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OPINIÃO

Lara Pastorello Panachuk: "Até quando, enfim, ó Catilina, abusarás da nossa paciência?"

Graduanda em Direito pela UFPR - Curitiba e pesquisadora de Iniciação Científica

Redação

09/01/2016 - 00h00
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A Polícia Federal denominou de Operação Catilinárias um desdobramento da Operação Lava Jato, sendo cumpridos mandados de busca e apreensão em locais como residências e escritórios de figuras proeminentes do cenário político nacional.

O nome da Operação foi inspirado em Roma Antiga e pode ser utilizado como uma fonte para, filosoficamente, concatenarem-se reflexões sobre política no Brasil atual, inclusive com o auxílio da literatura. 

Marco Túlio Cícero, eleito cônsul romano em 63 a. C., esforçou-se em defender os princípios da República, combinando filosofia, oratória e ação política. Catilina, seu rival derrotado, pretendeu tomar o poder à força, através de uma conjuração. Cícero pronunciou ao Senado 4 discursos, as Catilinárias, denunciando Catilina.

O primeiro discurso começa com a célebre: “Até quando, enfim, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda esse teu rancor nos enganará? Até que ponto audácia desenfreada se gabará? ” 

Cícero utiliza a oratória para expor os planos de Catilina e tenta convencê-lo a arrepender-se de seus atos, pois estes, que antes encontravam-se em sigilo sob as reuniões obscuras, agora já era de conhecimento público: “estás preso por todos os lados; todos os teus planos são para nós, mais claros do que a luz”. 

Ora, o Brasil enfrenta problemas sérios com a escassez de ética e probidade que assola a política nacional. O problema não é apenas um Catilina, mas vários, que poderiam ser enquadrados com facilidade no personagem, diante dos quadros de desvio de recursos e corrupção.

Cabe ressaltar que a problemática enfrentada não é oriunda apenas de alguns grupos políticos ou colorações partidárias, mas é estrutural, adaptando-se às mudanças conjunturais e permanecendo em atividade atualmente.

Para lembrar das profundas raízes, a literatura fornece o livro A Carteira de Meu Tio, escrita por Joaquim Manuel de Macedo em 1855, tendo como protagonista um sobrinho que pretende, com a influência do nome de seu tio, seguir a carreira política, a fim de conseguir uma vida com benesses e comodidades: “No pronome Eu se resume atualmente toda política e toda moral”. 

Cícero discursa, censurando a vergonhosa ação de Catilina, que ameaçou a República, desrespeitando leis e ferindo a boa-fé dos cidadãos.

Cícero não mais acredita que Catilina medite e se arrependa de seus atos, tanto que considera: “Mas não é de se pedir que tu te revoltes contra os teus vícios, que comeces a temer as penas das leis, que transijas às exigências da República.

De fato, nem és tal, Catilina, que ou a vergonha te afaste algum dia da torpeza, ou o medo do perigo, ou a razão do ímpeto. ”

Os ecos da franqueza do estadista romano encontram uma certa ressonância em Joaquim Manuel de Macedo, cujo desencanto, porém, não é endereçado a um particular, mas sim ao cenário político em geral, ao constatar, conforme o expresso pelo protagonista do romance supra, que: “A pátria é uma enorme e excelente garopa: os ministros de Estado, a quem ela está confiada, e que sabem tudo muito, mas principalmente gramática e conta de repartir, dividem toda nação em um grupo, séquito e multidão: o grupo é formado por eles mesmo e por seus compadres, e se chama –nós-; o séquito, um pouco mais numeroso, se compõe dos seus afilhados, e se chama –vós-; e a multidão, que compreende uma coisa chamada oposição e o resto do povo se denomina –eles.”

Observa-se, na crítica macediana, que a pátria é utilizada para proveito de alguns poucos e de seus cúmplices, uma usurpação hedionda da conceituação de Cícero, que considera “a pátria, que é a mãe comum de todos nós”. 

As Catilinárias são propulsoras de inspiração para reflexões sobre política em geral, inclusive no Brasil, que enfrenta sérios problemas de corrupção, improbidade e falta de ética com a República.

Cabe, por fim, relembrar Cícero, que, ao fim da primeira Catilinária, em sua prece a Júpiter, o deus protetor de Roma, pede que: “seja inscrito na fronte de cada um deles o que sente da República. ”

EDITORIAL

Santa Casa refém da própria má gestão

A Santa Casa precisa de mais do que socorros emergenciais: precisa de coragem para mudar, responsabilidade na gestão e respeito por quem sustenta sua missão

23/12/2025 07h15

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A situação vivida pela Santa Casa de Campo Grande ao fim de mais um ano é, infelizmente, a repetição de um roteiro conhecido – e previsível.

Há, pelo menos, uma década, o maior hospital filantrópico do Estado é vítima não apenas de um sistema público de saúde subfinanciado, mas, sobretudo, de escolhas administrativas equivocadas, da falta de planejamento e de uma gestão que parece incapaz de romper com seus erros históricos.

Neste fim de ano, o cenário chega a um ponto simbólico e constrangedor: a instituição depende, literalmente, de um milagre para pagar o 13º salário de seus funcionários.

Profissionais que sustentam o atendimento diário de milhares de pacientes, que enfrentam plantões exaustivos, superlotação, escassez de insumos e pressão constante, agora convivem com a angústia de não saber se receberão um direito básico. Isso não honra o nome “Santa Casa”.

Não há justiça social, não há moralidade administrativa e tampouco humanidade em deixar esses trabalhadores à mercê da incerteza.

É evidente que o problema não se resume à gestão interna. O subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é uma realidade nacional, e a Santa Casa, como tantas outras instituições filantrópicas, sofre com valores defasados, repasses insuficientes e atrasos frequentes.

O poder público tem, sim, parcela relevante de responsabilidade nesse quadro. Ignorar isso seria desonesto. No entanto, usar essa realidade como justificativa permanente para a ineficiência interna é igualmente inaceitável.

O que salta aos olhos é a aparente falta de disposição da administração do hospital em buscar eficiência, especialmente no campo financeiro.

Os números mostram que apenas o serviço da dívida – os juros e encargos pagos anualmente aos bancos – seria suficiente para quitar não apenas o 13º salário e evitar o acúmulo de outras obrigações em atraso, mas também de quitar quase toda a folha anual. Isso revela um modelo de gestão que prioriza a manutenção de passivos bancários em detrimento do compromisso com seus trabalhadores.

Mais uma vez, a saída apontada parece ser recorrer a novos empréstimos ou aguardar aportes emergenciais do poder público. Trata-se de um ciclo perverso. Endividar-se para cobrir despesas correntes, como folha de pagamento, não é uma estratégia de sustentabilidade; é um atalho para o colapso.

Empréstimos deveriam servir para investimentos, modernização, ganho de eficiência e redução de custos futuros – não para tapar buracos mensais de um caixa cronicamente desequilibrado.

O resultado é uma dívida cada vez menos saudável, maior dependência externa e nenhuma solução estrutural. Enquanto isso, a transparência sobre gastos, contratos e decisões estratégicas segue insuficiente, o que apenas aprofunda a desconfiança da sociedade e dos funcionários.

É lamentável que um hospital com tamanha importância social, histórica e simbólica chegue a esse ponto ano após ano. A Santa Casa precisa de mais do que socorros emergenciais: precisa de coragem para mudar, de responsabilidade na gestão e de respeito por quem sustenta a sua missão.

Sem isso, continuará sobrevivendo de milagres – e milagres, como se sabe, não fazem planejamento financeiro.

ARTIGOS

Terrorismo e religiosidade

Fundamentalismo dos terroristas de todos os matizes é antissemita, anticristão e anti-hislamista, porque se vale da inimizade aos valores religiosos para disseminar o ódio

22/12/2025 07h45

Arquivo

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A propósito do recente e trágico ataque ocorrido na Austrália, que vitimou diversas pessoas – algumas delas fatalmente – durante a pacífica celebração do Hanukkah, a festa das luzes da comunidade judaica, impõem-se algumas reflexões sobre os motivos e as consequências de tal ato.

À falta de definição mais apropriada, e sem entenderem bem o que teria motivado os ataques, aparentemente praticados por pessoas isoladas, os analistas chamaram a atenção para a facilidade com que se adquirem armamentos hoje em dia, fenômeno que ocorre também em nosso País.

É simbólico que a festa das luzes seja muito próxima dos festejos de Natal. Também no Tempo do Advento as luzes da coroa vão sendo acesas em crescente até que a Luz do Mundo venha a nascer na noite tão esperada pelos cristãos.

Jesus Cristo não selecionava ninguém. Qualquer pessoa seria bem acolhida por Ele, bastando que professasse o único mandamento propriamente cristão: ama o próximo como a ti mesmo. Aliás, o Cristo ia além e dizia: amai vossos inimigos, o que revela, igualmente, o modelo mais aberto de compreensão da pessoa do próximo.

Na verdade, o fundamentalismo dos terroristas – de todos os matizes – é antissemita, anticristão e anti-hislamista, porque se vale da inimizade aos valores religiosos para disseminar o ódio, a cultura de morte a que já se referia São João Paulo II.

Trata-se, portanto, do mesmo tipo de fundamentalismo que outros grupos de terroristas praticam para excluir as minorias de todo o tipo, mesmo as que não professem nenhuma crença.

É simbólico que tenha sido Ahmed, o sírio, a desarmar um dos terroristas, o que lhe custou dois ferimentos.

Esses terroristas disparam, inclusive pelos meios de comunicação virtual, contra todos aqueles que não pensam como eles. Eis quem são, em certo sentido, os verdadeiros fundamentalistas do ódio. Por que teriam escolhido a reunião do Hanukkah, tão plena de simbolismos?

Não nos prendamos a esse vetor. Basta atentar para os recentes ataques a uma mesquita e a uma feira natalina para que se ponha foco na essência do que está em jogo.

A enorme confusão ideológica e doutrinal do terrorismo revela, antes de tudo, mentes perturbadas, incapazes de discernir entre o bem e o mal. Ou, se quisermos embaralhar ainda mais as cartas, incapazes de discernir a esquerda da direita.

A confusão ideológica, aliás, não é apenas um sintoma de desordem mental, mas a estratégia consciente de aniquilar a pluralidade inerente à condição humana.

O extremismo, ao se apropriar de símbolos sagrados e transformá-los em bandeiras de exclusão, trai a própria essência de qualquer fé que pregue a transcendência e o amor ao Criador, pois desumaniza a criatura feita à sua imagem.

Desta forma, o verdadeiro combate ao terrorismo não se limita à repressão policial ou militar, mas passa necessariamente pela defesa intransigente da educação e do diálogo inter-religioso.

É a luz da razão e da tolerância que deve ser acesa para dissipar a escuridão do fanatismo, provando que a diferença de crença jamais pode ser motivo para a guerra, mas sim o motor para um enriquecimento mútuo da civilização.

Urge que os homens de boa vontade se ergam, em uníssono, em favor de uma cultura de paz e de liberdade religiosa, e que todas as luzes se acendam em alerta contra toda e qualquer manifestação terrorista.

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