Artigos e Opinião

Editorial

Leão XIV e o desafio de construir pontes

Em um mundo marcado por conflitos armados, radicalização política e crescente intolerância cultural e religiosa, o gesto de ouvir o outro se torna um ato de coragem

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A Igreja Católica tem um novo pontífice: Leão XIV. O cardeal norte-americano, escolhido para liderar os mais de 1,3 bilhão de católicos espalhados pelo mundo, traz no currículo uma longa trajetória missionária na América do Sul, o que já estabelece uma conexão direta com os fiéis deste continente, em especial com o Brasil – o país com a maior população católica do planeta. Recebemos a notícia com alegria e esperança e com o senso de que, talvez, o novo pastor compreenda melhor os dilemas e as dores de nosso lado do hemisfério.

O início de seu pontificado foi marcado por uma mensagem clara: Leão XIV quer construir pontes. Defende o diálogo, a escuta, o encontro entre diferentes. Em tempos sombrios, em que o grito muitas vezes se impõe à razão e a força tenta calar a divergência, essa mensagem não é apenas bem-vinda, é urgente.

Construir pontes deveria ser não apenas um lema religioso, mas um princípio civilizatório. Em um mundo marcado por conflitos armados, radicalização política e crescente intolerância cultural e religiosa, o gesto de ouvir o outro se torna um ato de coragem. E ouvir não é o mesmo que concordar: é reconhecer a humanidade de quem pensa diferente. Essa simples distinção, muitas vezes ignorada, pode ser o primeiro passo para restaurar o tecido social dilacerado.

Mais do que em tempos recentes, o mundo precisa de diálogo. A imposição de ideias pela força – militar, política ou moral – tem produzido destruição, morte e ressentimento. Espera-se que o novo papa tenha a habilidade de ser uma voz que desarma, que pacifica, que constrói, não apenas dentro da Igreja, mas nos corredores da política internacional, nos conflitos religiosos, nos dramas humanos que se multiplicam ao redor do globo.

Acreditamos que Leão XIV compreenda o tamanho desse desafio. Promover o entendimento entre os cristãos de diferentes tradições já é uma tarefa imensa. Ir além, buscando aproximação com os que não professam a mesma fé ou que têm visões antagônicas, exige ainda mais sensibilidade e coragem. Mas não há outro caminho. Ou a humanidade aprende a dialogar, ou seguirá adoecendo na intolerância.

O dissenso não é sinônimo de discórdia. Os seres humanos, tão semelhantes em suas fragilidades e afetos, são diferentes quando observados com cuidado, com lupa, com empatia. Entender essas diferenças é o que nos leva à convivência verdadeira, não aquela de fachada, mas a convivência baseada no respeito ativo, no acolhimento possível.

Que Leão XIV seja, de fato, um construtor de pontes. E que encontre, ao seu lado, líderes políticos, religiosos e sociais dispostos ao mesmo esforço. A missão é gigantesca, mas a humanidade só terá futuro se ele for trilhado sobre os alicerces do respeito e da escuta. Esse é o recado do novo papa – que saibamos escutá-lo.

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EDITORIAL

É preciso passar um pente-fino na Cosip

O que a sociedade exige e com razão é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte

20/12/2025 07h15

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A deflagração da Operação Apagar das Luzes, nesta sexta-feira, pelo Grupo Especializado de Combate à Corrupção (Gecoc) do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), é mais um daqueles episódios que deixam claro que a iluminação pública de Campo Grande guarda muito mais sombras do que se imaginava.

E, ao que tudo indica, ainda há muito a ser revelado sobre contratos, cifras e responsabilidades envolvendo um serviço essencial para a cidade.

Campo Grande figura entre os municípios que mais arrecadam no Brasil com a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip). Trata-se de uma arrecadação robusta, bilionária ao longo dos anos, paga mensalmente pelo cidadão na conta de energia elétrica.

Ainda assim, a realidade vista nas ruas é contraditória: bairros inteiros convivem com postes apagados, avenidas mal iluminadas e áreas que se tornam vulneráveis à criminalidade justamente pela ausência de luz.

A investigação que apura fraudes estimadas em R$ 62 milhões lança uma pergunta inevitável: como é possível faltar iluminação em um município que arrecada tanto?

Reportagem publicada pelo Correio do Estado no ano passado mostrou que a Cosip de Campo Grande superava, à época, a arrecadação de Curitiba – cidade com mais que o dobro da população. Mesmo assim, a capital sul-mato-grossense convive com um serviço precário e reclamações recorrentes da população.

O mais preocupante é que essas suspeitas de irregularidades surgem em meio a um discurso constante de crise financeira propagado pela administração municipal.

Se confirmadas, as fraudes não estariam ocorrendo em um cenário de escassez, mas sim em um verdadeiro manancial de recursos. Isso agrava ainda mais o quadro, pois revela que o problema pode não ser falta de dinheiro, mas falhas graves de gestão, fiscalização e zelo com o dinheiro público.

É legítimo esperar explicações detalhadas sobre os contratos firmados, os critérios de pagamento e a execução dos serviços. Mas isso, por si só, não basta. O que a sociedade exige – e com razão – é transparência permanente sobre a aplicação da Cosip. Trata-se de uma contribuição pesada no bolso do contribuinte, que deveria retornar em forma de ruas iluminadas, mais segurança e melhor qualidade de vida.

Nesse contexto, o trabalho do Gecoc merece reconhecimento. Mais uma vez, o MPMS cumpre seu papel institucional de investigar, cobrar respostas e iluminar áreas em que a administração pública falhou.

Combater a corrupção não é apenas punir culpados, mas também criar condições para que os serviços públicos funcionem melhor e com mais eficiência.

Iluminação pública não é luxo. É segurança, mobilidade e dignidade urbana. Se há dinheiro sobrando e luz faltando, algo está profundamente errado – e precisa ser corrigido com urgência, transparência e responsabilidade.

ARTIGOS

Redes sociais: o "estacionamento" da reputação corporativa

Qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial

19/12/2025 07h45

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No ambiente corporativo contemporâneo, a fronteira entre opinião pessoal e responsabilidade profissional se tornou quase invisível. Com a hiperconectividade, qualquer manifestação nas redes sociais tem potencial para alcançar ampla visibilidade. Um único comentário ofensivo de um funcionário é capaz de comprometer a confiança interna, afetar a reputação da marca e desencadear litígios.

Quando as manifestações de funcionários ultrapassam o limite da crítica construtiva e se convertem em acusações ou declarações com potencial de impactar negativamente a imagem e a credibilidade da organização, abre-se espaço a um debate essencial: qual é o limite entre a liberdade de expressão do trabalhador e a proteção da honra e da imagem empresarial?

A repercussão, em casos como esse, costuma ser imediata. Colegas, clientes, fornecedores e demais parceiros têm acesso ao conteúdo, potencializando seus efeitos e ampliando o risco reputacional.

Qualquer que seja o caminho de resposta, a análise jurídica deve ser cuidadosa. A Consolidação das Leis do Trabalho (art. 482, alíneas j e k) prevê a possibilidade de dispensa por justa causa quando o empregado pratica ato lesivo à honra ou à boa fama de qualquer pessoa “no serviço”, especialmente quando dirigido ao empregador ou superiores hierárquicos.

A jurisprudência tem entendido que publicações em redes sociais podem produzir efeitos equivalentes aos de condutas praticadas no ambiente físico de trabalho, legitimando a aplicação da penalidade.

A Constituição Federal (art. 5º, incisos IV, V e X) assegura a liberdade de expressão, mas estabelece limites claros quando essa manifestação viola direitos relacionados à honra, à imagem e à dignidade. Já o Marco Civil da Internet reforça mecanismos de responsabilização de plataformas mediante notificação, permitindo respostas mais ágeis a conteúdos ilícitos.

Com a evolução da sociedade, a linha que separa opinião de ofensa se tornou cada vez mais tênue. A liberdade de expressão é garantida, mas não é absoluta: quando a crítica se transforma em injúria ou difamação, há quebra de confiança, podendo configurar justa causa, inclusive quando a conduta ocorre fora do expediente.

O desafio, agora, reside na interpretação. A definição do que constitui “crítica legítima” ou “falta grave” ainda é variável entre diferentes julgadores, o que aumenta o risco de reversão de penalidades, pedidos de indenização e danos à reputação corporativa.

Em um ambiente empresarial cada vez mais exposto ao escrutínio público, sobretudo nas redes sociais, torna-se imprescindível que as organizações adotem políticas claras, protocolos seguros de apuração e documentação robusta para fundamentar suas decisões e que as decisões e a gestão de tópicos sensíveis considerem estratégia, cautela e respaldo técnico.

Condutas inadequadas de colaboradores podem gerar impactos relevantes, mas a resposta empresarial deve estar alinhada à legislação e às melhores práticas de governança.

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