A Polícia Federal denominou de Operação Catilinárias um desdobramento da Operação Lava Jato, sendo cumpridos mandados de busca e apreensão em locais como residências e escritórios de figuras proeminentes do cenário político nacional.
O nome da Operação foi inspirado em Roma Antiga e pode ser utilizado como uma fonte para, filosoficamente, concatenarem-se reflexões sobre política no Brasil atual, inclusive com o auxílio da literatura.
Marco Túlio Cícero, eleito cônsul romano em 63 a. C., esforçou-se em defender os princípios da República, combinando filosofia, oratória e ação política. Catilina, seu rival derrotado, pretendeu tomar o poder à força, através de uma conjuração. Cícero pronunciou ao Senado 4 discursos, as Catilinárias, denunciando Catilina.
O primeiro discurso começa com a célebre: “Até quando, enfim, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda esse teu rancor nos enganará? Até que ponto audácia desenfreada se gabará? ”
Cícero utiliza a oratória para expor os planos de Catilina e tenta convencê-lo a arrepender-se de seus atos, pois estes, que antes encontravam-se em sigilo sob as reuniões obscuras, agora já era de conhecimento público: “estás preso por todos os lados; todos os teus planos são para nós, mais claros do que a luz”.
Ora, o Brasil enfrenta problemas sérios com a escassez de ética e probidade que assola a política nacional. O problema não é apenas um Catilina, mas vários, que poderiam ser enquadrados com facilidade no personagem, diante dos quadros de desvio de recursos e corrupção.
Cabe ressaltar que a problemática enfrentada não é oriunda apenas de alguns grupos políticos ou colorações partidárias, mas é estrutural, adaptando-se às mudanças conjunturais e permanecendo em atividade atualmente.
Para lembrar das profundas raízes, a literatura fornece o livro A Carteira de Meu Tio, escrita por Joaquim Manuel de Macedo em 1855, tendo como protagonista um sobrinho que pretende, com a influência do nome de seu tio, seguir a carreira política, a fim de conseguir uma vida com benesses e comodidades: “No pronome Eu se resume atualmente toda política e toda moral”.
Cícero discursa, censurando a vergonhosa ação de Catilina, que ameaçou a República, desrespeitando leis e ferindo a boa-fé dos cidadãos.
Cícero não mais acredita que Catilina medite e se arrependa de seus atos, tanto que considera: “Mas não é de se pedir que tu te revoltes contra os teus vícios, que comeces a temer as penas das leis, que transijas às exigências da República.
De fato, nem és tal, Catilina, que ou a vergonha te afaste algum dia da torpeza, ou o medo do perigo, ou a razão do ímpeto. ”
Os ecos da franqueza do estadista romano encontram uma certa ressonância em Joaquim Manuel de Macedo, cujo desencanto, porém, não é endereçado a um particular, mas sim ao cenário político em geral, ao constatar, conforme o expresso pelo protagonista do romance supra, que: “A pátria é uma enorme e excelente garopa: os ministros de Estado, a quem ela está confiada, e que sabem tudo muito, mas principalmente gramática e conta de repartir, dividem toda nação em um grupo, séquito e multidão: o grupo é formado por eles mesmo e por seus compadres, e se chama –nós-; o séquito, um pouco mais numeroso, se compõe dos seus afilhados, e se chama –vós-; e a multidão, que compreende uma coisa chamada oposição e o resto do povo se denomina –eles.”
Observa-se, na crítica macediana, que a pátria é utilizada para proveito de alguns poucos e de seus cúmplices, uma usurpação hedionda da conceituação de Cícero, que considera “a pátria, que é a mãe comum de todos nós”.
As Catilinárias são propulsoras de inspiração para reflexões sobre política em geral, inclusive no Brasil, que enfrenta sérios problemas de corrupção, improbidade e falta de ética com a República.
Cabe, por fim, relembrar Cícero, que, ao fim da primeira Catilinária, em sua prece a Júpiter, o deus protetor de Roma, pede que: “seja inscrito na fronte de cada um deles o que sente da República. ”


