Expressão antiga, diz respeito à pessoa que não quer enxergar o que está na sua frente, àquele que se nega a ver a verdade.
Consta que, em 1647, na cidade de Nimes, na França, na universidade local, o médico Vicent de Paul D’Argenrt realizou, com sucesso, o primeiro transplante de córnea em um aldeão de nome Angel. Contudo, assim que passou a enxergar, Angel ficou horrorizado com o mundo que via. Disse que o mundo que ele imaginava era muito melhor. Pediu ao cirurgião que arrancasse seus olhos. O caso foi acabar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel ganhou a causa e entrou para a história como o cego que não quis ver.
No Brasil, temos inúmeras pessoas que não querem enxergar o que está na sua frente, no seu nariz.
Com o afloramento dos desvios de dinheiro público da Petrobras, agravado pelo conhecido “Mensalão”, e, ainda, com a expectativa de surgimento de investigação acerca de desvios de numerário do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Caixa Econômica Federal, Receita Federal etc, a população iniciou um processo de manifestações pelo país afora.
São pleitos de toda a ordem, mas o cerne do movimento cinge-se à corrupção que assola o Brasil, notadamente, aquela institucionalizada no Governo do Partido dos Trabalhadores e, claro, o impeachment da Presidente da República.
Grande parcela da sociedade clama pelo impeachment de Dilma Rousseff, enquanto a minoria posiciona-se contra, sob o argumento de que não há indícios da participação efetiva da governante de plantão nas condutas ímprobas dos asseclas.
Lembro o leitor que o artigo 29 do Código Penal Brasileiro dispõe: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”, enquanto o artigo 10 da Lei Federal nº 8.429, de 2 de junho de 1992, estabelece: “Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei...”, no caso, a Petrobrás.
É fato que o ex-presidente e a atual presidente da República sustentam não ter conhecimento da conduta ilegal de seus subordinados, embora tenham se beneficiado com os desvios de dinheiro e doações para as suas campanhas eleitorais, como noticiado pela imprensa nacional.
Recente pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha demonstra que “...84% dos brasileiros acreditam que a presidente Dilma Rousseff sabia sobre a corrupção na Petrobras...”, dos quais 61% “...acreditam que Dilma sabia sobre a corrupção na Petrobras e deixou que ocorresse”, sendo que do “...grupo de entrevistados que declarou ter votado em Dilma no segundo turno das eleições de outubro, 74% ressaltaram que a presidente sabia sobre o esquema de corrupção, enquanto essa porcentagem chega a 94% entre os que votaram pelo senador opositor Aécio Neves...”.
Especificamente sobre os motivos para o impeachment da presidente Dilma Rousseff, respeito os que pensam não existir fundamento jurídico para o afastamento. Contudo, trago ao conhecimento do leitor a conclusão do renomado constitucionalista Ives Gandra da Silva Martins, de 26 de janeiro de 2015, em parecer sobre a “Responsabilidade dos Agentes Públicos por Atos de Lesão à Sociedade – Inteligência dos §§5º e 6º do Artigo 37 da CF – Improbidade Administrativa por Culpa ou Dolo – Disciplina Jurídica do “Impeachment” Presidencial (Artigo 85, Inciso V da CV)”, emitido em consulta formulada pelo advogado José de Oliveira Costa.
Disse o renomado jurista: “Concluo, pois, considerando que o assalto aos recursos da Petrobras, perpetrado durante oito anos, de bilhões de reais, sem que a Presidente do Conselho e depois Presidente da República o detectasse, constitui omissão, negligência e imperícia, conformando a figura da improbidade administrativa, a ensejar a abertura de um processo de impeachment”.
Destaco que, em sua fundamentação, o causídico sustentou o seguinte: “Quando, na administração pública, o agente público permite que toda a espécie de falcatruas sejam realizadas sob sua supervisão ou falta de supervisão, caracteriza-se a atuação negligente e a improbidade administrativa por culpa. Quem é pago pelo cidadão para bem gerir a coisa pública e permite seja dilapidada por atos criminosos, é claramente negligente e deve responder por esses atos”.
O pior cego é aquele que não quer enxergar.


