém. Qualquer pessoa seria bem acolhida por Ele, bastando que professasse o único mandamento propriamente cristão: ama o próximo como a ti mesmo. Aliás, o Cristo ia além e dizia: amai vossos inimigos, o que revela, igualmente, o modelo mais aberto de compreensão da pessoa do próximo.

Na verdade, o fundamentalismo dos terroristas – de todos os matizes – é antissemita, anticristão e anti-hislamista, porque se vale da inimizade aos valores religiosos para disseminar o ódio, a cultura de morte a que já se referia São João Paulo II.

Trata-se, portanto, do mesmo tipo de fundamentalismo que outros grupos de terroristas praticam para excluir as minorias de todo o tipo, mesmo as que não professem nenhuma crença.

É simbólico que tenha sido Ahmed, o sírio, a desarmar um dos terroristas, o que lhe custou dois ferimentos.

Esses terroristas disparam, inclusive pelos meios de comunicação virtual, contra todos aqueles que não pensam como eles. Eis quem são, em certo sentido, os verdadeiros fundamentalistas do ódio. Por que teriam escolhido a reunião do Hanukkah, tão plena de simbolismos?

Não nos prendamos a esse vetor. Basta atentar para os recentes ataques a uma mesquita e a uma feira natalina para que se ponha foco na essência do que está em jogo.

A enorme confusão ideológica e doutrinal do terrorismo revela, antes de tudo, mentes perturbadas, incapazes de discernir entre o bem e o mal. Ou, se quisermos embaralhar ainda mais as cartas, incapazes de discernir a esquerda da direita.

A confusão ideológica, aliás, não é apenas um sintoma de desordem mental, mas a estratégia consciente de aniquilar a pluralidade inerente à condição humana.

O extremismo, ao se apropriar de símbolos sagrados e transformá-los em bandeiras de exclusão, trai a própria essência de qualquer fé que pregue a transcendência e o amor ao Criador, pois desumaniza a criatura feita à sua imagem.

Desta forma, o verdadeiro combate ao terrorismo não se limita à repressão policial ou militar, mas passa necessariamente pela defesa intransigente da educação e do diálogo inter-religioso.

É a luz da razão e da tolerância que deve ser acesa para dissipar a escuridão do fanatismo, provando que a diferença de crença jamais pode ser motivo para a guerra, mas sim o motor para um enriquecimento mútuo da civilização.

Urge que os homens de boa vontade se ergam, em uníssono, em favor de uma cultura de paz e de liberdade religiosa, e que todas as luzes se acendam em alerta contra toda e qualquer manifestação terrorista.

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