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Guerra em Gaza e a gestão de riscos políticos

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O cenário de negócios internacionais está se tornando cada vez mais desafiador, refletindo-se na vulnerabilidade das operações logísticas, especialmente com o avanço da multipolaridade nas relações entre nações e o aumento de tensões e conflitos ao redor do mundo. No dia 7 de outubro, o confronto de Israel na Faixa de Gaza completa um ano, marcado por intensos combates que não só agravaram a crise humanitária na região, como também elevaram o risco de um conflito mais amplo no Oriente Médio, envolvendo outros países e potências.

Além das consequências humanitárias e políticas, o conflito impactou diretamente o comércio e a logística globais. Após o início das hostilidades, os Houthis – milícia que controla a maior parte do Iêmen e apoia a causa palestina – praticamente fecharam o Mar Vermelho para embarcações associadas a Israel e seus aliados. Até agora, mais de 70 ataques a navios nessa região foram registrados. A gigante dinamarquesa A. P. Moller-Maersk (Maersk) relatou que a interrupção no transporte de contêineres pelo Mar Vermelho afeta não só as rotas comerciais entre o Extremo Oriente e a Europa, mas também sua rede como um todo. Os ataques e o bloqueio ao estreito de Babelmândebe prolongaram o tempo de viagem e elevaram as tarifas de frete.

Outros efeitos econômicos também são visíveis: ao norte de Israel, mais de 200 mil pessoas tiveram de abandonar suas casas em função dos confrontos com o Hezbollah. A recente escalada das hostilidades entre o grupo libanês e Israel tomou proporções graves nos últimos dias, levando, inclusive, à entrada direta do Irã no conflito, escalada iniciada com uma operação no Líbano que detonou milhares de pagers fabricados na Hungria sob licença de uma empresa tailandesa e distribuídos localmente.

Nesse contexto, os impactos nas operações internacionais são notáveis, afetando principalmente as economias da Europa, dos EUA e de Israel. Os custos logísticos foram drasticamente elevados. Somente em setembro, as seguradoras mais que dobraram o valor do prêmio para cargas que cruzam o Mar Vermelho, subindo de 0,7% para 2% do valor transportado. Seguradoras menores, por sua vez, estão se recusando a assegurar cargas na rota ameaçada pelos Houthis.

Empresas da indústria de alta tecnologia com operações que passam por Israel, como a de semicondutores, também sentiram os efeitos do conflito. O principal porto israelense em Eilat está inoperante desde novembro, após os primeiros ataques no Mar Vermelho, enquanto grande parte da indústria local está paralisada, resultando em suspensões de entregas, cancelamentos contratuais e atrasos.

Dessa forma, a gestão de riscos políticos se torna um pilar estratégico essencial para empresas no cenário global. O trágico exemplo de Gaza pode se repetir em outras regiões, com impactos ainda maiores: tensões crescentes no Mar do Sul da China entre chineses e americanos, a escalada da guerra na Ucrânia, os conflitos na Península Coreana e no Mar do Japão, instabilidades na África Setentrional e Subsaariana e a disputa entre Venezuela e Guiana por Essequibo. Essas são apenas algumas ameaças que requerem atenção.

Medir os riscos com precisão também é complicado, em razão da dificuldade de prever eventos raros e entender suas intenções políticas. Ademais, empresas tendem a não revisar suas análises de riscos após o primeiro investimento, o que as deixa desatualizadas em um ambiente de rápida mudança. Por fim, comunicar os riscos é igualmente desafiador em função de diferentes perspectivas e interpretações que podem levar a decisões divergentes e a uma má compreensão.

Em razão da complexidade das cadeias globais, seja para um mercado local que vende queijo italiano, seja para uma montadora que opera uma rede logística global, é crucial estabelecer um sistema de gestão de riscos políticos. Esse sistema deve ser capaz de entender o contexto do negócio, analisar claramente os riscos envolvidos, mitigar adequadamente esses riscos com abordagens adequadas e estar pronto para responder a eventos que impactem o negócio.

Com a guerra de Israel em Gaza completando um ano, novos riscos emergem e os já existentes são ampliados. Qual será o impacto no preço do petróleo caso o Estreito de Ormuz seja fechado pelos iranianos? Decisões arbitrárias contra empresas israelenses ou que mantenham negócios com Israel são uma possibilidade? Poderão os EUA se envolverem em um conflito direto com o Hezbollah ou o Irã, gerando uma alta histórica no dólar? O fornecimento de fertilizantes israelenses ao Brasil pode ser interrompido com o agravamento da crise?

Ainda que ninguém espere que as empresas tenham respostas prontas para essas questões, o que se espera é que estejam preparadas para lidar com os riscos políticos e que, além desse contexto, saibam fazer seus próprios questionamentos sobre a cadeia em que estão inseridas. Seja para uma greve de colaboradores em uma planta local, seja para uma guerra em outro hemisfério, não é mais possível deixar de lado a gestão dos riscos políticos.

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Construindo pontes invisíveis

04/10/2024 07h30

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Imagine que a administração de uma cidade é como um trem de alta velocidade em que a Educação é a locomotiva que puxa os vagões do desenvolvimento social e econômico. Em um cenário de transição política, como a troca de prefeitos, é preciso garantir que esse trem continue sua jornada sem descarrilar. Para isso, o regime de colaboração entre municípios funciona como os trilhos invisíveis que mantêm o trem em movimento, permitindo que a mudança de maquinistas não interrompa o curso do progresso educacional.

A transição política é um momento delicado, semelhante a uma estação de troca, em que a preparação é essencial para evitar paradas bruscas ou desvios indesejados. No setor educacional, essa preparação é ainda mais crucial, pois a falta de continuidade pode resultar em perdas irreparáveis para os alunos e a comunidade. 

Essa colaboração entre municípios pode ser vista como uma rede de túneis e pontes que conectam diferentes partes de um vasto território, permitindo a troca de informações, estratégias e recursos. Isso porque a Educação é uma área complexa que demanda uma gestão eficiente de pessoas, insumos e recursos.

Quando os profissionais de municípios próximos trabalham juntos, apoiam-se mutuamente e criam uma sinfonia harmoniosa de soluções que beneficiam todos os envolvidos, essa cooperação é como a orquestração de um grande concerto, em que cada município contribui com sua parte para criar uma melodia coletiva de sucesso educacional.

No entanto, para que essa sinfonia de colaboração seja eficaz, é crucial que todos os participantes vejam a transição política como uma responsabilidade compartilhada, em vez de um campo de disputa. A elaboração de um memorial de transição, documentando as ações e os resultados da gestão anterior, é como um mapa que guia a nova equipe, garantindo que ela possa navegar com segurança pelas complexidades do sistema educacional.

Assim, o regime de colaboração entre municípios se torna a estrutura invisível que sustenta a continuidade e a qualidade da educação pública durante as transições políticas.

Ao construir essas pontes invisíveis, é permitido que o trem da educação continue sua jornada, sempre em frente, sem retrocessos, independentemente de quem esteja no controle da locomotiva. Os gestores públicos que estiverem imbuídos dos compromissos com a cooperação e a continuidade serão aqueles que vão assegurar que as gerações futuras recebam a educação que merecem, contribuindo para um Brasil mais justo e desenvolvido.

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Omissão diante das pirâmides financeiras

03/10/2024 07h45

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Um relatório da atividade sancionadora da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgado recentemente revelou que as pirâmides financeiras seguem como o crime mais reportado à entidade autárquica. Entre abril e junho, dos 15 comunicados emitidos ao Ministério Público, quatro foram relacionados a esse tipo de crime. Os números mostram uma tendência alarmante no mercado de capitais brasileiro.

A gravidade do problema que essas pirâmides representam para o País é reforçada também por um estudo do Instituto de Proteção e Gestão do Empreendedorismo e das Relações de Consumo (IPGE) que mapeou mais de 1.600 casos de crimes financeiros na última década. Apesar da crescente demanda por fiscalização e combate a fraudes, a atuação da CVM segue marcada por inconsistências, falta de transparência e, em muitos casos, uma fuga de responsabilidade.

O mapeamento do IPGE revelou um cenário preocupante, em razão do exponencial prejuízo causado por esses esquemas fraudulentos identificados aos milhares de investidores no Brasil. Os números refletem uma tendência de crescimento alimentada por uma regulação frouxa e por lacunas que permitem aos fraudadores operarem com relativa liberdade. O fato de que a CVM é o principal órgão a quem essas fraudes são reportadas levanta questões sobre sua eficácia e postura diante desse desafio.

Apesar de ser o órgão encarregado de zelar pelo mercado de capitais, a CVM frequentemente adota uma postura passiva e burocrática, se eximindo da  responsabilidade. Em muitos casos, o órgão alega que certos esquemas não se enquadram nas suas atribuições legais, transferindo o ônus para outras entidades ou deixando a questão sem resposta. Essa falta de ação imediata cria um vácuo regulatório que facilita a proliferação de crimes como as pirâmides financeiras. 

O estudo do IPGE mostrou que muitos desses esquemas só são investigados pela CVM após anos de operação, quando os danos aos investidores já são irreversíveis.
Como obstáculo adicional, ainda pode-se colocar o fato de que a atuação da CVM  é marcada por critérios inconsistentes e pela falta de clareza em suas decisões. Casos semelhantes recebem tratamentos diferentes, sem que haja justificativa plausível para essa variação.

Esse comportamento gera uma sensação de incerteza e arbitrariedade que abala a confiança dos investidores no mercado e no próprio órgão regulador. A ausência de comunicação clara sobre as investigações e a falta de uma abordagem padronizada fragilizam o mercado financeiro, deixando os investidores desprotegidos.

Diante de todo esse quadro, não é exagero afirmar que é evidente e urgente a necessidade de uma reforma na CVM. O órgão precisa passar por uma reestruturação que o torne mais ágil, proativo e transparente. Deve, ainda, buscar maior integração com outros órgãos investigativos, como o Ministério Público e a Polícia Federal, sem o qual tem sua capacidade enfraquecida para lidar com crimes complexos, como são as pirâmides financeiras. A maior cooperação entre as entidades responsáveis é essencial para que o combate a esses esquemas seja realmente eficaz.

A CVM tem um papel fundamental na proteção do mercado de capitais brasileiro, mas sua atuação precisa ser revista. Casso continuar com a atual postura reativa, 
o País continuará sendo terreno fértil para esquemas fraudulentos. O próprio relatório da entidade e o mapeamento de mais de 1.600 fraudes feito pelo IPGE é um alerta claro de que o mercado está em risco e a ineficácia da CVM deixa os investidores à mercê de fraudadores. O futuro do mercado depende de uma autarquia mais forte, transparente  e responsável, capaz de atuar preventivamente e com critérios claros. Caso contrário, o ciclo de fraudes continuará a crescer, gerando mais prejuízos e vítimas.

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